A Safra 2018/19 de soja do Brasil vai quebrar. A certeza de quebra vem de cooperativas, entidades extra-governamentais e, principalmente, de relatos de produtores. A estiagem que vem assolando grande parte do país desde o último bimestre de 2018 secou o solo e parte da soja morreu em diversas localidades.
Os primeiros sinais de quebra de safra no Paraná e no Mato Grosso do Sul foram antecipados em dezembro pela Gazeta do Povo, principalmente no Oeste, Sudoeste e Noroeste paranaense e Sul do MS. Agora, com as primeiras colheitas no início do ano, veio a confirmação: há produções abaixo das 20 sacas por hectare. Nas últimas duas supersafras, a média nacional girou em 55 sacas por hectare.
O Departamento de Economia Rural do Paraná (Deral) só deve divulgar uma nova estimativa no fim do mês, mas garante: a previsão de 19,1 milhões de toneladas para o estado será reduzida. “Foram impactadas principalmente as lavouras que fazem plantio antecipado, como Toledo, Cascavel, Francisco Beltrão e Pato Branco”, exemplifica Marcelo Garrido, analista do Deral. O Paraná o segundo maior produtor de soja do Brasil.
A C.Vale atende parte das regiões mais afetadas. “No contexto geral, a média produtiva vai ser de perda de 45%. No Noroeste, a perda foi menor e deve ficar em torno de 30%”, estima Carlos Konig, gerente do departamento agronômico da cooperativa.
A previsão da Aprosoja-MS é de 11% de quebra da soja no estado sul-mato-grossense. Contudo, no Sul do Mato Grosso do Sul, a Copasul estima quebra de safra de até 25%. “Foram variedades semeadas mais cedo e com ciclo mais curto, e faltou chuva exatamente no momento do enchimento do grão”, avalia Frederico Azevedo, diretor executivo da Aprosoja-MS. Segundo ele, fazendas em Maracaju e Dourados ficaram 30 dias sem chuva.
“A soja não desenvolveu bem, pois só tiveram chuvas localizadas. No começo do plantio, todo mundo ficou bravo que atrasou, mas quem plantou na segunda época, em outubro, está bem melhor. Já quem plantou até 20 de setembro enfrenta essa condição”, emenda Anderson Luis Guido, gerente agronômico da cooperativa sul-mato-grossense. “Há previsão de chuvas mais regulares nos próximos dias. Algumas regiões falam em colheita mais intensa a partir do dia 20 [de janeiro]”, completa Azevedo.
Agricultor de Itambé, no Noroeste do Paraná, Valdir Fries destaca: “Quem já realizou a colheita aqui na microrregião, de um modo geral, tem obtido baixa produtividade, em torno de 20 a 40 sacas por hectare, sendo que a estimativa inicial era 60 a 80 sacas por hectare”.
Em Assis Chateubriand (PR), Valmir Schkalei está nessa situação. Com talhões colhidos entre 20 a 25 sacas por hectare, ele teme que o prejuízo não cubra o valor dos insumos. “A perda chega a 60% em nossa região. Alguns casos 80%. Só acontecem chuvas localizadas que não resolvem”, lamenta. Fries relata uma área de plantio feita no dia 7 de setembro e colhida entre 3 a 5 de janeiro: mesmo com solo bem estruturado, perdas de 30%. Em áreas de menor fertilidade, 65% abaixo da estimativa inicial.
A C.Vale estima média de colheita atual em 33 sacas por hectare. Municípios como Francisco Alves, Terra Roxa, Iporã foram alguns dos mais atingidos, com relatos de 17 sacas por hectare. Do Centro Sul do PR ‘para baixo’ estão as melhores áreas, avalia o analista do Deral. “Apesar de impactos em Ponta Grossa, regiões como Guarapuava, União da Vitória e Curitiba estão com a situação mais controlada”, diz Garrido.
Mato Grosso ainda pode salvar a lavoura
Alguns estados têm a chance de salvar a lavoura brasileira. Maior produtor de grãos do país, Mato Grosso deve manter uma boa média de produção mesmo com perdas por estiagem. O Instituto Mato-Grossense de Economia e Agropecuária (Imea) ainda não produziu relatórios neste ano, mas já é possível avaliar a situação junto a empresas com atuação em várias regiões do estado, como o Grupo Bom Jesus, que já iniciou as colheitas:
“Temos áreas com a produção 8% menor do que o esperado, mas ainda em 55 sacas por hectare. As áreas não tão afetadas passam de 60 sacas” avalia Luis Vigolo, coordenador técnico do grupo, que tem mais de 60 fazendas e 130 mil hectares ‘sob o guarda-chuva’ da empresa.
