De longe, parecia uma lavoura de soja saudável. Mas, de perto, tinha uma coisa faltando: a soja propriamente dita. “Nunca tinha visto isso, ela jogou fora os grãos, as vagens. A gente não sabe se foi algum mecanismo de proteção”, lembra o produtor Clóvis Gressler Junior, de Marechal Cândido Rondon, no Oeste paranaense, um dos que se deparou com a ‘soja pelada’, ainda no final do ano passado. “Foi numa área pequena, de 100 metros quadrados, onde a gente tinha feito um teste com um fungicida e um [fertilizante] foliar à base de orgânicos. Não sabemos se foi uma deficiência de nutrientes, é tudo novo.”
O que causou o abortamento das vagens, o agricultor ainda não sabe. E nem os cientistas. A Embrapa Soja publicou uma nota técnica assinada por oito pesquisadores, em que explica o problema e, na medida do possível, orienta os produtores.
“Naturalmente a soja está programada para descartar um número expressivo de flores, que são produzidas em excesso, e abortar um certo número de vagens, além de ajustar o enchimento dos grãos, de acordo com a disponibilidade dos fatores do ambiente”, diz o documento. “Têm sido relatados casos de abortamento drástico de vagens (acima de 50% e em alguns casos chegando a quase 100%) e casos em que as vagens permanecem nas plantas sem, contudo, os grãos completarem seu pleno desenvolvimento.”
A Embrapa descarta as hipóteses de que o problema seja uma consequência da antracnose, doença fúngica mais comum no Centro-Oeste, e de que o clima úmido seja o único responsável pela ocorrência da ‘soja pelada’. “É importante ressaltar que nas mesmas regiões a maioria das áreas está com desenvolvimento normal, o que sugere que o problema ocorreu quando houve a coincidência de vários fatores. A maior ou menor sensibilidade de algumas cultivares; época de plantio; práticas equivocadas de manejo do solo e da cultura na área ou talhão podem também estar interagindo para a ocorrência do problema”, pontua a nota.
Por enquanto, os episódios têm sido tratados como perdas pontuais, sem impacto significativo para a produção total, principalmente no Oeste e Norte do Paraná, e algumas regiões de São Paulo. Mas Clóvis conta que, embora a área afetada em sua propriedade tenha sido pequena, ele soube de casos em que colegas perderam mais de 70 hectares de soja dessa maneira. “Está infestado aqui, em Toledo, Assis Chateaubriand... Para eles, deu perda total. Se eu não tivesse realizado o manejo nas outras áreas, teria perdido a área toda”, completa o produtor, que semeou ao todo 150 hectares com soja.
“O que se pode concluir é que não há técnicas que resolvam ou minimizem o problema já estabelecido”, reconhece a Embrapa. “Para as próximas safras, a inserção da soja em um sistema de produção com adequado manejo do solo e rotação de culturas, além de uma cuidadosa condução da lavoura, escolha adequada e diversificada de cultivares, com os devidos cuidados no manejo de pragas, doenças e plantas daninhas, evitando os exageros da aplicação de produtos químicos, poderia evitar ou, pelo menos, reduzir o surgimento de problemas semelhantes no futuro.”
Com ‘chuvarada’, ferrugem ataca as lavouras
Embora a ‘soja que não dá grão’ chame a atenção por ter aparecido só agora, o que mais vem preocupando os produtores é uma velha conhecida: a ferrugem asiática.
A engenheira agrônoma do Departamento Técnico-Econômico da FAEP (Federação da Agricultura do Estado Paraná), Ana Paula Kowalski, conta que conversou recentemente com produtores de todo o estado, até para entender melhor o aparecimento da ‘soja pelada’.
Mas o que mais ouviu foram as queixas com relação à ferrugem. “No Oeste os casos estão mais elevados. As chuvas impediram o manejo fitossanitário, os produtores não conseguiram entrar na lavoura para fazer o controle da doença”, explica a especialista. “A ferrugem começa a ter incidência do meio para o final da safra, quando não se consegue fazer as pulverizações. Alguns produtores conseguiram acompanhar nessa semana e vão avaliar se foi efetivo.”
Segundo Ana Paula, já são mais de 100 casos de ferrugem no Paraná, enquanto que, nesta mesma época do ano passado, eles não passavam de 80. “E nessas duas últimas semanas, quando o manejo precisava ser feito, mas não foi possível, foi quando estourou”, acrescenta.
Como o plantio atrasou e o ciclo de desenvolvimento das plantas está mais lento, por conta da falta de luminosidade, a colheita deve ganhar força a partir do final de fevereiro. “Ainda não temos o impacto da ferrugem, vamos ter que ver o finalzinho do ciclo, mas ela já afetou as produtividades”, completa a engenheira agrônoma.
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