A agricultura brasileira é extremamente inovadora e produtiva, sem deixar nada a desejar para outros países. O problema é que isso ocorre em apenas algumas culturas de larga escala, como soja, milho, algodão e na pecuária, maquiando os maus resultados de outros setores. A opinião é do secretário de Inovação do Ministério da Agricultura (Mapa), Fernando Camargo, que participou nesta terça-feira (11) do 1º Fórum Regional de Inovação Agropecuária, promovido pelo Mapa, que ocorreu em Carambeí, na região dos Campos Gerais do Paraná. O fórum antecedeu a abertura da Digital Agro 2019, uma das principais feiras de tecnologia digital voltadas ao agronegócio que vai até 13 de junho.
Uma das ferramentas que o Brasil precisa desenvolver para acelerar o que Camargo chama de terceira revolução do agronegócio é um ambiente adequado para fomentar o desenvolvimento de tecnologias e ideias inovadoras, hoje basicamente concentradas em universidades, centros de pesquisas e startups que podem promover a melhoria das produtividades em todos os setores do agro brasileiro e tornar o país um exportador de tecnologias, e não apenas um exportador de commodities agrícolas.
“Estamos pessimamente colocados nos rankings de países com maior facilidade para se fazer negócios. Primeiramente, o governo tem que desregulamentar, desburocratizar. A primeira ajuda que ele pode fazer é deixar de atrapalhar”
Fernando Camargo, secretário de Inovação do Ministério da Agricultura
A segunda maneira é incentivando o fomento da inovação, com o favorecimento de ambientes para a criação de startups, fornecer linhas de crédito para empresas inovadoaes e promover eventos em que os atores do setor se encontrem e pensem juntos sobre o tema inovação, afirma Camargo.
Ao todo, o Mapa planeja realizar cerca de 40 fóruns regionais para depois, em 2020, juntar as ideias e conhecimentos apreendidos no Fórum Nacional de Inovação Agropecuária.
Outro projeto que o ministério guarda na manga é a criação de polos regionais de inovação, que serão formados em cidades com infraestrutura voltada para o agro, com a presença de universidades públicas, centros de pesquisa, grandes empresas do setor e com a participação as estruturas municipais e estaduais, o que deve incluir espaços de co-working com foco nas startups ou agritechs. O objetivo é fomentar a vocação que já existe em cada região.
O primeiro polo anunciado pela ministra Tereza Cristina foi Londrina (PR), que segundo o ministério reúne condições para inovação do agronegócio brasileiro. O Paraná deve ter ainda uma segunda cidade-polo.
É preciso desburocratizar e facilitar a inovação
“A gente faz o nosso papel desburocratizando as normas do Ministério da Agricultura, mas quando a gente fala nacionalmente de ambiência de negócios a gente fala de Ministério da Economia. Existem uma série de ações que estão sendo desenvolvidas que provavelmente vão ser anunciadas após a aprovação da reforma da Previdência. Hoje a gente precisa primeiramente superar esse desafio, que é uma condição necessária para fazermos a retomada do crescimento econômico”, afirma Fernando Camargo.
Um desses desafios seria aprofundar o marco legal de inovação, ferramenta que destravaria iniciativas no setor.
Camargo diz que o Brasil precisa correr atrás para recuperar o campo perdido em setor como o de cacau, onde o país era o maior produtor mundial e hoje caiu para sexto.
“Para fazer isso primeiro precisamos mapear a ineficiência e depois aportar recursos e expertise. Existem dois tipos de ineficiência, a da porteira para dentro e a da porteira para fora. A primeira é que demanda assistência técnica, extensão rural, novos cultivares, agricultura digital, conectividade no campo. A outra é a necessidade de portos, estradas, ferrovias e aí o Brasil também tem um grande desafio”, observa.
As criações e ideias que surgirão a partir das startups – e com soluções tecnológicas que podem aumentar a produtividade ou melhorar a eficiência no campo, reduzindo custos – são imprevisíveis, conforme explica o secretário de Inovação do Mapa.
“Quando a gente fala em inovação, se a caracterizarmos já estamos perdendo, porque inovação é, por si só, disruptiva. Então, a startup que virá amanhã, o unicórnio que irá se viabilizar, é justamente aquela que a gente nem tem noção do que pode acontecer. Se soubermos caracterizar, ela deixará de ser inovadora. A função da startup é pensar algo que nunca tínhamos imaginado”, define Camargo.
Fernando Camargo, secretário da Inovação do Ministério da Agricultura
Segundo o secretário, o Brasil precisa acelerar a terceira revolução do campo. A primeira ocorreu ainda nos anos 1970, com o surgimento do plantio direto na região de Carambeí, que modificou completamente a forma de fazer agricultura. A segunda, nas décadas de 1980 e 1990, surgiu com o advento da segunda e terceira safra.
“A grande revolução de agora é a agricultura digital. Estamos falando de drones, de biotecnologia, de modificação genética sofisticada. O trigo, por exemplo, sempre foi uma cultura de clima temperado, frio. Hoje existe um forte indicativo de que o cereal vai chegar no Cerrado e que o Brasil vai se tornar autossuficiente em trigo daqui a alguns anos”, observa. Para ele, a revolução da agricultura tecnológica mostra que o país está no limiar de uma mudança de paradigma no campo.
