Um na Bahia e outro no Paraguai, os irmãos Aristeu e José Pellenz revelam em detalhes como a alta no dólar influencia o agronegócio – muito além das cotações desta colheita, baixas em dólar e equilibradas em real. Quem recebe mais pela soja 2014/15 terá custo maior em 2015/16, num relação de forças que exige estratégia afinada na comercialização e na compra de insumos.
A Expedição Safra Gazeta do Povo escolheu os dois depoimentos para retratar não só os contrastes entre a economia paraguaia e a brasileira, mas também como a política econômica de cada país interfere na rotina da produção agrícola. Neste momento, para a agricultura, o Paraguai é um país mais estável do que o Brasil... E o Brasil é um oásis no mercado, com cotações livres de quedas bruscas, em patamares semelhantes aos de um ano atrás.
No Paraguai, o produtor faz tudo com base no dólar. Compra, vende e planeja sua atividade monitorando o mercado internacional e a política interna. No Brasil, o agricultor pode até travar o preço dos grãos em dólar, mas recebe em real e fica exposto à variação cambial. Pode travar ainda cotação da moeda norte-americana, mas mesmo o travamento duplo (preço e dólar) não equivale à condição disponível no Paraguai.
O que há de semelhante é que ambos os países expandem a produção, com base no crescimento da demanda internacional. E as condições de produção e comercialização defindem sua competitividade.
Preço maior na colheita, mas custo elevado no plantio
Enquanto as cotações internacionais caíram 33% em dólar, as brasileiras se sustentam. Os R$ 60 por saca são praticados do Sul ao Centro-Norte agrícola. As cotações chegaram a R$ 63 na última semana em Luís Eduardo Magalhães, Oeste da Bahia, onde desde 1982 atua o agricultor Aristeu Pellenz. E essa é sua principal vantagem sobre José Delmar Pellenz, irmão que planta soja no Paraguai. E a desvantagem é a previsão de custos também maiores em 2015/16. Se na hora da venda da próxima colheita o dólar estiver baixo, estará no pior dos mundos: custos elevados e renda achatada.
Aristeu resume os desafios de sua região em três pontos: incerteza climática, elevados custos de produção e exigências da legislação trabalhista. Em relação aos custos, sua alternativa tem sido buscar escala. Ele dedica 1 mil hectares à soja e avalia que, com menos de 500 hectares, levaria prejuízo. Uma área maior permite a diluição, por exemplo, do custo com maquinário, bem como aumenta o poder de barganha na aquisição de insumos.
Hoje, para cada hectare de soja, é necessário investir de R$ 2,1 mil a R$ 2,4 mil, relata – cerca de US$ 750, ou US$ 150 a mais do que no Paraguai. A despesa é crescente e vem sendo puxada pelos reajustes no óleo diesel, por exemplo.
Para fazer a comercialização da safra, Aristeu afixa a cotação no dólar. Assim, fica livre de levar prejuízo com a desvalorização da commodity em Chicago.
Um pé em Santa Rosa del Monday e outro na Bolsa de Chicago
O que mais pesa nos negócios de José Delmar Pellenz – agricultor em Santa Rosa del Monday, Leste do Paraguai – é a queda global no preço do grão – de US$ 400 para US$ 300 a tonelada. Esse valor dá lucro só quando não há quebra climática, avalia. O lado positivo da “dolarização” é que a baixa nas cotações força queda automática nos custos de 2015/16, aponta.
Se tivesse de escolher entre Brasil e Paraguai, neste momento de venda da produção José Delmar optaria pelo Brasil, uma vez que as cotações se equiparam às de um ano atrás. Em Santa Rosa, a saca caiu de US$ 28 para US$ 18. Mas, avaliando o quadro de forma geral, ele diz preferir os custos reduzidos paraguaios.
As condições do solo lhe são favoráveis. “Usamos só 200 quilos de adubo por hectare, e na Bahia usam 400 quilos”, compara. E há herbicidas que tiveram baixa de US$ 240 para US$ 180 (ou 25%) em um ano. Nos fungicidas, a variação chega a 10%, relatam produtores e comerciantes de insumos consultados.
Mesmo com quebra de um terço na produtividade – ante potencial de 70 sacas por hectare –, José Delmar atinge marca considerada satisfatória: 45 sacas por hectare. Esse volume, negociado aos preços atuais, rende US$ 810 por hectare. Não é uma renda satisfatória, mal cobre custos. Ele aguarda melhor cotação para a comercialização da safra. Por enquanto, travou apenas custos de escoamento (estabelecido pelas tradings) em US$ 50 por tonelada.