Existe o consenso de que a demanda mundial por alimentos irá aumentar significativamente nos próximos anos. Assim como também é fato que a América do Sul tem potencial para suprir esse apetite global com o aumento da produção de grãos, tanto pela elevação da produtividade como pela abertura de novas áreas. O desafio dos países sul-americanos está na organização das ações de forma conjunta e integrada para que a região abandone o posto de ‘coadjuvante’ para assumir o papel de ‘protagonista’ no agronegócio mundial, principalmente no momento da comercialização da produção.
Essa necessidade de mudança de postura do grupo sul-americano pautou o 3.º Fórum de Agricultura da América do Sul, realizado na semana passada pelo Agronegócio Gazeta do Povo, no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba. Com o tema “Sociedade Urbana, Economia Rural”, o evento reuniu mais de 400 pessoas de oito países em cinco conferências e oito painéis.
“Até 2050, será preciso aumentar em 60% a produção de alimentos para abastecer as 9 bilhões pessoas do planeta. A América do Sul tem potencial para atender essa demanda. Precisamos transformar obstáculos em oportunidades. Essa é a prioridade atual”, destacou Maria Alejandra Saquis, secretaria técnica do Conselho Agropecuário do Sul (CAS).
“Brasil e vizinhos do Sul não são apenas produtores. A região precisa aprender a vender, pois é um player comercial”, complementa Giovani Ferreira, coordenador do Agronegócio Gazeta do Povo.
Com a oferta em ritmo maior em relação ao consumo, o momento é decisivo para aprimorar as estratégias de negociação e posicionar a América do Sul como um verdadeiro player do agronegócio mundial, mostrou o Fórum. Para isso, algumas ações estratégicas se fazem necessárias.
1- Elo urbano-rural passa pela comunicação
De acordo com dados do Departamento de Estudos Econômicos e Pesquisa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), a população gasta, em média, 18% da renda com a compra de alimentos. Porém, a participação do agronegócio no cotidiano da sociedade urbana vai muito além da produção de alimentos e, consequentemente, da segurança alimentar. O campo é responsável por inúmeros benefícios econômicos e sociais.
O agronegócio assume papel cada vez maior para dar suporte às crises nas cidades, mostrou o Fórum de Agricultura da América do Sul. Mesmo na região, onde predomina a exportação agrícola, apenas 14% da população de Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai estão na zona rural.
O presidente da Organização das Cooperativas do Paraná (Ocepar), João Paulo Koslovski, ressalta a importância do setor para o desenvolvimento das cidades. “Onde existe cooperativa agropecuária, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é acima da média, provando que criou-se uma sinergia entre o campo e a cidade”, diz. Os números comprovam a afirmação. Das 20 cidades que mais geraram postos de trabalho em 2015 no Paraná, 14 possuem algum tipo de vínculo com a atividade.
Apesar dos evidentes sinais, o público urbano não percebe todos os benefícios gerados pelo agronegócio, segundo Maria Alejandra Saquis, secretária técnica do Conselho Agropecuário do Sul (CAS). “Não pode existir divisão, pois a agricultura está em muitas coisas que as pessoas desconhecem. Precisa existir comunicação com o público urbano das grandes metrópoles”, aponta.
2- “Chíndia” mantém apetite global
O desequilíbrio entre oferta e demanda tem trazido apreensão para o agronegócio da América do Sul, principalmente na questão da sustentabilidade da atividade do campo. Porém, especialistas são enfáticos em afirmar que o “mundo precisa comer”, o que garante mercado para a produção de grãos e carnes da região.
Entre as novas janelas de oportunidades, a atenção deve se voltar para “Chíndia”, pontua Steve Cachia, diretor da Cerealpar. Os dois países - China e Índia - somam 37% da população mundial (2,7 bilhões de pessoas). O crescimento econômico tirou milhões de pessoas da pobreza e alterou os hábitos alimentares. “O consumo de alimentos cresceu muito. Quem aprendeu esse “luxo” não vai abrir mão”, explica Cachia.
Para ele, o pessimismo de alguns setores em relação à China, em virtude da desaceleração da economia de 10% para 7%, não se traduz para o campo. “Não dá para subestimar [a China]. A demanda deve continuar agressiva para o agronegócio”, aponta Cachia.
O ‘apetite’ chinês vai além dos grãos. A demanda por proteína animal está aquecida. Nos últimos 20 anos, o consumo de carne bovina e de ave aumentou, respectivamente, 15% e 175% no mundo. Na China, os índices foram de 408% e 418%.
A Índia, com população de 1,3 bilhão de pessoas, deve se tornar uma nova China até 2025. O país ainda precisa ser explorado comercialmente pelo agronegócio sul-americano, que pouco conhece o poder de consumo local. A nação asiática tem o menor consumo de carne per capital do mundo e sua agricultura registra produtividade abaixo da média global. Por outro lado, o país concentra riquezas, como 11% do ouro do mundo. “O aumento da renda, coisa que está acontecendo na Índia, muda até os hábitos religiosos”, destaca Cachia.