Um exemplo disso é a Holanda, país 245 vezes menor em termos de território que os EUA e que consegue obter produtividades de alto nível. Então temos tudo para fazer essa revolução.
Bert Rikken, conselheiro agrícola da Embaixada do Reino dos Países Baixos e que foi um dos painelistas do fórum, apresentou um esboço de como o país revolucionou a sua produção agropecuária após a década de 1970.
"O sucesso está em implementar o pacote completo. A Holanda é bem-sucedida porque somos inovadores, desenvolvemos tecnologias apropriadas e criamos infraestrutura. Mas não é só isso, tem que ver o que fazemos com isso, como uma boa prestação de serviços, sem burocracia, com competitividade e um ambiente propício para negócios".
Bert Rikken, conselheiro agrícola da Embaixada dos Países Baixos
Já o diretor de Operações do Sebrae/PR, Julio Cezar Agostini, mostrou um estudo de um projeto de ecossistema de inovação que está sendo implantado em Ponta Grossa e região que engloba 50 startups e 250 empresas consideradas inovadoras.
O estudo, uma parceria do Sebrae/PR e Prefeitura de Ponta Grossa, foi concluído no final e 2017 e identificou o perfil e o potencial de inovação presentes na região, desde empresas até universidades que poderiam gerar ações nesse sentido. Identificou que um dos setores com maior capacidade de alavancar o desenvolvimento territorial pela inovação foi o agronegócio.
Setores foram mapeados, estudados e diagnosticados, tanto dos talentos, do nível de governança e dos clusters industriais quanto o nível das políticas públicas, do empreendedorismo, do aporte de capital e as empresas de tecnologia do setor privado.
Julio Cezar Agostini, diretor de operações do Sebrae/PR
Posteriormente foi criado um plano de ação com metas de curto, médio e longo prazo. Além disso, foi criado um conselho de inovação em nível municipal e há um projeto concluído para um centro de inovação que irá abrigar desde os projetos de ideação, geração de empreendimentos, até educação e treinamento e administração.
Emerson Moura, CEO da Frísia Cooperativa Agroindustrial, lembra que é preciso aos agentes de inovação conhecer de perto os problemas dos agricultores no campo e perceber que a solução que ele está imaginando seja aplicável ao campo. “Se não, nada serve uma nova ideia. Ela ter que ser aplicável, simples e barata, caso contrário não será assimilada pelo produtor rural”.
Ele diz que as principais demandas dos produtores hoje são: ter acesso a informação; fazer a gestão financeira e de pessoas das propriedades; lidar com a sucessão familiar na era digital; incrementar o aumento de produtividade sem expansão de área; e ajuda para lidar com o excesso de informação sobre novas tecnologias, que acaba confundindo o produtor.
Fugindo do “vale da morte”
O pró-reitor de Relações Empresariais e Comunitárias da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Douglas Renaux, por sua vez, explicou os motivos de o Brasil não avançar na criação de ambientes competitivos. Ele mostrou uma escala de nível de maturidade tecnológica dos países, que consiste em 9 níveis, desde a etapa de pesquisa básica (níveis 1 e 2) até a etapa em que o produto está pronto para ganhar o mercado (9).
“Quem trabalha com os níveis iniciais, de invenção, são as universidades com apoio de instituições governamentais. Quem trabalha com os níveis 7, 8 e 9 é o setor privado. E no meio do caminho existe um buraco, chamado de ‘vale da morte’. Se a gente não conseguir passar por esse vale não adianta ter ideias maravilhosas porque elas não vão chegar ao mercado. E as nossas invenções não se transformam em inovações.”
Para transpor o tal “vale da morte”, segundo Renaux, é preciso ter programas específicos para isso, como os da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), que apoia atividades inovadoras com recursos para que as atividades dos níveis 3, 4 e 5 (intermediários) sejam executadas.
“A Embrapii tem laboratórios, com o apoio da Fiep, em que consegue dar apoio às startups para conseguirem passar pelo ‘vale da morte’. Precisamos de muito mais exemplos como esse. As startups são o caminho para cobrir esse vale, apoiadas por um processo de pré-incubação, incubação e aceleração, desde que tenhamos um ambiente propício para isso e fomento apropriado”, afirma.
Nos primeiros níveis, o poder público geralmente é o responsável pelos recursos, diz o pró-reitor da UTFPR. No segundo, a Embrapii e outros mecanismos como o BNDES fazem o aporte financeiro. Na etapa final do processo o dinheiro vem de investidores anjo e dos bancos.
E por falar em recursos públicos, o fomento à inovação por enquanto vai ter de se contentar apenas com o apoio moral. “O Brasil quebrou. Temos que primeiro fazer a reforma da Previdência. Precisamos ter engenho e arte para fazer as coisas nesse momento. Não temos dinheiro para isso”, declarou Fernando Camargo.
Bert Rikken enxerga outros problemas no país, com o mercado extremamente fechado para se fazer negócios por aqui. “Muitas empresas internacionais que têm sede na Holanda e que estão também no Brasil estão funcionando aqui em um nível muito baixo. Estão esperando o momento em que o Brasil abrirá o seu mercado. Como se quer importar máquinas e inovação com altas taxas e burocracia? É muito difícil”, queixa-se.
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