A incerteza sobre as chances reais de um acordo na guerra comercial com a China vai levar os produtores americanos a reduzir em pelo menos 1,7 milhão de hectares a área plantada com soja na temporada de 2019. É uma queda de quase 5% em relação ao ciclo anterior, segundo dados divulgados nesta quinta-feira pelo Departamento da Agricultura dos Estados Unidos, que realiza sua 95ª conferência anual em Arlington, Virginia.
Mesmo que Washington e Pequim cheguem a um acordo nos próximos meses, o fato é que os americanos não trabalham mais com a possibilidade de recuperar toda a fatia de mercado perdida para o Brasil, que no ano passado vendeu um recorde de 69 milhões de toneladas para a China, ou 84% de todos nossos embarques da oleaginosa (83,8 milhões de toneladas).
Veja a expectativa de preço e área plantada dos principais commodities do agronegócio nos EUA
“Esperamos vender soja para a China, mesmo com as tarifas que hoje estão em vigor, mas não na extensão que tínhamos no passado. Projetamos que o Brasil continuará a expandir a área plantada de soja e se tornará o maior produtor mundial. Nós fomos os maiores produtores no ano passado, mas prevemos que o Brasil tomará o primeiro lugar”, disse o economista-chefe do USDA, Robert Johansson, em entrevista à Gazeta do Povo. “É claro que recuperaremos parte do mercado se houver um acordo com a China. Se não houver, veremos a repetição do que aconteceu no ano passado: muita diversidade de destinos, vamos vender mais soja para Europa, Oriente Médio, África e outros países asiáticos”.
Para Giovani Ferreira, coordenador da Expedição Safra e analista do núcleo de agronegócio da Universidade Positivo, “a redução na área de soja americana neste ano abre caminho para o Brasil se tornar o maior produtor já no ciclo 2019/20”. A depender do comportamento do clima e repetindo a área plantada, na casa dos 37 milhões de hectares, o Brasil tem potencial para produzir até 130 milhões de toneladas. Já nos Estados Unidos, a considerar a produtividade média dos últimos três anos e a diminuição de área, o desempenho será entre 125 e 128 milhões de toneladas – salvo condições climáticas adversas.
Otimismo
O secretário americano de Agricultura, Sonny Perdue, é mais otimista do que seu economista-chefe, Robert Johansson. “Se conseguirmos alcançar um acordo nas reformas estruturais e na questão envolvendo a proteção aos direitos da propriedade intelectual, acredito que poderemos recuperar o mercado chinês rapidamente”, afirmou. Ele mesmo lembrou, contudo, que as conversas com Pequim ainda estão numa fase crítica, com alguns pontos em que a China se mantém “um pouco intransigente”.
Na entrevista coletiva, um repórter lembrou a Perdue que a promessa de Trump, ao impor tarifas a milhares de produtos chineses, era reduzir o déficit comercial dos EUA com o país asiático. Isso não aconteceu, então por que continuar com as tarifas? Perdue apenas deu uma piscadela e disse que a pergunta era pertinente, mas deveria ser feita a outra pessoa.
No ciclo agrícola de 2019 nos Estados Unidos, maior produtor mundial de grãos, o que a soja perde de área, milho e algodão ganham. A área cultivada com milho deve aumentar em 3,3%, chegando a 37,2 milhões de hectares e o algodão deve avançar 1,1% e subir para 5,78 milhões de hectares.
Os efeitos da guerra comercial EUA-China ainda serão sentidos por alguns anos, mesmo que houvesse um “cessar-fogo” imediato. O economista Robert Johansson lembra que os produtores americanos seguraram seus estoques de soja à espera de melhores preços. “Hoje estamos com 23% de estoques totais, em relação à produção anual. Antes das tarifas, os estoques eram de 10%. Para retornar a esse patamar, deve levar alguns anos. Em termos de preços, projetamos que vai demorar pelo menos três anos para retornarmos aos níveis do ano passado”.
As vendas da soja americana a outros países nem de longe compensam a perda do mercado chinês. Na temporada 2018/19, os americanos preveem exportar no total 23,7 milhões de toneladas de soja – 13,5 milhões a menos do que em 2017/18, quando foram exportadas 37,3 milhões de toneladas. “Com o afunilamento de preços e a colheita em andamento, a América do Sul deve tornar-se mais competitiva também em relação a outros mercados, além da China. Esperamos pouca recuperação em nossos embarques pelo restante deste ano”, afirmou Johanson.
Em termos de renda agrícola, a projeção é de que os produtores de soja americanos deixarão de faturar US$ 7,9 bilhões comparativamente ao que se previa no ano passado. Em se mantendo as sobretaxas chinesas, o USDA prevê que as cotações de soja se elevem moderadamente, subindo 20 centavos para uma média de US$ 8,80 por bushel. Essa pequena valorização, no entanto, tem como antecedente uma queda de 73 centavos por bushel no ciclo anterior. O milho deve se valorizar em 5 centavos por bushel, atingindo cotação média de US$ 3,65 por bushel. É o segundo ano consecutivo de melhora de preço, diante do contexto de estoques mundiais apertados.
Boa vizinhança
A conferência do USDA, neste ano, foi marcada pelo esforço dos anfitriões de agradar os vizinhos México e Canadá, que no final do ano passado fecharam os termos de um novo acordo comercial com os EUA, que depende, ainda, de aprovação dos respectivos parlamentos. “Estamos aqui numa relação de família e de amigos. Podemos dizer que somos os melhores vizinhos do mundo”, exagerou o secretário Perdue.
Para o ministro canadense da Agricultura, Lawrence MacAulay, ainda restam “alguns problemas em relação às tarifas impostas sobre o aço, que esperamos resolver”. O ministro mexicano, Victor Villalobos Arabula, enfatizou o desafio de que a parceria entre os países resulte em resultados práticos para a população. “O governo atual foi eleito com um mandato para construir melhores fundamentos econômicos, para combater a violência, a pobreza e a corrupção. Precisamos continuar a cooperação regional para favorecer produtores e consumidores”, enfatizou.