Desde que o dólar cruzou a barreira dos R$ 3, no mês passado, produtores começaram a fazer contas. Depois de quase uma década de expansão, eles podem ser obrigados a reduzir o plantio de grãos no próximo verão. Se por um lado a alta da moeda destrava os negócios e ajuda a exportação da safra que está sendo colhida, por outro pesa nos custos de produção e desenha um cenário preocupante para a temporada 2015/16.
“Plantar vai exigir muito planejamento”, alerta o analista da FCStone Vinícius Xavier. Mesmo com a queda de 55% na cotação do petróleo, o que, teoricamente, deixaria os preços de alguns insumos mais baratos, a taxa de câmbio deve anular esse ganho ou até provocar aumento, explica o consultor da Cerealpar, Steve Cachia.
O grande desafio de 2015 será acertar a tendência do dólar e a melhor forma de se proteger é eliminar o risco da volatilidade, recomendam os especialistas. “É preciso tomar cuidado para não assumir um custo de largada alto e depois acabar tomando um tombo se o dólar voltar a cair”, pontua Xavier. Ele recomenda o barter, modalidade de compra de insumos com pagamento em produto em que as relações de troca são travadas na hora da contratação.
“Um dólar a R$ 4 pode significar valores maiores na hora da venda, mas também custos de produção mais elevados. Por outro lado, um dólar recuando de volta para próximo a R$ 3 seria sinônimo de preços em queda no mercado interno, mas não necessariamente custos de produção caindo tão cedo ou tão rapidamente”, compara o analista da Cerealpar.
As consequências da disparada atual da moeda norte-americana se tornarão mais graves caso o dólar passe a cair no segundo semestre, como preveem alguns economistas. O descasamento cambial (insumos comprados a um dólar alto e produção vendida a uma cotação mais baixa) esmagaria as margens do produtor, num movimento oposto ao que ocorre hoje.
Neste momento, a alta do dólar beneficia os produtores brasileiros porque sustenta os preços dos grãos no mercado interno enquanto as cotações internacionais estão sob pressão, explica Cachia. “A soja caiu 30% nos últimos 12 meses na Bolsa de Chicago, mas o valor da saca não recuou no mercado doméstico porque o dólar valorizou 35% frente ao real”, compara.
Com isso, o Brasil também passou a ser mais competitivo nas exportações. “Mas não podemos esquecer que este é um ano de estoques recordes e quem tiver o melhor preço acaba levando o cliente”, adverte Xavier. Na sua avaliação, a soja brasileira tende a continuar competitiva no mercado internacional até julho, quando o clima nos Estados Unidos começa a ditar o rumo das cotações.
Uma safra sem problemas climáticos nos EUA elevaria os já recordes estoques de soja a níveis ainda maiores. Já as reservas de milho, apesar de ainda abundantes, ficaram menos folgadas. “Isso seria suficiente para fazer a soja recuar a patamares que não vemos desde 2010 na Bolsa de Chicago”, alerta Cachia.
“Mas o mercado não tem mão única”, ameniza, explicando que dificilmente os EUA terão clima tão perfeito quanto em 2014. “Além do mais, preços mais baixos tendem a estimular a demanda e no final os estoques podem até ficar menores”, completa.
Nem safra recorde derruba Chicago
“Acabamos de sair de um ciclo de preços historicamente altos para um de cotações menores. Mas isto não significa necessariamente que a bolha estourou”, garante Steve Cachia, analista da Cerealpar. Prova disso, complementa o consultor, é que mesmo com cotações mais baixas ainda não há um movimento por parte de produtores ao redor do mundo para reduzir área. “Os estoques recompostos já estão precificados”, concorda Vinícius Xavier, da FCStone. “Até porque, sem o colchão do dólar, o produtor norte-americano não tem mais muita gordura para queimar”, diz . Na sua avaliação, os preços já teriam caído demais no último ano e novas baixas travariam as negociações no mercado físico, realinhando as cotações novamente para cima.