Lavouras de até 4 mil quilos por hectare de soja e 8 mil quilos por hectare de milho, pastagens com até quatro bois de corte por hectare, além de laranja, café e mandioca. São números, rendimentos e diversidade de dar inveja, resultado de experiências bem-sucedidas no Arenito Cauiá, no Noroeste do Paraná. Região de solo arenoso, a última fronteira agrícola do estado atesta seu potencial na produção agrícola.
O Arenito Caiuá não tem mais dúvida. Depois de uma década de experimentos, o cultivo integrado de pastagens, grãos e florestas tem aval de técnicos e produtores. Os resultados de áreas que renderam mais de 4 mil quilos de soja por hectare nesta safra prometem estimular a adoção do sistema. A renda com a produção de grãos representa um bônus para quem faz o rodízio com a intenção de renovar o pasto – as áreas degradadas ainda representam dois terços das pastagens.
A marca atingida pelo produtor Gérson Magnoni Bortoli – 4,47 mil quilos por hectare – vem sendo considerada a prova definitiva da viabilidade da integração. Ele venceu concurso de produtividade na microrregião de Umuarama com marca superior à do grupo que concorria no entorno de Maringá, onde há solos mais argilosos e naturalmente mais férteis.
“Na área de 6 hectares que inscrevi no concurso da Cocamar não faltou chuva, o que ajudou”, relata. A média dos 365 hectares dedicados à oleaginosa ficou em 3,2 mil quilos por hectare, duas sacas a mais do que a média estadual. Agora, 55% dessa área estão virando pastagem e 45% são dedicados ao milho. O agropecuarista engorda 300 bois ao ano.
As lavouras do sistema de integração que enfrentaram seca renderam até o dobro das áreas dedicadas apenas ao cultivo de grãos, relata o agropecuarista Cesar Formighieri, referência na adoção do sistema. Ele registrou médias de 2,47 mil e 2,6 mil kg/ha em lavouras de Douradina e Maria Helena, respectivamente. O Noroeste cultivou 190 mil hectares de soja na temporada 2012/13 e alcançou 2,8 mil quilos por hectare em média, conforme o Departamento de Economia Rural (Deral). A área cresceu 4% e a produtividade foi 50% maior, na comparação com 2011/12, quando as zonas com estiagem não foram exceção, mas sim a regra.
Abrangência
Área integrada está crescendo, mas tem tamanho desconhecido
Pelo menos 1 milhão de hectares de pastagens da região do Arenito Caiuá podem ser renovadas com o cultivo de grãos, que deixa o solo mais fértil para as gramíneas que alimentam o gado. Essa área é imensamente maior que a usada atualmente na produção integrada. Os projetos consolidados pela cooperativa Cocamar somam 13 mil hectares (5 mil de lavouras e o restante de pastagem e florestas) e estão em expansão. Os órgãos do governo não arriscam projeções para as áreas que alternam pecuária e agricultura.
Demanda urbana
A integração da pecuária com lavouras e florestas melhora a distribuição de renda nas cidades, avaliam os técnicos da região de Umuarama. A escassez de mão de obra para trabalhar na produção de mandioca, de café e para pilotar máquinas da agricultura de precisão, por exemplo, é indício de que os resultados do sistema chegam à zona urbana, aponta o secretário municipal de Agricultura, Antonio Carlos Fávaro. O município tem registrado abertura de até 400 vagas ao mês, quarto maior índice do estado, atrás apenas das marcas de Curitiba, Maringá e Cascavel. O aumento da demanda por trabalhadores especificamente nas áreas de intregração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) não vem sendo monitorado. A mandioca e a soja estão se expandindo em áreas de pastagens, mas nem todas as fazendas adotam as orientações que configuram a ILPF.
