Metade dos postos de trabalho da maçã está nos pomares e metade na indústria de São Joaquim.| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

O relevo quebra as terras agrícolas de Santa Catarina e limita o aproveitamento das pequenas propriedades rurais. Com média de apenas 16 hectares por família, cultiva-se muitas vezes apenas um terço disso. O restante são morros, grotas, riachos e áreas cheias de pedras. No entanto, em contínua renovação, a agricultura familiar catarinense sustenta liderança na produção de alimentos como cebola, maçã e carne suína, cercada por uma das paisagens mais bonitas do país.

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A Expedição Agricultura Familiar conferiu na última semana que tecnologias adotadas desde a base de cada setor formam uma cordilheira altamente especializada de produção –do Centro-Leste, onde o cultivo do solo ocorre a até 1,4 mil metros de altitude, a Oeste, em torno do maior polo agroindustrial de carnes da América Latina, a menos de 500 metros do nível do mar.

A última década não deixa dúvida. Santa Catarina criou 20% dos suínos e produziu 30% da cebola e 50% da maçã no país aproveitando vocações regionais, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

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Não existe sistema mais eficiente que o cultivo manual para a cebola, que se encaixa como uma luva nas encostas pouco argilosas do estado, mostra a capital brasileira da cultura, Ituporanga. “Chego a 35 toneladas por hectare usando máquinas, mas passo de 40 toneladas fazendo tudo à mão”, conta Adriano Rode, que trabalha com seu filho Gabriel em dois hectares.

A produtividade avança com práticas como a do agricultor familiar Valdemar da Silva, que destina oito hectares à hortaliça no município de Alfredo Wagner, mas sempre deixa metade da área descansando. “Quando cultivava toda a terra [ano após ano] colhia 15 toneladas por hectare, e agora passo de 30 t/ha, sem precisar de mão de obra para toda a área”. Com investimento de R$ 50 mil numa estrutura de armazenagem, ganhou poder de barganha - e garantiu mais viabilidade ao negócio.

Na maçã, a região de São Joaquim tira proveito do frio – mesmo no verão a temperatura cai menos de 10º C à noite. Carlos Alberto Demeciano colhe 150 toneladas em três hectares. Ele investiu R$ 50 mil para cobrir 2,6 hectares com uma tela que impede que chuvas de granizo machuquem as frutas. O valor daria para implantar pomar novo do mesmo tamanho, mas a prioridade é garantir qualidade e renda, relata.

Na cooperativa Frutas de Ouro, o quilo da maçã entra valendo cerca de R$ 0,80 e, depois de seleção, limpeza e encaixotamento, sai por R$ 2. A armazenagem em temperatura de 0,5 º C dura até dez meses e permite que a fruta seja distribuída ao mercado consumidor sem tantos solavancos na oferta e nos preços, conta a gerente do setor de embalagem, Maeve Silveira, também produtora de maçã.

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Viveiros alimentam gigante na indústria de carnes

  • Chapecó

Com 205 mil habitantes, Chapecó acumula títulos: Capital Brasileira da Agroindústria, Capital da Carne Suína, Capital do Oeste de Santa Catarina. Não é preciso sair da cidade para entender o motivo.

O município cresce embalado pelo agronegócio familiar justamente em volta de uma estação da Epagri – órgão estadual de pesquisa e extensão rural . Enquanto o mercado imobiliário cobiça o terreno, a agropecuária dá suporte a indústrias gigantes e estimula obras em mais de 100 prédios urbanos.

Entre as grandes empresas de Chapecó está a maior cooperativa de carnes do Brasil. A Aurora é a Coamo (maior cooperativa de grãos do país) do frango e do suíno.

Com matéria-prima da agropecuária familiar, elevou seu faturamento de R$ 3,14 bilhões (2010) para R$ 6,77 bilhões (2014), um avanço de 115,61% em cinco anos. A Coamo teve avanço de 71,13% no mesmo período, alcançando R$ 8,18 bilhões. Com 26 mil empregados, a cooperativa de carnes tende a alcançar a gigante agrícola, em prazo que depende da demanda global.

Os produtores de suínos e aves elevam a produção no campo. Em Quilombo, na mesma região, o avicultor Waldecir Secco acaba de abrir aviário com o dobro do tamanho do antigo. Nas duas estruturas, vai criar três lotes de 23 mil aves ao ano. Nova ampliação do negócio vai depender de seu filho Alexandre, de 21 anos, que testa essa opção. “A propriedade [de apenas 7 hectares] tem espaço para 10 aviários”, aponta o gerente de Avicultura da Aurora, Luiz Carlos Farias.

Além das carnes, o leite surge como alternativa. Uma das frentes de estudo da Epagri é justamente as pastagens, afirma o agrônomo Felipe Jochims. Famílias como a de Onirino e Maria Rosa Bosco permanecem no campo graças ao setor. Com 14,5 hectares, eles aproveitam a parte plana para alimentar 20 vacas. “Temos 35 piquetes, praticamente um para cada dia do mês”, conta o filho do casal,

Tecnologia

A agricultura familiar catarinense tem redutos de produção altamente especializados.

Interdependência

A indústria de carnes de suíno e de frango, concentrada no Oeste, controla o sistema de produção da genética dos animais ao perfil dos cortes. O produtor recebe por conversão de ração em proteína animal. Sem a indústria, as famílias não teriam renda no campo. Sem a mão de obra familiar, a indústria não teria matéria-prima.

Riscos permanentes

A administração de riscos exige medidas de precaução na cebola e na maçã, na porção Centro-Leste de Santa Catarina. Além de ampla adesão a programas de seguro, os produtores investem em estruturas como coberturas de telas que protegem as frutas de chuvas de granizo. Na cebola, para evitar erosão durante o inverno, planta-se gramíneas de cobertura.

Organização

A produção familiar sustenta impérios industriais como a Aurora sob complexa organização. A empresa reúne 13 cooperativas, incluindo uma de Mato Grosso do Sul (Coaslo), duas do Paraná (Cocari e Camisc) e uma do Rio Grande do Sul (Cotrel). Os cooperados fornecem 1 milhão de frangos e 17 mil suínos para abate ao dia.

Força coletiva

A predominância da produção familiar é de 95% nos 118 municípios do Oeste de SC, conforme o pesquisador Clovis Dorigon, da Epagri. São 80 mil propriedades rurais, onde vivem 30% da população, aponta. O setor é diminuído em sua importância nas concepções que abordam o agronegócio somente como produção comercial proveniente de médias e grandes propriedades, aponta Valter Bianchini, consultor da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).

Alternativas

A agropecuária familiar catarinense normalmente tem uma fonte principal de renda (frango, suíno, maçã, cebola, batata...) e outra alternativa. O leite aparece como opção em diferentes regiões. Os caminhões das indústrias passam de propriedade em propriedade a cada dois dias e o pagamento é semanal.