Nos últimos dez anos, o volume de soja e milho produzidos no Piauí cresceu 154% e 223%, respectivamente. Enquanto isso, no Brasil, o aumento foi de 69% e 60% para a oleaginosa e o cereal no período. Os números, apurados pela Expedição Safra, mostram o potencial do estado para continuar liderando o avanço das lavouras no Matopiba. No entanto, como nova fronteira agrícola, há muitos desafios a serem vencidos, entre eles a regularização fundiária de terras para a agricultura.
Os produtores da Serra do Quilombo, no Sul do Piauí, sabem muito bem como a insegurança jurídica trazida pela falta de reconhecimento das áreas produtoras atrapalha na expansão do agronegócio no estado. Na Fazenda São Carlos, por exemplo, uma parte das terras foi regularizada, mas a família Kremer, dona da área, reclama da lentidão e do alto custo do processo.
“Mesmo você tendo escritura, georreferenciamento das áreas, Cadastro Rural e outros documentos, tudo regularizado certinho, o governo ainda quer que você pague uma taxa”, queixa-se Ademir Fernandes Kremer. Dos 1.925 hectares que a família gaúcha cultiva na Serra do Quilombo, 1.425 ha são de soja e outros 500 ha, de milho. Neste ano, os cinco veranicos que atingiram a fazenda afetaram a produtividade, mas com apenas 35 ha colhidos a média de produtividade foi de boas 67 sacas/ha.
“Quando viemos para cá, no ano 2000, o governo não dava bola para essa questão. Aí quando a região começou a se desenvolver, cresceu o olho deles. Se já tivessem regularizado, hoje o governo teria muito mais recursos”, observa o gaúcho Ademir Kremer. No caso dele, as propriedades foram compradas com escritura pública reconhecida em cartório. O governo do Piauí, no entanto, diz que esses documentos não têm validade. “Alguns produtores tiveram as matrículas bloqueadas e ingressaram na Justiça para desbloqueá-las”, afirma.
Segundo os produtores, esse tipo de situação os impede de conseguir empréstimos em bancos, financiar maquinário ou mesmo adquirir mais terras para expandir a lavoura. Para piorar, alguns bancos não estão aceitando nem mesmo os documentos de regularização emitidos pelo governo, conforme explica Kremer. “Todo documento de terra no Piauí é questionável. O Estado entende que tudo são terras devolutas [públicas] e essa regularização é para verificar isso”, diz Rafael Maschio, engenheiro agrônomo e diretor executivo da Aprosoja-PI. Segundo ele, os casos de má-fé envolvendo registros de terras existem, mas são exceção.
Alta produtividade
Mesmo com essas dificuldades, o Piauí teve aumento da área plantada na safra deste ano. Atualmente, são 758 mil hectares de lavouras – um crescimento de 6,7% em relação ao ano anterior. De acordo com Maschio, o estado teria capacidade para dobrar a área produtiva. São terras de cerrado e de pecuária degradadas que apenas precisam de investimento e segurança jurídica para se tornarem produtivas.
Na safra passada, o Piauí produziu uma média de 59,5 sc/ha, a maior de sua história. Para este ano, por causa da estiagem, a expectativa é produzir algo em torno de 50 sc/ha. Segundo Maschio, o solo do cerrado é plano, excelente para receber mecanização e produzir em larga escala. Apesar das deficiências de fertilidade, o baixo preço da terra em comparação com outros estados é atrativo, o que compensa o investimento em correção de solo.
Um bom exemplo disso é o que ocorre nas terras do produtor paranaense Wilson Marcolin, nascido em Cascavel e criado em Catanduvas (SC). Ele cultiva 1,5 mil ha de soja e milho em Nova Santa Rosa, distrito de Uruçuí (PI). A expectativa é de uma produção melhor do que a da safra passada, que já tinha sido a melhor dos últimos anos. Marcolin espera produzir em média 60 sacas/ha na soja e 170 sc/ha no milho, com picos de 200 sc/ha. Ano passado a soja rendeu a mesma coisa, mas o milho este ano está 10 sacas acima da safra 2017/2018.
A janela climática foi ideal para os 620 ha de milho, que ocupam quase metade da área produtiva de Marcolin. A soja toma outros 780 ha. Plantado na sequência da oleaginosa, o cereal aproveitou bem o calor e luminosidade maior proporcionados pelo clima do Nordeste. Para completar, o perfil de solo que vem sendo construído há 20 anos pelo produtor mostrou resultado. “Por ser uma região de alta temperatura e períodos de veranico, é preciso ter um bom preparo de solo. Também as novas tecnologias vieram para ajudar a produção, especialmente de genética, com melhores sistemas radiculares”, pontua o produtor.
Marcolin comemora também o bom potencial de venda interna do milho piauiense, que abastece os estados do Ceará e Pernambuco, para a avicultura e o consumo humano. “Nosso mercado, especialmente na época de entressafra, descola da Bolsa de Chicago, valorizando o nosso produto”, explica.
Governo quer agilizar regularização
Apesar de não ter estudos mais qualificados que indiquem com exatidão as terras devolutas do estado, o Instituto de Terras do Piauí (Interpi) estima essas áreas em 7 milhões de hectares. De acordo com o presidente do órgão, Herbert Buenos Aires, que participou do Seminário Expedição Safra 2018/2019 em Bom Jesus (PI), o governo estadual trabalha para garantir que os títulos regularizados sejam à prova de anulação. “Nós precisamos não só regularizar, mas garantir que essas áreas não sejam questionadas judicialmente no futuro”, afirmou.
A prioridade do governo, disse Buenos Aires, é acelerar os trâmites burocráticos para a regularização das áreas. Para isso é preciso, segundo ele, encurtar processos e modernizar a estrutura do próprio Instituto de Terras. “Até 2017, os requerimentos de regularização eram feitos no papel, de forma manual”, revelou. Também faltavam técnicos especializados, como estatísticos, o que impossibilitava ao órgão ter um melhor controle dos pedidos.
Em relação às regularizações onerosas, aquelas pedidas por produtores que não sejam de agricultura familiar, o processo envolvia 19 etapas. Atualmente, segundo o presidente do Interpi, elas foram reduzidas para dez. “Hoje o processo é mais simplificado, mas ainda assim não é o suficiente”, admite. Para ele, é preciso deixar de lado o processo de regularização de forma pontual e investir em uma maneira de fazê-lo no “atacado”, com o auxílio dos municípios. Desde 2015, dos 418 pedidos de regularização protocolados apenas 34% foram concluídos, e nem todos foram concedidos.