Com o aperto na renda, muitos produtores rurais e grupos ligados ao agronegócio estão encontrando uma saída drástica para quitar suas dívidas: vender ou arrendar a terra. Outra alternativa é pedir recuperação judicial para suspender o pagamento de pendências. Segundo Pedro Fernandes, diretor de Agronegócios do Itaú BBA, há uma “onda” de recuperações judiciais e “propriedades estão indo a leilão a preços muito inferiores aos avaliados.”
Nos últimos dois anos, a recuperação judicial do produtor de soja pessoa física aumentou entre 25% e 30%, conforme explica Patrícia Silva, gerente jurídica da Associação Brasileira Indústrias Óleos Vegetais (Abiove). Associados da entidade, que reúne as processadoras de soja, decidiram cortar em 50% o crédito para a próxima safra por temerem o avanço do calote. As tradings da Abiove financiam um terço da produção de soja.
O diretor da Associação dos Produtores de Soja e Milho (Aprosoja) do Mato Grosso, Lucas Costa Beber, admite que “o momento é bem delicado”. Segundo ele, o descompasso que há entre a queda do preço da soja e a alta dos custos reduz a rentabilidade e amplia o endividamento e o calote.
Ele conta que é forte o movimento de produtores tradicionais do Estado arrendando ou vendendo parte das terras. “Às vezes o produtor está tão endividado que não consegue crédito, daí vende um pedaço da terra para pagar dívida ou arrenda para poder sobreviver.”
Dados do Banco Central mostram que a inadimplência dos produtores com financiamento não pagos há mais de 90 dias para nove atividades somou R$ 3,4 bilhões ou 1,34% dos R$ 254 bilhões concedidos pelo sistema financeiro em 2018. Os produtores de leite responderam pela maior fatia (15%) da dívida. Entre os grãos, os sojicultores são os mais inadimplentes.
O superintendente da CNA, Bruno Lucchi, acredita que a inadimplência pode ser bem pior para os produtores de soja. É que eles usam muito crédito das tradings e das revendas de insumos e não há dados sobre esses canais de financiamento.
Em 2018, a ASV Consultoria passou a atuar na área de intermediação entre produtores e fundos de investimentos interessados na compra de imóveis rurais. Naquele período, fez cinco contratos com produtores que queriam vender ou arrendar fazendas. Neste ano, conta a sócia Silvia Mara Cavalcante, já tem 30 contratos. “Há casos em que o dono quer vender a terra com a condição de que o comprador arrende para ele mesmo” diz ela, acrescentando que a maioria dos interessados na compra são chineses”.
'Quero esquecer o ano que passou'
Frustrado com a perda de renda da última colheita de soja que foi afetada pela seca, Moacir Fala, de São Jorge do Ivaí, no Noroeste do Paraná, está cauteloso para o plantio da próxima safra, que será no final de setembro. Ele vai adubar menos o solo, não vai expandir a área plantada e pretende demorar mais tempo para trocar as máquinas. “Na última safra tive a pior receita com soja dos últimos dez anos”, reclama o produtor. Sua lavoura foi castigada pela falta de chuvas exatamente no período de desenvolvimento do grão, quando a água é muito importante.
Na última safra de soja, colhida em março, Fala tirou, em média, 100 sacas (de 60 quilos) por alqueire. Como o custo operacional para produção foi equivalente a 70 sacas por alqueire, o ganho veio de apenas 30 sacas. “É pouca coisa”, lamenta.
O produtor, que cultiva 19 alqueires e é considerado de pequeno porte para a região, colheu nos últimos anos uma média de 170 sacas de soja por alqueire. Depois de quitar as despesas, normalmente sobravam 100 sacas, mas no último ano foram apenas 30.
Além disso, o preço do grão despencou. Na sua região, a saca da soja de 60 quilos chegou a ser cotada a R$ 69. Em anos anteriores, o preço girou em torno de R$ 75 a saca. “A safra passada para mim foi de prejuízo, foi muito ruim, foi só para pagar as contas mesmo”, afirma o produtor. Após quitar o financiamento com o banco, o produtor calcula que não vai sobrar nada para investir. “Vou trabalhar para a próxima safra com o que tenho.”
Fala já fez as compras de insumos na cooperativa e reduziu o volume de adubo por causa do preço, que subiu entre de 15% a 20% em relação ao ano passado. No plantio da última safra, ele usou, em média, 700 quilos de adubo por alqueire. Neste ano pretende aplicar 100 quilos a menos por alqueire. “Não vai fazer diferença porque a soja não tirou todos os nutrientes e o solo tem um pouquinho de reserva”, afirma o produtos. Já com outros insumos, como sementes e herbicidas, por exemplo, ele diz que não tem como reduzir o uso sem afetar a produtividade.
Receita com grãos deve recuar este ano
Apesar das estimativas apontarem que o país pode ter neste ano a maior safra de grãos da história, a receita dos produtores deve encolher. Depois de ter crescido quase 20% em 2018, embalada pelas exportações para a China, a renda nominal agrícola deve ter queda de 0,16%, segundo projeções de analistas. Ainda que pequena, a mudança de trajetória é simbólica. Se confirmada, será o primeiro recuo desde 2010.
Na quinta-feira, 11, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) anunciou que a safra de grãos 2018/2019 deve atingir 240,7 milhões de toneladas, superando o recorde anterior de 237,6 milhões de toneladas da safra 2016/2017.
Produtores alegam que operam com margens apertadas, especialmente por causa do tabelamento do frete, da alta do câmbio e da queda dos preços internacionais dos grãos.
Entre algodão, arroz, feijão, milho, soja e trigo, a renda agrícola deve somar R$ 244,9 bilhões este ano, segundo projeções da consultoria MacroSector. “Houve queda de preços no mercado internacional, sobretudo da soja, e a economia global está enfraquecendo”, afirma Fabio Silveira, sócio da MacroSector, que calculou a renda do setor. Descontada a inflação, a perda de renda será ainda maior que a prevista até agora, diz ele.
A soja responde por mais da metade da receita de grãos e é um dos pilares da balança comercial do país. A produção deste ano já foi 4,5% inferior a de 2018, segundo o IBGE. Diante desse cenário, os produtores estão inseguros em relação aos preparativos para o plantio da próxima safra no Centro-Sul, a partir de setembro. “A situação é bem desconfortável e o produtor de soja vai trabalhar no fio da navalha este ano”, afirma Ilson José Redivo, presidente do Sindicato Rural de Sinop (MT), que representa 350 agricultores.
O preço da soja está abaixo do patamar histórico e, com a recente valorização do real, deve cair ainda mais. Após todos os descontos, o produtor de Sinop, por exemplo, recebe entre R$ 62 e R$ 63 por saca. Essa cifra praticamente empata com o custo de produção. Tiago Stefanello Nogueira, presidente do Sindicato Rural de Sorriso (MT), diz que os insumos para a produção da próxima safra subiram entre 10% e 15% em relação a 2018.
A produtividade da soja também pode ser menor. O produtor e distribuidor de sementes do Mato Grosso, Carlos Ernesto Augustin diz que agricultores estão adquirindo o produto mais barato, sem tratamento, menos resistente e menos produtivo. O fertilizante foi o item que mais encareceu. “Há regiões onde o preço aumentou entre 25% e 30%”, diz Bruno Lucchi, superintendente técnico da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA).
Além da alta do câmbio no primeiro semestre, que afetou diretamente o preço do adubo que usa micronutrientes importados, Lucchi destaca o impacto do tabelamento do frete. “A tabela do frete é uma bomba relógio: ela é atualizada pela inflação e gera inflação.”
Guerra comercial
Embora tenha sido amenizada nos últimos dias, Augustin afirma que a insegurança no campo também ocorre em razão da guerra comercial entre EUA e China. “Há uma pressão grande e o produtor tem medo de plantar e sobrar produto”, diz. “Ninguém vai deixar de plantar, mas fará isso com cautela e da forma mais barata possível”.
O sócio da MBAgro, José Carlos Hausknecht, ressalta que a guerra comercial beneficia o país num primeiro momento, à medida em que os chineses pagam prêmios pela soja brasileira. O problema, afirma, é que a China reduziu o consumo em razão da peste suína africana.
Para Guilherme Bellotti, analista sênior de Agronegócios do Itaú BBA, produtores brasileiros ficaram muito dependentes da China, considerada por ele um “parceiro instável por ter capacidade de mexer com as expectativas e reduzir preços”. Ele estima que este ano o país deve exportar 70 milhões de toneladas, ante 84 milhões em 2018, sendo 80% para a China.
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