3- Chile é espelho para acordos comerciais
Os acordos comerciais são uma constante na pauta econômica dos países. No caso específico do agronegócio sul-americano, é preciso ampliar os mercados além dos limites da região para garantir sustentabilidade às atividades do campo, principalmente em época de queda nos preços das commodities e oferta maior do que a demanda.
Os governos dos países da América do Sul têm concentrado forças na construção de relações comerciais com nações de outros continentes. O objetivo é garantir compradores para a produção agropecuária, principalmente em tempos de redução do apetite da China. A região responde por 54% do comércio mundial da soja e 30% das exportações de proteína animal.
Mas é preciso ampliar a lista de compradores, como o Chile tem feito. O país exporta 94% de seus produtos com facilidades abertas por 24 acordos comerciais. “Essa política de abertura tem ajudado a desenvolver uma economia relativamente pequena como a do Chile. A abertura internacional é um dos pilares da nossa estratégica”, diz Maria José Campos Herrera, adida agrícola do Chile no Brasil.
A partir de 2016, quando entra em vigor o Acordo Trans-Pacific Partnership (TPP), que reúne 12 países do Pacífico – 40% do PIB mundial e 25% do comércio internacional – o Chile irá ganhar ainda mais espaço.
O Brasil está fora do acordo, mesmo não estando impedido. “[O acordo] não está na pauta das negociações internacionais do Brasil. Isso é um grande equivoco”, comenta Fábio Carneiro Cunha, doutor em comércio internacional da Legex.
4- Logística integrada via ferrovia e hidrovia
A logística de escoamento dos grãos continua um limitador para o crescimento da região. Diversos palestrantes do Fórum apontaram a necessidade de investimentos em ferrovias e hidrovias como alternativa para diminuir o custo de transporte.
A construção de três ferrovias que cortam o continente de forma transversal, do oceano Atlântico ao Pacífico, seria uma alternativa. As vias ligariam Suape, em Pernambuco, até Guayaquil, no Equador, Vitória, no Espírito Santo, a Callaou, no Peru, e Paranaguá, no Paraná, a Antofagasta, no Chile, cortando diversas regiões produtoras.
“O mundo só considera a América do Sul por conta do agronegócio. Passou da hora da região se estruturar para competir no mercado externo”, diz Judas Tadeu Mendes, diretor-presidente da EBS Business School.
Desde 2003, o Paraguai utiliza o transporte fluvial, pelo rio Paraguai,para exportar grande parte da safra de grãos. São 150 rebocadores e 3 mil barcaças, a terceira maior frota do mundo. “Foi a melhor coisa para o país, pois a eficiência fluvial é muito maior que a terrestre. Uma barcaça carrega o mesmo que 80 caminhões”, ressalta o diretor comercial da South American River Company (Sarcom), Javier Gimenez.
Para o argentino Guillermo Rossi, da Bolsa de Comércio de Rosário, o investimento em logística garantiria o escoamento da produção de áreas marginais distante dos portos. “O Norte da Argentina fica a 1,2 mil quilômetros do Porto de Rosário. O Brasil também tem regiões em que acontece a mesma coisa. É um desafio de longo prazo, mas precisa acontecer”, aponta.
5- Ações geopolíticas nos negócios e transportes
A integração dos países da América do Sul, bastante perceptível em alguns aspectos políticos, sociais e econômicos, não se traduz no agronegócio. Apesar das inúmeras tentativas, a região não opera como uma única força, principalmente no momento da comercialização das suas produções agropecuárias.
Os números são provas da importância do agronegócio sul-americano no cenário global. A produção agropecuária dos países da região totaliza 310 milhões toneladas de grãos (milho, soja e trigo) e 37,7 milhões toneladas de carnes (bovina, suína e de frango), com tendências de crescimento constante nos próximos anos, por meio da implantação de novas tecnologias em todos os elos da cadeia produtiva. Porém, essa força parece não ser percebida nas estratégias. A América do Sul, aos olhos do mundo, parece frágil e desarticulada.
“Na porteira para dentro, a América do Sul atende à demanda global por alimentos e bioenergia. Tem cumprido o papel. Agora precisa de um modelo dinâmico e flexível para se posicionar com relevância no comércio internacional”, explica Giovani Ferreira, coordenador do Núcleo de Agronegócio da Gazeta do Povo.
Para o técnico da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) no Paraná, Eugênio Stefanelo, ações geopolíticas, passando pelo desenvolvimento da logística integrada até a beira do balcão de negócios, precisam entrar na pauta do bloco. “A América do Sul precisa exercer papel ativo em acordos comerciais e criar um ambiente favorável aos negócios”, aponta.
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