Desde que o presidente americano Donald Trump enterrou o tratado de livre comércio da América do Norte (Nafta) e forçou os vizinhos a negociar um novo acordo, que ainda não entrou em vigor, o México tem buscado diminuir a dependência econômica em relação à terra do Tio Sam, de onde vêm quase 50% de suas importações e para onde vão 80% das exportações. E um dos países com maior potencial para aumentar a parceria com o México é justamente o Brasil, que nos últimos três anos quase dobrou o envio de carnes para lá e praticamente triplicou os embarques do complexo soja, além de abrir um espaço inédito para o milho.
Ver de perto e relatar as oportunidades que o agronegócio da segunda economia latino-americana oferece ao Brasil é uma das missões do roteiro extraordinário que a Expedição Safra 2018/19 da Gazeta do Povo realiza, de 5 a 13 de maio, no país berço das civilizações Maia e Azteca. No programa, visitas a propriedades rurais, agroindústrias, associações de produtores, traders, autoridades governamentais e ao porto de Veracruz, o mais importante para produtos agrícolas. Em sua 13ª edição, a Expedição Safra percorre a cada ano cerca de 50 mil km, visitando as principais regiões produtoras de grãos da América do Sul para reportar o andamento das lavouras, tendências e desafios do mercado. No roteiro extraordinário, já foram feitas visitas à China, Rússia, Israel, Índia, Europa e Canal do Panamá.
Em 2017, no auge do atrito comercial com os EUA, o México importou 567 mil toneladas de milho do Brasil, contra zero do ano anterior e um “recorde” de 160 mil toneladas em 2012. No ano passado, depois de aparadas as arestas entre México e EUA, a exportação do milho brasileiro ao país latino-americano caiu para 128 mil toneladas. Mas o canal com novos clientes permanece aberto. E o potencial é enorme: terra das tortillas e burritos, o México importa 16,7 milhões de toneladas de milho por ano diante de um consumo total de 43,7 milhões de toneladas.
Alysson Paulinelli, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho) e ex-ministro da Agricultura, garante que o pico de meio milhão de toneladas exportadas para o México não foi apenas uma venda de ocasião, motivada por oportunidade passageira. “Eles ficaram encantados com o milho brasileiro. Gostaram demais. O nosso milho não entra em secador, as vacas leiteiras deliram. Eles perguntaram se dava para fazer negócio de produtor para produtor e eu disse que era perfeitamente possível, especialmente com as cooperativas ou grandes produtores do Mato Grosso. E os coloquei em contato. Mas o Trump é muito vivo, ele morde de um lado e assopra do outro. O Brasil vender milho na porta dos EUA é quase uma provocação, mas é possível devido à qualidade de nosso milho”, diz Paulinelli.
A pauta de comércio entre Brasil e México é dominada pela indústria de automóveis, com 30% de participação do volume total de 9,5 bilhões de dólares anuais. Em março, começou a valer o livre comércio para importação de automóveis e autopeças entre os dois países. No setor agropecuário, os produtos florestais são o principal item brasileiro da pauta de exportações, alcançando US$ 321 milhões anuais.
Não é só na área de automóveis, madeira ou grãos que o comércio bilateral tem potencial para deslanchar. Em novembro do ano passado, os mexicanos habilitaram 26 novas plantas frigoríficas do Brasil para exportar carne de frango, totalizando 46 abatedouros credenciados. O resultado foi quase imediato: em janeiro deste ano houve aumento de 30% nos embarques de carne de frango para o México, em comparação ao mesmo período do ano passado. O país é o décimo do ranking de importadores, com 111,2 mil toneladas em 2018 (2,8% dos embarques totais do Brasil). “Além de expandir as vendas em aves, está nos planos do Brasil viabilizar as vendas de carne suína e de ovos para este importante mercado”, disse em fevereiro o presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Francisco Turra, quando seis frigoríficos brasileiros participaram da Expo Carnes y Lacteos 2019, uma das mais importantes feiras da indústria de alimentos mexicana, em Monterrey.
Os mexicanos têm vocação para negócios. Enquanto a participação brasileira no comércio mundial patina há anos na faixa de 1,2%, o México, segunda maior economia da América Latina, com 129 milhões de habitantes (pouco mais de metade da população brasileira), exporta quase o dobro e responde por 2,35% das transações internacionais. Grande parte deste comércio, 80% das exportações e 46% das importações, é realizada com os Estados Unidos, mas o governo mexicano sabe que não é prudente depender excessivamente de um país cujo governo insiste em levantar um muro gigante na fronteira. Em relação à comunidade internacional, o Índice de Liberdade Econômica 2019 (divulgado com exclusividade pela Gazeta do Povo) põe o México na 66ª posição (moderadamente livre) num ranking de 180 países em que o Brasil aparece na 150ª posição (majoritariamente não-livre).
“Há muitas oportunidades de parceria sim, especialmente no momento de tensões com os EUA. O recente acordo de livre comércio que substituiu o NAFTA ainda não passou pelo congresso americano e os EUA não retiraram as sobretaxas impostas sobre a importação de aço e alumínio mexicanos. A insegurança em relação a esse acordo afeta os mercados”, aponta Tatiana Palermo, ex-secretária internacional de agronegócio do Ministério da Agricultura e colunista da Gazeta do Povo, baseada em Washington.
Palermo observa que as pautas exportadoras de produtos agropecuários dos EUA e do Brasil são parecidas e, por isso, as negociações de acesso sempre foram difíceis. “Mas considerando o clima atual, talvez o México tenha mais incentivos para diversificar seus parceiros. E o Canadá também está avançado na negociação com o Brasil. O ministro Paulo Gudes está querendo abrir nossa economia, aumentando a participação do comércio exterior no PIB. O México pode ser um bom parceiro”, avalia.
Evolução dos principais produtos agropecuários brasileiros exportados para o México nos últimos três anos: