Quem vai à praia antes das 11h da manhã usando protetor solar, guarda-sol e óculos escuros não sofre com o calor de 30º nem volta para casa com queimaduras, certo?
Nas primeiras lavouras de verão do Mato Grosso, colhidas no mês de janeiro, algo parecido aconteceu com as plantas. Um solo rico em matéria orgânica e palhada funcionou como um dos melhores protetores solares do mercado, evitando a desidratação pelo sol escaldante. Por outro lado, a aplicação de micronutrientes junto com o plantio de sementes de alta tecnologia deu à soja uma força extra para enfrentar os veranicos e reter altos índices de produtividade. E, por fim, o plantio escalonado evitou que todos os talhões das lavouras ficassem igualmente expostos à adversidade climática – no caso, um período de quase duas semanas de seca no mês de dezembro.
Enquanto a média de produtividade do Mato Grosso gira em torno 57 sacas por hectare (safra 2017/2018), conforme levantamento do Instituto Matogrossense de Economia Agropecuária (IMEA), alguns produtores do ciclo atual que não economizaram com tecnologia de sementes e manejo do solo estão alcançando índices acima de 70 sacas/ha.
“O Mato Grosso tem um regime de chuvas que é mais pontual em alguns lugares, mas a média de chuvas deste ano está abaixo da média histórica nas principais regiões produtoras do estado. E esse impacto a gente sentiu na safra, uns produtores sentiram mais e outros menos”, explica Cleiton Gauer, gestor técnico do IMEA. O que fez a diferença para driblar as dificuldades climáticas, diz Gauer, foram as tecnologias de manejo e fertilização.
Um exemplo disso é o lote experimental de 500 hectares na fazenda do produtor Emerson Zancanaro, em Nova Mutum, região central do Mato Grosso, onde ele testou algumas dessas tecnologias, conseguindo produzir 73 sacas por hectare, mesmo com a estiagem que afetou o crescimento da soja de ciclo mais curto. O segredo foi uma adubação especial, com aplicação de micronutrientes e outros produtos diferenciados durante a etapa de plantio. Enquanto isso, o restante da propriedade, que tem 1,7 mil ha de soja plantada, deve produzir uma média de 65 sacas/ha.
Biotecnologia
Zancanaro, catarinense de Chapecó e cuja família foi uma das colonizadoras de Nova Mutum, conta que utiliza a biotecnologia contra insetos e sementes resistentes a lagarta. “Estamos tentando evitar ao máximo possível os inseticidas convencionais. Num horizonte de médio e longo prazo, vamos ter diminuição considerável dos agroquímicos. Hoje, a quantidade de pesquisa em biotecnologia é muito grande e a tecnologia de aplicação das máquinas é diferenciada. Há pouca deriva para o meio ambiente e os componentes se degradam mais rápido em comparação com os defensivos mais antigos”, diz Zancanaro.
Para os produtores, a capacidade operacional proporcionada pela atualização tecnológica dos maquinários proporcionou o plantio, no menor tempo possível, de variedades com ciclos distintos. “Você consegue programar: em vinte dias quero colher 500 hectares, nos outros vinte mais 500 e em outros vinte mais 500. Diferentemente do que se fazia antigamente, em que se tinha variedades com o mesmo ciclo, daí você plantava e não dava conta de colher. Hoje isso mudou muito”, observa Zancanaro.
Para o produtor Sérgio Stefanelo, que cultiva 6 mil hectares de soja em Campo Novo do Parecis, região central do MT, e 2 mil ha de girassol e outros 2 mil ha de milho pipoca na segunda safra, a tecnologia empregada ajudou a criar condições ideais para o plantio extensivo, vencendo as dificuldades apresentadas pelos solos produtivos do Mato Grosso, que são quimicamente e biologicamente pobres para uma produção em grande escala, segundo ele.
Brincadeira
“As condições químicas e biológicas melhoraram muito nos últimos anos, aliadas ao uso de máquinas extremamente eficientes e rápidas. Isso fez com que conseguíssemos plantar e colher muito rapidamente”, diz. Além disso, a tecnologia das sementes produz plantas de desenvolvimento precoce, que transformaram o cultivo em uma “brincadeira”, nas palavras de Stefanelo, que produz há 35 anos em Campo Novo do Parecis, sendo o pioneiro da cultura de girassol no país. Enquanto a média de produtividade da região é de 55 sacas/ha na soja, as lavouras dele chegam a 63 sacas/ha.
Um dos desafios dos produtores em relação à preparação do solo é vencer os nematoides, que são parasitas de solo com capacidade de se fixar na raiz, onde se reproduzem e infestam a planta, podendo matá-la. Além de sugar nutrientes, causam distúrbios fisiológicos e são uma das pragas mais difíceis de se controlar. A melhor maneira de combatê-los é com o bom manejo do terreno, especialmente com a rotação de culturas. Hoje em dia, as variações de sementes resistentes à praga estão ajudando também a elevar os índices de produtividade.
Colheita antecipada
Na Fazenda Bahia – uma das cinco propriedades do Grupo Polato, em Pedra Preta, região sul do Mato Grosso, que cultiva no total 14 mil ha de soja e 2 mil ha de algodão na primeira safra – a média de produtividade da safra 2018/2019 tem sido de 72 sacas/ha. A maior parte da safra já foi colhida. Restam só 600 ha dos 3,7 mil plantados na fazenda. A produção deste ano é maior do que a do ano passado, que foi de 70 sacas/ha, mesmo com a estiagem que afetou alguns talhões plantados em dezembro de 2018, mês em que a temperatura média foi 1°C acima do normal para a época, de acordo com o agrônomo Bento Ferreira, responsável pela unidade. O investimento em biotecnologia e a otimização dos recursos e maquinário foram os responsáveis pela boa produtividade.
A fazenda, que produz sementes há 30 anos, é altamente tecnificada, com dois pavilhões refrigerados a 13°C para o armazenamento de sementes. Em um lote de 600 hectares, a experiência com uma variedade de soja alcançou índices de 82 sacas/ha. “A cada ano, novas tecnologias vão surgindo e você tem que acompanhar. Mas é preciso ter pessoal treinado e equipamentos para aproveitar todo o potencial que as variedades de sementes proporcionam, para conseguir fazer todas as atividades na hora certa”, diz o agrônomo.
Ele explica que o conhecimento sobre o terreno, acumulado ao longo dos anos, é fundamental para se obter bons resultados. Solos bem manejados são mais resistentes à estiagem, por exemplo. No caso da Fazenda Bahia, o terreno vem sendo trabalhado desde 1989 e hoje a área de plantio tem fertilização artificial, porém bastante corrigida, o que propicia uma alta produtividade. Um diferencial que é também explorado pelo produtor Antonio Brolio, de Campo Novo do Parecis.
Na fazenda dele, os 2.860 hectares de soja também sofreram com o veranico de 12 dias no final do ano passado, mas as boas condições do solo, mesmo com o estresse hídrico, devem fazer a colheita render próximo a 67 sacas/ha. A média dos dois últimos anos na propriedade foi de 69 sacas/ha. Ali também são plantados milho, girassol e feijão e a alternância das culturas é fundamental para renovar o solo, conforme explica Brolio, um sul-matogrossense que está em Campo Novo do Parecis desde 1974, quando a família chegou na região com o desafio de desbravar aquelas áreas.
“A gente cuida muito com a questão dos nematoides. Usa muita palhada, o que possibilita melhorar a matéria orgânica. E faço a descompactação do solo com raiz de girassol e braquiária, não com máquina, o que ajuda a produzir mais”, afirma Brolio, que também é presidente do Sindicato Rural de Santo Antônio do Parecis. A técnica, diz ele, faz com que não seja necessário jogar tanto potássio na terra, gerando economia.
A grande maioria dos produtores também trabalha com o escalonamento da produção, plantando variedades de ciclos curtos e longos e plantando em etapas, para colher em épocas sequenciadas. Isso evita expor-se à loteria de ter condições climáticas favoráveis para o crescimento das plantas apenas num único período. “Se você tentar concentrar toda a colheita em janeiro, por exemplo, você corre mais riscos em anos chuvosos no Mato Grosso, o que pode trazer impactos negativos”, observa Cleiton Gauer, do IMEA.
Além de evitar o risco de perder áreas inteiras, a técnica ajuda a trabalhar melhor o ciclo de cultivares e o manejo adequado do solo. Mas, de acordo com Gauer, depende também dos mercados com os quais o produtor trabalha e do tamanho da área de plantio. A colheita de primeira safra no Mato Grosso, que começou no final de janeiro, deve se estender até o final de março.