Resistência ao custoApesar da série de vantagens da produção integrada de gado e grãos, a adoção do sistema evolui lentamente. “O pecuarista não questiona tecnicamente o sistema. Resiste porque a mudança exige um investimento alto”, afirma o agrônomo Rafael Franciscatti dos Reis, que coordena o programa de integração na cooperativa Cocamar. Em muitos casos, partir de áreas degradas para a produção de grãos é como começar do zero. É necessário avaliar o solo, corrigir, adubar, comprar máquinas, contratar mão de obra. Quando vêm de anos de crise na pecuária, os pecuaristas não têm recursos para bancar esse processo. Por outro lado, podem acessar linhas de crédito como a do programa Agricultura Baixo Carbono (ABC), com juros de 5% ao ano. O ABC tem meta de recuperar 15 mil hectares de pasto degradado e financiar 4 milhões de hectares de intregração lavoura-pecuária-floresta.
Sistema tem receita diferente para cada fazenda
A integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), que renova o Noroeste do Paraná, vai além da alternância de culturas e exige avaliação de cada propriedade, explica o agrônomo Rafael Franciscatti dos Reis, da cooperativa Cocamar. Experiências como a do produtor Cesar Formighieri – que cultiva grãos dois anos seguidos depois de dedicar igual período à pecuária– são indicadas para parte das fazendas.
O produtor Gérson Bortoli Magnoni faz alternância assimétrica, mas diz que o sistema é mais simples do que parece. Na fazenda Flamboyant, no verão, cultiva 375 hectares de soja e 60 de pasto. No inverno, a área da oleaginosa recebe milho (160 hectares) e pastagem (215 hectares). No meio do milho, é semeada braquiária, que cresce após a colheita do cereal. Os 60 hectares de pastagem do verão, dependendo de seu rendimento, continuam com gramíneas no inverno, mas entram na escala da soja no ano seguinte sempre que perdem rendimento.
A integração com florestas em áreas menos adequadas para lavouras e pastos permite autossuficiência de combustível para secagem de grãos, nos sistemas de integração mais avançados. Nada impede que o eucalipto seja vendido para a indústria de madeira.
Modelo se renova no Sul e no Centro-Oeste
As experiências que introduzem lavoura em áreas da pecuária e aproveitam espaço para o cultivo de floresta criaram precedente. Novos sistemas de integração estão sendo desenvolvidos no Centro-Oeste e aperfeiçoados no Sul do país. O esforço resulta em modelos capazes de tornar mais rentáveis fazendas de grãos que já são tecnicamente viáveis.
Enquanto o Instituto Agronômico do Paraná (Iapar) testa o desempenho de novas variedades de gramíneas e tenta chegar a diretrizes aplicáveis a um grande número de propriedades no estado, a Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa) concentra-se em estados como Mato Grosso e Goiás. O desafio é mostrar ao setor produtivo que os resultados da integração não se limitam às áreas de pastagens degradadas, defende o diretor-geral da Embrapa Agrossilvipastoril, João Flávio Veloso.
Essa unidade da Embrapa, especializada em sistemas integrados, funciona em Sinop, no Médio-Norte de Mato Grosso. Entrou em atividade no último ano e assume a missão de tornar a integração um passo tão importante quando o dado pelas pesquisas que viabilizaram o cultivo de soja no Cerrado, quatro décadas atrás.
Por enquanto, experiências consolidadas como a do produtor Mário Wolf, em Nova Canaã do Norte, quase na divisa de Mato Grosso com o Pará, servem de laboratório para os pesquisadores. Na mesma fazenda em que cultiva 1,4 mil hectares de soja, ele cria gado e tem uma fábrica de ração animal. Com produtividade acima 3,5 mil quilos por hectare, faz questão de manter proximidade com os técnicos, para garantir intervenção imediata em áreas de pasto que apresentam queda repentina na produtividade. “As primeiras áreas de pastagens são de 1983. Temos que providenciar renovação em áreas que perdem rendimento ou apresentam problemas como ‘morte súbita’ das gramíneas.” Em sua avaliação, o aperfeiçoamento do sistema de integração será constante.