Até onde os agricultores brasileiros podem aumentar sua capacidade produtiva? Como conseguiram em tão pouco espaço de tempo produzir tanto milho? E se a guerra comercial entre EUA e China continuar, será que o Brasil não acabará tendo de importar soja para atender suas próprias necessidades?
As três perguntas acima foram disparadas em sequência por produtores e analistas americanos após palestra de Thomé Guth, gerente de produtos agropecuários da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) durante o 95º Agricultural Outlook Forum, promovido pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos em Arlington, na Virginia.
“Disse aos americanos que nossa agricultura pode crescer de 10 a 12% nos próximos quatro anos, que é mais ou menos para onde apontam as projeções do Ministério da Agricultura. No entanto, se a gente conseguir desenvolver ainda mais o Arco Norte e também o sistema de transporte de grãos, e se dermos competitividade ao produtor, com certeza nossa produção vai disparar, porque ficaremos mais competitivos. Daí 10% é até pouco”, destaca Thomé.
O analista observa que obras do sistema multimodal de transporte no Centro-Oeste, Norte e Nordeste do País envolvem questões ambientais e de segurança jurídica que ainda não foram plenamente resolvidas. São investimentos rodoviários, como a conclusão da BR 163, ferroviários e portuários que poderiam deixar a produção brasileira mais competitiva em relação à Argentina e aos Estados Unidos. “Em termos de produção, crescer 10% para soja e milho em quatro ou cinco anos não é muita coisa. Vai depender de resolver a questão de infraestrutura. Se isso acontecer, com certeza vamos disparar”.
Os americanos têm razão para se espantarem com a progressão da safra brasileira de milho. No ciclo 2004/5, a produção foi de 35 milhões de toneladas para uma área plantada de 12 milhões de hectares; em 2018/19 espera-se colher quase o triplo daquele volume, ou 91,6 milhões de toneladas, numa área de 16,8 milhões de hectares (acréscimo de 40%).
“O milho safrinha começou principalmente por uma questão agronômica, de melhoria de solo e aproveitamento dos fertilizantes. Mas chegou um dado momento em que o preço da soja estava tão mais competitivo, que os produtores da região Centro-Oeste apostaram na alternativa de concentrar a produção de milho na segunda safra. E junto veio a tecnologia. As multinacionais de produção de sementes observaram a tendência e começaram a trabalhar com um milho adaptado para a região, mais precoce e que responde à fertilização bem feita. E encurtou-se o ciclo da soja, o que permitiu aumentar o milho safrinha”, resume Guth. Ele observa que toda a pressão que se vê para instalação de infraestrutura no Arco Norte, nos últimos dez anos, “apareceu pela necessidade de escoar o milho safrinha”.
Cerrado
Nos bastidores do evento do USDA em Arlington, circulava a informação de que seis gigantes do agro (Cargill, ADM, Bunge, Cofco e Glencore) tinham se comprometido a limitar a compra de grãos produzidos em novas áreas implantadas no Cerrado brasileiro. Na verdade, o que houve, foi um compromisso de apoiar a exploração sustentável nesse bioma, divulgando a cada seis meses a percentagem de soja com origem no Cerrado. Não houve, contudo, por parte das empresas, um compromisso declarado de preservação.
Seja como for, a expansão da produção de milho no Brasil independe da incorporação de novas áreas do Cerrado. Atualmente, o País utiliza apenas 32% da área de soja, cultivada no verão, para produzir milho safrinha, no inverno. “Já houve ano em que chegamos a quase 40% da área de soja plantada com segunda safra de milho. O que limitou foi o mercado, porque o preço estava mais baixo, e aí o pessoal diminuiu o cultivo, principalmente no Paraná. Mas existem outras regiões que estão começando a enxergar a safrinha. Áreas no Maranhão e no Piauí, que tradicionalmente são de milho de primeira safra, agora já começam a fazer segunda safra. O mesmo acontece em São Paulo, que começa a ter alguma coisa de milho no inverno. Chegar até 50% de milho safrinha em relação à área de soja não é impossível”, destaca o analista.
Em relação à terceira pergunta dos americanos – se o Brasil não terá de importar soja dos próprios EUA, após exportar tudo para a China – Thomé apontou que tudo é uma questão de mercado. “Se pagar melhor, o produtor prefere exportar a negociar com suinocultores, por exemplo. E os nossos estoques estão muito apertados, temos uma demanda muito alta no Brasil de farelo de soja e biodiesel. No ano passado, houve um momento em que a China estava pagando ao Brasil dois dólares a mais por bushel em relação às cotações da Bolsa de Chicago. Se isso permanecer, a gente não vai ter estoque para esmagar. Sim, talvez o Brasil seja um novo mercado para os EUA neste ano”, conclui.
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