Lula diz que aumento no preço dos ovos é culpa de “pilantra” ou “ladrão”. Mas volatilidade é resultado de uma conjuntura mais complexa.| Foto: Luiz Agner/IBGE
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Atual vilão da inflação de alimentos, o preço dos ovos virou alvo frequente de críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que em suas declarações tem feito recair a responsabilidade pela alta sobre produtores e agentes do setor.

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“Não tem explicação o ovo estar caro, alguém está passando a mão. Esse é o dado concreto, e nós queremos saber quem é”, disse Lula na semana passada.

Em um evento na cidade de Sorocaba (SP), o presidente atribuiu a inflação a um “pilantra” ou um “ladrão que passou a mão no direito do povo brasileiro de comer ovo”. “Nós estamos com um problema de alimento, que vocês já sabem que tem. O ovo está caro. Até hoje eu não encontrei uma explicação do porquê o ovo está caro”, disse. “Queremos encontrar quem é o pilantra que aumentou o ovo tanto.”

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“Eu estou querendo descobrir onde é que teve um ladrão que passou a mão no direito do povo brasileiro de comer ovo. O povo brasileiro come, em média, 260 ovos por ano. É pouco, não dá nem um por dia”, pontuou Lula, citando que a produção deste ano será de 59 bilhões de ovos.

Dias antes, o presidente disse que o governo poderá tomar “medidas mais drásticas” para baratear os preços dos alimentos, caso medidas como a alíquota zero de importação para uma série de itens não surtam efeito.

A volatilidade, no entanto, é resultado de uma conjuntura mais complexa, que deriva da ação do livre mercado.

Em fevereiro, o preço médio da caixa com 30 dúzias de ovos brancos do tipo extra, na Grande Belo Horizonte, importante polo produtor, chegou a R$ 252,68, maior valor da série histórica do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Universidade de São Paulo (USP).

Em setembro do ano passado, o mesmo produto, da mesma região, foi comercializado pelo valor médio de R$ 123,94, o que significa um aumento de 103,9% em cinco meses.

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Historicamente, os preços dos ovos tendem a subir no período de Quaresma, quando aumenta o consumo da proteína em razão da tradição católica de abstinência do consumo de carne.

“Esse comportamento se repete neste ano”, diz Claudia Scarpelin, pesquisadora de ovos do Cepea. “Porém, podemos elencar alguns fatores que intensificaram essa valorização mais expressiva entre janeiro e fevereiro deste ano”, acrescenta.

O principal deles é o aumento nos preços dos principais insumos utilizados na produção do setor, que são o milho e o farelo de soja. Além disso, houve um aumento da disponibilidade de ovos no ano passado, o que fez os preços recuarem por seis meses consecutivos, comprometendo a rentabilidade dos produtores.

Outros custos envolvidos, como de embalagem, também influenciaram, segundo ela. Houve ainda redução da disponibilidade do produto em decorrência do descarte de poedeiras mais velhas e o impacto de ondas sucessivas de calor, que tendem a reduzir a produção de ovos. Com uma menor oferta, foi possível repassar os reajustes de forma mais intensa para as cotações.

“Há aumento no preço do ovo neste período do ano historicamente desde 2013, mas todo esse cenário contribuiu para que a gente tivesse essa valorização mais acentuada neste ano”, explica Claudia.

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Outro movimento no setor diz respeito ao comércio exterior, embora o impacto seja menos relevante. Em fevereiro de 2025, o volume de exportação de ovos saltou 57,5% em relação ao mesmo período do ano passado, de acordo com dados da Secretaria de Comércio Exterior, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). 

Somente os Estados Unidos ampliaram as compras do produto brasileiro em 93,4%, em razão de um surto de gripe aviária, que reduziu a oferta interna. 

As remessas ao exterior, no entanto, representam menos de 1% do que é produzido no Brasil, de modo que a pesquisadora considera cedo para afirmar que esse aumento tenha impacto nos valores negociados no mercado brasileiro.

O comportamento dos preços para os próximos meses dependerá do equilíbrio da oferta e da demanda interna. “Após a Quaresma, é comum que o consumo de ovos se estabilize. Com essa demanda mais ajustada, esses preços podem se manter mais estáveis ou até recuar”, diz Claudia.

“Mesmo diante de uma oferta mais restrita, a pressão provocada por todo esse protagonismo que o ovo tem ganhado na mídia já tem forçado os produtores a baixar um pouco os preços”, conta a pesquisadora.

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