Caatinga tira alimento da terra após 8 meses sem chuvas
Por José Rocher, enviado especial
Juazeiro (BA)
26/10/2015 às 18:00
Lindomar e a cabra que produz 4,5 litros/ dia. Ao lado, Marineide e Raimundo sob um umbuzeiro. (Foto: Fotos: Jonathan Campos / Gazeta do Povo)
As chuvas foram embora em fevereiro e só devem voltar daqui dois meses. Mesmo assim, após oito meses de seca, o Sertão continua produzindo alimentos e movimentando pequenas agroindústrias na região de Juazeiro (BA). Na primeira parte da viagem pela região, a Expedição Agricultura Familiar verificou que sistemas que aproveitam ao máximo os recursos da caatinga abrem novas perspectivas ao setor.
Lindomar Pereira produz leite e carne de cabra numa propriedade de 70 hectares de sua família. Ele cultiva palma – cacto forrageiro de origem mexicana comum no Nordeste brasileiro – com água de um poço artesiano. Os cerca de 70 animais exigem o cultivo de dois hectares. O corte de palma é diário e o cuidado com os animais, constante. Sem o poço artesiano, a terra não produziria naturalmente alimento para o rebanho
O pecuarista se especializou a ponto de vencer concurso de produção de leite, com a marca de 4,5 litros numa única ordenha. Faz seleção genética dos animais no próprio sítio. Sua meta é ampliar a ordenha, que hoje alcança 20 litros e rende cerca de R$ 50 ao dia.
Indústria
A extração de frutas da caatinga permite a estruturação de agroindústrias na zona rural. O umbu se transforma em polpa, que vira suco, licor e geleia.
Uma pessoa tira até R$ 50 por dia colhendo umbu no campo natural. A renda se multiplica com processamento da fruta. Uma unidade de beneficiamento produz 2 toneladas de polpa/ano, com uma estrutura que custou R$ 100 mil.
“O umbu dá muito produto. Se a gente se organiza, dá para trabalhar o ano todo sem parar”, afirma Raimundo de Lima. A coleta se concentra entre janeiro e fevereiro. Já está faltando matéria-prima neste ano.
Uma saca de 45 quilos rende R$ 10 a R$ 40, dependendo do interesse dos atravessadores. Beneficiado, o alimento rende R$ 160, conforme os agentes do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (Irpaa), que presta assistência técnica e facilita acesso a recursos de programas que apoiam o agricultura na caatinga.
A região, por outro lado, não ignora a importância da água. A produção e a qualidade de vida seriam bem melhores se houvesse, por exemplo, mais recursos para construção de poços artesianos, que custam cerca de R$ 10 mil. O acesso ao crédito e a novos mercados são desafios na caatinga.
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Num ano mais seco que o normal, a região do semiárido está em apuros, mas estaria muito pior se não fosse a contribuição do Rio São Francisco, que nasce em Minas e corta o semiárido brasileiro.
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Como as chuvas são inexpressivas desde fevereiro, a paisagem seca tem suas características destacadas, produzindo imagens impressionantes.
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Roseli e Cristiano Silva produzem uva em Petrolina graças a um projeto de irrigação colocado em prática 48 anos atrás. Foi a primeira iniciativa do gênero, que teve de ser reformulada para dar resultados.
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Valdenor Silva e Terezinha de Souza completam 45 anos de união fortalecida pelas dificuldades enfrentadas no Sertão. Eles saíram de São Paulo e conseguiram estruturar produção de frutas juntos em Pernambuco. Agora, com renda familiar recuperada, a sensação é de alívio.
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Boa parte das mangas que chegam aos principais centros de consumo do Brasil sai de região extremamente seca, graças a irrigação com água do Rio São Francisco.
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Irrigação ainda pode ser aperfeiçoada para que consumo de água seja menor, conforme a Embrapa Semiárido.
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Roseli Silva a uma semana da colheita de uva. Parreiras permitiram que família recuperasse renda perdida durante década de dificuldades.
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Um cacho de uva da variedade Itália Melhorada normalmente rende 600 gramas, mas chega a 1 quilo nas melhores safras.
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Girassol é um alternativa em estudo na região do semiárido. O que falta de água sobra de energia solar.
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Projetos de irrigação foram implantados nos dois lados do Rio São Francisco. Trabalhadores que fazem colheita e raleamento, por exemplo, atravessam as águas do Velho Chico diariamente para ir de casa ao serviço.
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A maior feira da agricultura familiar do Nordeste, a Feira Semiárido Show, ocorreu na última semana. Produtores ainda sentem falta de exposição mais centrada nas culturas irrigadas, com apresentação de máquinas e novas tecnologias.
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Casa de máquinas de unidade de captação de água do São Francisco. Cada projeto tem seu ponto de retirada. Canais levam água até as propriedades rurais, dedicadas principalmente à fruticultura.
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As águas do São Francisco são tradicionalmente calmas. E, com a seca, ficam praticamente paradas sempre que não há vento, mesmo nos pontos de captação.
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O São Francisco continua sendo canal de transporte d e pequenas cargas. Hidrovia foi intensamente usada na colonização do Brasil, principalmente no trecho entre a Bahia e Minas Gerais.
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No fim de um dia de trabalho, mulheres de Petrolina (PE) chegam na margem norte do São Francisco voltando para casa.
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O trabalho na fruticultura envolve homens e mulheres na região da caatinga. Na foto, trabalhadora que estava retornando para casa depois de um dia de serviço em parreiras de uva.
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Água é bombeada do São Francisco para canais que permitem a irrigação dos pomares.
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Expedição Agricultura Familiar percorre região da represa de Sobradinho, onde reservatório está a menos de 6% de sua capacidade.
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Período seco deve continuar até dezembro. E reserva só será restabelecida quando chover também em Minas Gerais, onde nasce o São Francisco.
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