As oito colheitadeiras dormiram no campo, em vigília, esperando a terra secar. A lavoura de soja está madura, pronta para a colheita.
A torcida agora nos 8,7 mil hectares das Fazendas Seis Irmãos, em Balsas, no Maranhão, é para que a chuva, que tanto ajudou no desenvolvimento das plantas e no enchimento dos grãos, não acabe virando um fator negativo justamente na hora de tirar a riqueza da terra.
“Ainda não estamos no aperto, mas já começamos a nos preocupar”, revela Joel Carlos Hendges, administrador de empresas, filho primogênito do mais novo dos seis irmãos pioneiros que desembarcaram do Rio Grande do Sul, 35 anos atrás. A saga dos Hendges, a propósito, é um capítulo à parte: nos anos 80 eles venderam 12 hectares em Chapada, no Rio Grande, para comprar 400 hectares no Maranhão, onde, 35 anos depois, grão após grão, chegaram a quase 9 mil hectares.
Durante todo o ciclo atual, a chuva foi perfeita na região de Balsas que cultiva 600 mil hectares, ou 80% de toda a produção de grãos do estado. A soja domina a paisagem, ocupando mais de 90% da área, deixando apenas 50 mil hectares para o milho.
A família Hendges, como a maioria dos vizinhos, já conseguiu colher mais de metade da safra de verão (cerca de 60%). Nesta altura, só um desastre climático de várias semanas de chuva ininterrupta - o que é altamente improvável - poderá impedir a safra recorde. “Se abrir o sol, estamos com oito colheitadeiras prontas para o trabalho. Cada máquina pode colher uns 46 hectares por dia, trabalhando de 10 a 12 horas seguidas”, revela o produtor.
Safra de recuperação
A perspectiva de colheita recorde é um alívio para os produtores dessa região do Matopiba (acrônimo formado com as iniciais dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), que há apenas dois anos enfrentaram a pior safra da história em função de uma estiagem sem precedentes. Em 2015/16 a produtividade média ficou entre 20 e 25 sacas por hectare, um desastre, menos de metade do esperado. “Estamos diante da safra vai ajudar a pagar o prejuízo do penúltimo ciclo”, acredita Luiz Carlos Schwingel, secretário do Sindicato Rural de Balsas (SindiBalsas).
“Este ano é o melhor que já tivemos, sem dúvida. A média não será de menos de 55 sacas por hectare, bem acima da média do ano passado, que já foi uma safra boa, de 47 sacas por hectare”, assegura o corretor de grãos José Gabriel, da Mapito Agro.
Há quem diga que a produtividade do Maranhão poderá ficar ainda mais alta. “Tem um produtor que já terminou a colheita da lavoura inteira, de 3 mil hectares, e fechou com 66 sacas de soja por hectare. Na Serra do Penitente, vários talhões chegaram a esse número. É geral, o clima foi perfeito. Praticamente não tivemos veranico algum. As chuvas foram pequenas e frequentes, de uma normalidade fora de série”, comemora Jorge Salib, presidente do SindiBalsas que cultiva uma área de 3,6 mil hectares.
Na análise do corretor de grãos e secretário de Agronegócio do município, José Gabriel, os produtores já podem pensar alto para o próximo ano: “Existem talhões tirando até 80 sacas por hectare. Acho que com a terra bem trabalhada e clima de acordo, dá para buscar uma média de 70 sacas, isso é possível, deveria ser a meta”.
O corretor estima que 60% da safra já foi comercializada, com preços médios travados em R$ 66,00 a saca de soja. “Ninguém imaginava que a seca na Argentina ia ser tão forte”, observa.
Apesar desse pico no preço, Joel Hendges não lamenta ter travado 80% da soja a um valor menor: “quem tem produto físico, se especular, quebra. Nossa estratégia é reduzir riscos, não aumentá-los”.
Quanto ao milho, como a janela de plantio se estende por um período mais longo, muitos produtores só vão colher a safra verão daqui a 50 dias. Caso dos irmãos Hendges, que costumam fazer rotação de culturas e destinam 30% da área ao milho, para melhorar o índice de matéria orgânica do solo.
Já em relação ao milho segunda safra, a Fazenda Seis Irmãos vai semear 1700 hectares. “Apenas uns 20% com tecnologia, o restante é só uma aposta mesmo”, diz Joel Hendges, que sabe que após maio o clima costuma “cortar” as chuvas. De qualquer forma, na pior das hipóteses, o milho cumprirá seu papel de enriquecer o índice de matéria orgânica do solo para o próximo ciclo da soja.
Segurança alimentar
Para o chefe-geral da Embrapa Territorial, Evaristo Miranda, o Matopiba se transformou, em curto espaço de tempo, em fator de segurança alimentar do Nordeste brasileiro. “Há três anos, o Nordeste superou o Sudeste em produção de alimentos. Isso não acontecia desde o século 19”, afirma. “Não só superou como está crescendo três vezes mais. Eles já produzem 20 milhões de toneladas de grãos, e nós 18 milhões. Sofremos para crescer 3% ao ano enquanto eles crescem mais de 10%”.
A maior parte dessa expansão, segundo o pesquisador, não se dá pelo desmatamento, mas pela recuperação de pastagens degradadas. “É uma das agriculturas de ocupação mais antigas do Brasil. No século 18, a região do Matopiba era muito forte em pecuária, produzia muito charque, o sal subia o Rio Parnaíba para salgar a carne no Piauí”.