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| Foto: Michel Willian/Gazeta do Povo

Nueva Palmira é o porto mais ao sul da hidrovia Paraguai-Paraná, a 3442 km de onde a rota transnacional se inicia, em Cáceres, no Mato Grosso,percorrendo cinco países. O capitão do porto, Hebert Marquez, está otimista com a possibilidade de receber mais cargas brasileiras e de outros vizinhos. “Esta é a última escala das barcaças que navegam os rios até os portos de ultramar. Pelo menos três estados do Brasil têm potencial para vender seus produtos utilizando este porto. Convido representantes das zonas produtivas brasileiras a fazer uma reunião de intercâmbio ou uma conferência, porque cremos que a irmandade dos povos vai se construindo com uma notícia, um conhecimento, a oportunidade de um negócio, tudo entrelaçado”.

Cargas vindas do Brasil, no entanto, são tão raras no pequeno porto como os itens de um planeta distante. Os mestres desses caminhos fluviais são os paraguaios – o país guarani tem a terceira maior frota de barcaças do mundo, com 3000 unidades operando nos meandros da Bacia do Prata. “Neste ponto, todos deveríamos nos inspirar no Paraguai. O paraguaio é um bom marinheiro, maneja com facilidade o rebocador e as barcaças. Eles têm uma cultura naval que os outros países da Bacia do Prata não têm. Por necessidade, eles aproveitam o rio muito mais do que nós”, sublinha Marquez.

Se o Paraguai domina as águas da hidrovia, a Argentina detém o maior percentual de cargas. Um estudo da Universidade Federal do Paraná para a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTT), divulgado em 2017, mostra que a Argentina transportava pela hidrovia 64,60 milhões de toneladas de cargas por ano; em segundo lugar, o Paraguai (12,97 milhões de toneladas), depois o Brasil (4,47 milhões de toneladas), Bolívia (1 milhão de toneladas) e Uruguai (52 mil toneladas). Proporcionalmente às cargas transportadas por outros modais, o Brasil, com 0,6%, só não fica atrás do Uruguai, que escoa apenas 0,4% de seus produtos pelo rio. O Paraguai, em contrapartida, movimenta pela hidrovia 76,8% de suas cargas, contra 54,6% da Argentina e 12,9% da Bolívia.

Hebert Marquez, capitão do porto de Nueva Palmira Michel Willian

De olho no Oeste do Paraná

Uma obra rodoviária, no Paraguai, pode ser o impulso que falta para que Nueva Palmira finalmente comece a receber commodities agrícolas brasileiras que, dali, seguiriam para Ásia e Europa, pelo Atlântico Sul. A rodovia batizada de “Corredor de Exportação” está sendo construída com financiamento japonês e deve ficar pronta em três anos. Os 147 km de extensão margeiam e interligam o Rio Paraná com zonas de produção, próximo à fronteira com o Brasil.

No percurso da rodovia estão onze portos fluviais, alguns deles, como o Puerto Torocuá, a apenas 100 km da zona fronteiriça do Oeste do Paraná, uma das principais regiões produtoras de grãos do estado. Em um raciocínio simples, a soja do oeste paranaense poderia seguir apenas 200 km até os portos paraguaios e fazer o restante do caminho nas balsas, evitando a viagem de 600 km de caminhão até o Porto de Paranaguá. Um comboio de 16 balsas pode transportar 24 mil toneladas, enquanto por outros modais seriam necessários 686 caminhões ou 300 vagões de trem. O estudo da UFPR para a Antaq demonstrou que o custo do transporte hidroviário é de apenas 25% do rodoviário tomando como base uma viagem de mil quilômetros.

Para o consultor de logística portuária Luiz Henrique Dividino, que durante seis anos dirigiu o Porto de Paranaguá, a saída pelo Paraguai não tem vantagem competitiva para os paranaenses. Dividino diz que o transporte de grãos por hidrovias envolve alguns gargalos operacionais – como o transbordo do caminhão para a barcaça e desta para os navios – que implicam aumento de custos, perdas físicas no manuseio e eventuais perdas de qualidade, devido às intempéries ou contaminação com outros produtos (mistura de soja e milho, por exemplo). “Todo mundo fala que o transporte por caminhão é caro, que é ineficiente. Mas hoje o que vemos na frota de granéis é a melhor geração de caminhão que já existiu, extremamente eficiente. E no Porto de Paranaguá temos o efeito natural do frete de retorno, que no outro caso não existe. Descem 23 milhões de toneladas de granéis para exportação e sobem 10 milhões de toneladas em fertilizantes, cevada e malte, entre outros produtos”, aponta.

O ex-dirigente portuário reconhece que, pontualmente, poderá haver alguns embarques do Oeste do Paraná pela hidrovia Paraguai-Paraná, “que está ali do lado de Cascavel”. “De repente, o operador não tem frete, está com a barcaça parada e decide botar o equipamento para rodar, oferecendo fazer o serviço pelo custo. Se tiver oportunidade, pode aparecer algum negócio. Mas o mercado predominante e cativo é Paranaguá”.

