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“Menina dos olhos” do agronegócio, avicultura faz regime para superar crise

Por enquanto, as grandes indústrias têm buscado enfrentar a crise com férias coletivas e intervalos maiores no alojamento de novos lotes de frangos. | Albari Rosa/Gazeta do Povo
Por enquanto, as grandes indústrias têm buscado enfrentar a crise com férias coletivas e intervalos maiores no alojamento de novos lotes de frangos. (Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo)

O frigorífico de aves GTB Foods, do município de Ipuaçu, no Oeste catarinense, anunciou há poucos dias que vai fechar as portas e demitir 630 funcionários. A avícola, que abatia 90 mil aves por dia, afirmou em nota oficial que a decisão pelo fechamento “foi tomada após várias tentativas de fazer frente à maior crise no Brasil que se instalou no segmento”.

Os mesmos fatores que levaram o frigorífico regional à bancarrota abalaram também os negócios das gigantes do setor em Santa Catarina, como a BRF, Aurora e JBS. Por enquanto, as grandes indústrias têm buscado enfrentar a crise com férias coletivas e intervalos maiores no alojamento de novos lotes de frangos. Mas a necessidade de enxugar custos já levou a BRF a também “cortar na própria carne”, com o anúncio, nesta semana, de encerramento de uma linha de abate de perus da unidade da empresa em Mineiros, no sudoeste de Goiás.

Em Santa Catarina, as 12 cooperativas regionais filiadas à Cooperativa Central Aurora, com sede em Chapecó, vão fazer rodízio de férias coletivas, uma unidade por mês, até janeiro do ano que vem. A medida deve reduzir em pelo menos 10% os abates diários, que chegam a 1 milhão de aves.

Segundo Romeo Bet, presidente da Cooperalfa, filiada à Aurora, outra medida anticrise, para diminuir a inundação de frango no mercado interno, é o aumento dos intervalos para entrada de novos lotes de pintinhos – de 12 a 15 dias para até 30 dias. “Se o mercado melhorar em setembro, é possível reverter as férias coletivas programadas e retomar os intervalos de alojamento”, diz Bet. Medidas semelhantes para redução do plantel de aves estão sendo tomadas em todo o setor.

O presidente do Sindicato dos Criadores de Aves de Santa Catarina (Sincravesc), Valdemar Kovaleski, discorda da estratégia adotada. “Acho que é um caminho perigoso reduzir os alojamentos. Estamos hoje com restrição momentânea. Quando conseguirmos demonstrar que todas as práticas, processos e procedimentos garantem a qualidade de nosso produto, isso vai gerar uma demanda. Por que o que tem qualidade gera demanda. E onde estará nossa produção? Vamos ter que correr para repor a demanda que foi reprimida anteriormente”, sublinha.

Mesmo que não houvesse a Operação Carne Fraca, a situação conjuntural de 2017 já era desfavorável à avicultura, segundo o consultor Argemiro Brum, da Universidade Regional de Ijuí (Unijuí), por que a precificação do frango não acompanhou a disparada dos preços da soja e do milho (insumos básicos para a ração). “Foram duas coisas ruins ao mesmo tempo. O preço baixo das aves e uma alta assustadora dos custos”, diz Brum.

Com a Operação Carne Fraca a balança do frango pendeu ainda mais para baixo, por que o País deu motivos para embargos e sanções internacionais, aliados às razões apontadas pela GTB Foods: “crise econômica, escassez de crédito, instabilidade política, alta dos insumos agroindustriais (como milho e farelo de soja) e forte queda nos preços de venda, posicionando-os abaixo dos custos de produção”.

Quando estourou em março deste ano a Operação Trapaça – que investiga fraude de laudos de controle de salmonela – Brum avalia que “o governo tomou atitude equivocada de fazer um autoembargo”. “A estratégia, que parecia interessante, deu com os burros na água, só nos prejudicou. Os outros países se acharam no direito, e até no dever, de tomar providências, já que os próprios brasileiros levantaram a questão da contaminação”, avalia.

Para Brum, que é analista do mercado de carnes, não há perspectiva de melhoras no curto prazo. Ele lembra que a tendência do milho não é de baixar o preço, diante de relatos de quebra da safrinha, e a soja mantém seu viés de alta. “A avicultura brasileira terá sim que encolher um pouco. Houve, de 2010 para cá, um pequeno ‘boom’ do setor no País, quando chegou-se a imaginar que o consumo de frango não iria parar. Mas o fato é que, do ponto de vista do mercado interno, nossa economia não se sustenta, há um endividamento da sociedade, elevada inadimplência, falta de infraestrutura, indefinições quanto ao quadro eleitoral e uma situação política instável”.

Teoricamente, o frango poderia ser beneficiado pela desvalorização do real, mas os bloqueios da União Europeia e sobretaxas da China impedem ganhos. Assim, o mercado internacional, que era uma válvula de escape, não ajuda a avicultura, pelo contrário, acaba agravando os problemas conjunturais brasileiros. “O frango depende muito do mercado externo. E esse comércio apresenta hoje um comportamento diferente, impondo dificuldades com embargos e sobretaxas. São nossos próprios problemas internos que repercutem lá fora. Hoje há muita oferta de frango num momento em que as demais carnes também vêm patinando, por causa da crise econômica”, afirma Brum.

Na avaliação de Romeo Bet, nos últimos cinco anos houve “excesso de otimismo na avicultura”. Isso teria levado a uma saturação da oferta, tanto no mercado interno quanto nos embarques para o exterior. “A avicultura era a menina dos olhos do agronegócio, tinha rentabilidade e vinha numa grande expansão. Mas chegou um momento em que bateu na parede e, hoje, a curva é descendente”, afirma.

Somente neste ano, foram quatro golpes seguidos que mudaram a direção dos ventos para a avicultura: a Operação Trapaça (ou Carne Fraca 2), que levantou novas suspeitas sobre o controle sanitário das carnes brasileiras, o embargo da Europa a 20 frigoríficos de aves e, mais recentemente, os prejuízos milionários por causa da greve dos caminhoneiros, ao qual seguiu-se ainda a decisão da China de impor sobretaxas ao frango brasileiro, sob alegação de dumping. “A China bateu com o tacape. Agora o Brasil, que apanhou, vai ter que avaliar que medida tomar. Ou aceita as exigências e tenta negociar com quem responde por quase 10% das nossas exportações, ou abre uma queixa à Organização Mundial do Comércio, que é um caminho mais demorado”, diz o professor da Unijuí.

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