Lourisvaldo da Conceição, José Eduardo Souza e Gilmar da Silva Fialhe estão preocupados com o futuro. E não é para menos. Até pouco tempo, eles trabalhavam em granjas de perus em Mineiros, no Sudoeste de Goiás. Mas a BRF Brasil, uma das maiores empresas de alimentos do mundo, decidiu encerrar a produção dessas aves no município em junho deste ano. Os três agora vivem o drama do desemprego, que já atingiu outros 30 colegas. “Não sei o que vou fazer”, diz Lourisvaldo. “É angustiante”, complementa Fialhe. Nesta quarta-feira (18), os três lavavam os últimos barracões de uma granja que até recentemente estava cheia de perus.
O dono da granja, Fábio Leme, também passa por uma situação delicada. Natural de União da Vitória, no Sul do Paraná, ele vive há 12 anos em Mineiros. “Eu vim para cá por causa do projeto, que achei sensacional. Não existia criação de perus em Goiás, os produtores todos vieram de fora”, conta o produtor, que também é vice-presidente da Associação dos Avicultores Integrados da Perdigão em Mineiros (Avip). “Minha renda caiu 50%. Eu tenha 14 granjas, mas sem peru dentro elas não valem nada”, desabafa.
E não é só Leme que vive essa realidade. Mineiros tinha 134 granjas de peru, que abrigavam uma população de quase 3 milhões de animais. “Foram mais de 600 funcionários demitidos apenas nas granjas, fora os 500 que trabalhavam no frigorífico”.
O projeto de abater perus nasceu em 2007, com a Perdigão, empresa que virou BRF depois da fusão com a Sadia, em 2013. A cidade, localizada a 450 quilômetros de Goiânia, no limite com Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, foi escolhida justamente por causa da proximidade com os grãos, especialmente o milho, item que mais pesa no custo de produção do setor. A estratégia, aliás, também foi determinante para construção de outros complexos da BRF instalados em Jataí e Rio Verde, a poucos quilômetros de Mineiros.
Em Mineiros, a planta vinha produzindo em tempos regulares 22 mil perus por dia e pretendia, antes da Carne Fraca, aumentar a produção para 32 mil. Todo o volume era exportado. Quando a BRF anunciou a suspensão do abate, no dia 12 de junho, o vice-presidente global de eficiência corporativa da empresa, Jorge Lima, atribuiu o problema às restrições dos mercados externos aos produtos brasileiros. Não havia outros clientes para substituir os europeus. Segundo o executivo, toda a produção passo a ser concentrada em Chapecó, no Oeste de Santa Catarina. No fim de junho, a empresa também suspendeu o abate em Francisco Beltrão, no Sudoeste do Paraná. Mais de 700 aviários ficaram vazios.
E agora?
Neste drama, sobram dúvidas. Segundo Leme, cerca de R$ 250 milhões foram tomados em financiamentos pelos produtores para bancar a produção assumida com a BRF. “Havia a possibilidade de migrar do peru para frango, mas até agora não obtivemos nenhum posicionamento. Mas acho difícil. Outras cidades, que já produzem frango, estão com férias coletivas, redução no abate, sinceramente não sei o que vai acontecer”. O vice-presidente produzia 900 mil perus por ano.
Procurada, a prefeitura não quis se manifestar sobre os impactos financeiros para o município de Mineiros.
Segundo a BRF, com a desativação da linha de perus, a fábrica de Mineiros passará a ter 1,5 mil funcionários. A empresa não informa o total de pessoas que foram ou serão desligadas. Atualmente, o complexo continua abatendo frangos. À época da desativação da unidade, a BRF garantiu que iria honrar com os pagamentos de fornecedores e produtores, inclusive com os financiamentos. Contatada novamente, a assessoria da BRF reiterou que nenhuma unidade será fechada e segue em vigor o plano de reestruturação operacional e financeira da empresa, que foca suas operações no mercado doméstico brasileiro, na Ásia e no mercado muçulmano - mercados onde a BRF “possui fortes vantagens competitivas e está entre as posições de liderança”.
Peru
Associado ao Natal e pouco consumido no Brasil (1,7 kg per capita por habitante/ano), o peru é abatido com 20 kg. São 140 dias de ciclo. Para ter uma ideia, um frango é abatido com 3,2 kg e 42 dias de ciclo. Em 2017, o país produziu 390 mil toneladas, segundo a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA). Deste volume, 40% foram exportados para todos os continentes, especialmente para países como Estados Unidos, África do Sul e Angola. Antes dos problemas envolvendo a BRF, Santa Catarina, Paraná e Goiás eram os maiores produtores e exportadores do Brasil.