Paranaguá pode ser imbatível

O sistema de Paranaguá poderia se tornar imbatível, segundo Dividino, se fossem instalados “terminais privados puros”, como em Santos. “Paranaguá hoje tem terminais privados interligados com o cais público. Se tivermos os dois modelos, serão duas figuras disputando o mercado. Daí iríamos tomar carga de São Francisco do Sul, e digo mais, poderíamos trazer o Paraguai de volta para cá”.

Dividino se refere ao fato de que, até o início dos anos 2000, quase toda a safra de grãos do Paraguai era exportada por Paranaguá. O bloqueio das cargas transgênicas, por ordem do então governador paranaense Roberto Requião, fez com que o país vizinho descobrisse sua vocação fluvial. Hoje, 96% do que o Paraguai produz é exportado por hidrovia.

Em outros trechos da hidrovia transnacional, as cargas agrícolas brasileiras começam finalmente a dar o ar da graça. A multinacional argentina Vicentin importou 600 mil toneladas de soja do Mato Grosso do Sul, no ano passado, pelos portos de Murtinho e Ladário, no Brasil, e via Concepción, no Paraguai. No ano anterior tinham sido apenas 185 mil toneladas e, dois antes, míseras 16 mil toneladas.

Em duas décadas, Paranaguá perdeu a maior parte das cargas do Paraguai para a hidrovia IvanBueno /ANPr

“Os embarques aumentaram geometricamente. Não iríamos comprar 600 mil toneladas se estivéssemos perdendo dinheiro”, diz Peter J. Graham, diretor do grupo Vicentin. A soja do Mato Grosso do Sul, com teor mais alto de proteína, é levada para ser esmagada e fazer um blend nas indústrias argentinas de Rosário.

Para o diretor-executivo do Movimento Pró-Logística de Mato Grosso e presidente da Câmara de Infraestrutura e Logística de Transportes do Agronegócio do Ministério da Agricultura, Edeon Vaz Ferreira, ao fim e ao cabo tudo se resume a uma questão de custos. “Dólar por dólar, o transporte de commodities se resolve nos detalhes. Exportar soja do Mato Grosso para a Argentina, a conta não fecha. Teria de haver um frete de retorno, com fertilizante, por exemplo, para as barcaças não voltarem batendo lata em todo o trecho. Já de algumas regiões do Mato Grosso do Sul, isso é possível”, avalia.

As compras de soja do Mato Grosso do Sul para escoamento via hidrovia, até agora, foram feitas exclusivamente pelo grupo Vicentin, mas mostram a viabilidade econômica de uma rota até então inexplorada. “A soja do Mato Grosso do Sul era uma das mais baratas, mas agora até se valorizou com essas exportações. E os produtores estão plantando 5% a mais a cada ano”, diz Peter Graham, da Vicentin.

Veio para ficar

O fato é que a alternativa de escoamento da safra de Mato Grosso do Sul pela hidrovia Paraguai-Paraná veio para ficar. Juliano Schmaedecke, presidente da Aprosoja-MS, diz que só não se exporta mais pelo rio devido à falta de capacidade de embarque nos terminais brasileiros. Uma das empresas que atuam em Porto Murtinho, a FV Cereais, conseguiu licenças ambientais e já começou a ampliar a área do cais. “Vamos ter três operadores portuários e isso é muito bom. Vai trazer mais competitividade para o mercado. Hoje a gente ainda envia soja de caminhão para embarcar lá pelo porto de Rio Grande (RS), que tem mais eficiência e taxas mais baratas. Mas é uma barbaridade descer quase 2 mil quilômetros, tendo portos muito mais perto”, critica Schmaedecke.

Outro gargalo que prejudica o potencial da hidrovia Paraguai-Paraná são os atestados fitossanitários. Por falta de regulamentação e acordo entre os países, a soja brasileira tem de sair em lotes fechados, prontos para embarcar nos navios Panamax. Isso impede que as indústrias formem seus lotes na Bacia do Prata. “Na verdade, essa navegação ainda não está redonda. Para os laudos fitossanitários, é uma quantidade tão grande de documentos que exigem que isso também emperra um pouco essa negociação de venda do Brasil com a Argentina e o Uruguai”, destaca Edeon Ferreira. Segundo Schmaedecke, da Aprosoja, a questão dos laudos fitossanitários está sendo tratada diretamente pela ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e espera-se para breve uma solução.

Se a saída sul-matogrossense para o rio irá se consolidar, se o caminho fluvial é viável também para o Paraná e o Mato Grosso, se Nueva Palmira vai finalmente receber soja brasileira – todas essas são questões que se resolverão na planilha das empresas de logística e nas obras de infraestrutura dos governos. Cada dólar de redução nos custos, como se vê, tem o potencial de fazer a balança pender para um ou outro lado.

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