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Questão religiosa pode mudar forma de abate de frango no Brasil

Abate Halal, conforme as regras do Islã, responde atualmente por metade das exportações brasileiras de frango | Daniel Caron/Gazeta do Povo
Abate Halal, conforme as regras do Islã, responde atualmente por metade das exportações brasileiras de frango (Foto: Daniel Caron/Gazeta do Povo)

As autoridades brasileiras e o setor privado não conseguiram convencer o maior comprador de frangos do País – a Arábia Saudita – que a insensibilização mediante um pequeno choque elétrico não provoca a morte das aves, mas apenas resulta em atordoamento, evitando que os frangos fiquem agitados e se machuquem no momento do abate.

Foram encomendados estudos científicos, apresentados pareceres técnicos e feitos todos os esforços diplomáticos para que os sauditas revissem a decisão de não aceitar o atordoamento das aves, que busca também atender protocolos internacionais de bem-estar animal. Por ora, no entanto, prevalece a avaliação de que o choque elétrico vai contra a tradição de abate halal, ou seja, não está em harmonia com o que é “permitido” pelas regras da religião islâmica.

Para frigoríficos que exportam para a Arábia Saudita, a regra de não aplicar o choque elétrico antes degola das aves vale desde o dia 1º de maio. “No final das contas, todo mundo quer o bem do frango. A falta de insensibilização, aos olhos brasileiros, vem a ferir o bem-estar animal. Em relação à Arábia, é o contrário, o choque é que estaria ferindo esse bem-estar. É preciso atravessar o oceano e perceber que são culturas e histórias diferentes”, diz Ali Saif, diretor da empresa certificadora Cdial Halal, de São Bernardo do Campo (SP). O trabalho dos inspetores da empresa de Saif é assegurar que nenhum frango embarcado para a Arábia Saudita seja submetido a choque elétrico antes do abate.

A esperança do setor produtivo brasileiro é de que a posição dos sauditas seja revista no próximo encontro do Conselho de Cooperação do Golfo – que reúne Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Omã, Qatar, Bahrein e Kwait – que deve acontecer ainda no início do segundo semestre.

Segundo o secretário de Agricultura de Santa Catarina, Airton Spies, o problema maior envolve o frango griller, que pesa cerca de 1kg e é abatido com 28 dias. “Os árabes argumentam que esse frango tem menos resistência e um índice maior de mortalidade pelo choque elétrico”. O secretário calcula que, sem o processo de insensibilização, as perdas por ferimentos e quebras devem aumentar até 15%. “Talvez os técnicos da Embrapa e outros especialistas possam nos ajudar, demonstrando que o choque não causa este problema. De qualquer forma, paralelamente, temos de encontrar outros métodos de insensibilização”, completa.

A situação poderá piorar se o entendimento saudita se expandir para todos os clientes árabes, mudando o padrão de abate halal. Atualmente, 50% das exportações brasileiras seguem as normas islâmicas. “As empresas estão tentando mostrar que isso vai contra tudo o que o resto do mundo está fazendo. A justificativa deles é de que o frango não pode morrer no choque, vários estudos mostram que isso não acontece, mas eles têm muita resistência”, diz Ricardo Gouvêa, diretor-executivo da Associação de Avicultura de Santa Catarina.

O certificador Ali Saif observa que há regiões inteiras dedicadas ao abate halal no País, e cita o exemplo dos municípios de Dois Vizinhos e Francisco Beltrão, no Paraná. Quanto à repercussão que o fim do atordoamento dos frangos pode ter junto a grupos defensores do bem-estar animal, Saif já tem o contra-argumento: “Com a greve dos caminhões, não vi muita gente se movimentar para dizer que os frangos estavam morrendo de fome. É preciso ser um pouco mais tolerante com o momento sensível que as empresas estão enfrentado, depois das Operações Carne Fraca, os problemas com a Europa e agora com a China”.

Para Ali Saif, que faz certificação halal para 50 frigoríficos brasileiros, a decisão dos sauditas de suspender a insensibilização dos frangos via choque elétrico pode estar relacionada ao método europeu, onde a voltagem aplicada é mais forte para assegurar que a ave esteja mesmo desacordada. No fim, será a decisão dos clientes árabes que encaminhará, de forma definitiva, a maneira como o frango é abatido no Brasil. “Não é possível abater de um jeito pela manhã e terminar o dia de outra forma. A indústria terá de escolher uma forma de abate e trabalhar nela”, conclui.

Entre as alternativas ao choque elétrico para insensibilização do frango antes da degola, está o uso de CO2 e a redução progressiva da pressão atmosférica. Ambas provocam o atordoamento pela diminuição do oxigênio disponível.

O que é o Abate Halal

Todos os alimentos são considerados halal desde que não sejam carne de porco e derivados, álcool, animais abatidos de forma imprópria, que contenham sangue ou que não desrespeitem as leis do alcorão e que não sejam em nome Alá (Deus, em árabe).

Algumas regras devem ser seguidas:

1.- O animal deve ser abatido por um muçulmano. Na hora do abate o profissional deve pronunciar o nome de Alá e a face do animal deve ser voltada para a Meca;

2.- A faca deve estar bem afiada e atingir de uma única vez os três principais vãos (jugular, traqueia e esôfago) do pescoço em movimento de meia-lua;

3.- A morte deve ser rápida para evitar o sofrimento do animal;

4.- O sangue deve ser retirado totalmente da carcaça para evitar qualquer contaminação;

5.- Após a degola e o escoamento do sangue, a carcaça deve ser lavada e higienizada e toda a água do processo deve ser extraída;

6.- Para higienização deste ambiente não pode ser utilizado produto com álcool (proibido para os muçulmanos).

7.- Todo o processo de abate e de transporte (do congelamento ao carregamento) desta carne são fiscalizados por um auditor ou supervisor de certificadora Halal.

8.- Para que não haja contaminação com outros tipos de carne (porco, por exemplo), o frigorífico deve realizar apenas abates halal. (Fonte: Cdial Halal)

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