Municípios mais ao Sul, como Rondonópolis e Alto Garça foram impactados pela seca. “Mas ainda assim o estado deve segurar a média”, avalia Luis Vigolo. A última média do Imea prevista para o MT era de 56 sacas por hectare e produção próxima a 32 milhões de toneladas de soja – similar ao ano anterior.
Terceiro maior produtor de soja do Brasil, o Rio Grande do Sul definitivamente não terá safra excepcional, avalia Alencar Paulo Rugeri, analista de culturas da Emater-RS. “Na largada teve algum replantio pelo volume alto de chuvas, e depois alguma deficiência hídrica, mas sem comprometer o rendimento. Não acendemos o sinal de alerta”, diz.
Havia preocupação com as lavouras do Norte gaúcho, mas o último relatório de dezembro da Emater já destacava que “precipitações ocorridas amenizaram o déficit hídrico” e que se as chuvas persistirem em janeiro as lavouras não serão comprometidas.
As colheitas devem começar no fim de janeiro. “O produtor estava até imaginando duas safras. Mas na verdade, duas safras é menos do que uma safra cheia”, brinca Rugeri. A temperatura e previsão de chuvas no estado gaúcho traz uma situação mais tranquila que no Paraná, que apesar dos problemas no Oeste apresenta mais ao Norte entre 80% e 90% das lavouras em boas condições em municípios como Maringá, Apucarana e Londrina, segundo o Deral.
‘Subindo’ um pouco mais no mapa, no interior de São Paulo, região de abrangência da Coopermota, o desenvolvimento da soja é de bom a ótimo, com previsão de redução de produtividade em algumas áreas, informa a cooperativa.
Agrônomo e gestor da entidade em Maracaí, Rafael Nascimento explica que as primeiras áreas de cultivo passaram por mais de 20 dias sem chuva e agora tem sinais de redução da produtividade. “Esta realidade se aplica a cerca de 10% do total cultivado na região”, diz. Já a soja plantada entre 15 e 20 de outubro está com bom desenvolvimento porque recebeu o volume de chuva esperado.
Em lavouras da Alta Paulista, as reduções devem ser mais sentidas: 40% do total cultivado foi precoce. Na região de Santa Cruz do Rio Pardo, já há colheita devido ao ciclo antecipado de 120 para 90 dias por influência de veranico e calor, explica Estevan de Oliveira Pontes, agrônomo da Coopermota na região. Apesar disso, a cooperativa estima que a média de produtividade seja mantida na área de abrangência da entidade.
Quebra de safra de Norte a Sul do Brasil
Outra região que não vai escapar da quebra de safra é o Matopiba: Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Em Balsas (MA), a seca vai obrigar os produtores a antecipar a colheita que deveria acontecer em fevereiro para o fim de janeiro.
“O sol antecipou a maturação [da planta], e acredito que a estiagem não terminou. Veja: na minha lavoura só choveu entre 10 e 20 milímetros, quando deveria estar em mais de 200 mm. Se na safra passada a colheita a média foi 66 sacas, seguramente pode estimar perda de 30% mesmo que o clima normalize. Já mais para o Sul do estado, eu diria que a quebra chega a 40%”, afirma Jorge Salib, agricultor e ex-presidente do Sindicato Rural de Balsas.
APESAR DA SECA: Conab e IBGE preveem crescimento da produção de grãos acima de 233 milhões de toneladas
A 400 km, a situação não é diferente no Centro Sul do Piauí, onde não chove há 20 dias. “Apenas pancadas em pontos isolados”, afirma Abel Pieta, produtor com 7,2 mil hectares em Currais e presidente do Sindicato Rural de Bom Jesus do Piauí. “É uma estiagem pesada, mais forte que o normal. Em nossa região, podemos estimar 30% de perda. Em todo o Piauí, chega a 20%”, completa. Ele informa ainda situação crítica em Uruçuí.
Abel Pieta dá um exemplo da situação. Em uma de suas áreas, onde foi realizado o plantio precoce de 300 hectares, a perda estimada é de 80%. Em locais com quase tudo perdido, a solução será tirar a soja e plantar milho. “Não compensa deixar”, afirma. A previsão do tempo, segundo ele, também não ajuda a soja:
“É anormal, pois deveria estar chovendo. As previsões [antes do início do plantio] eram boas, mas para os para os próximos 15 dias as previsões são sem chuva, sem frente fria. O que ajuda um pouco é o sol encoberto, que segura a umidade da terra”.
Além do Mato Grosso, o Grupo Bom Jesus possui lavouras em Formosa do Rio Preto, na Bahia. Por lá, contudo, Luis Vigolo não prevê perdas significativas – ainda que a produtividade não bata a safra anterior. “Ano passado ficou em 69 sacas por hectare. Este ano vamos esperar para ver”, afirma Vigolo. A vantagem dessas lavouras é o período de plantio: realizado mais tarde, ou seja, com potencial para o clima melhorar.