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Colheita de soja da safra 2018/19 em propriedade de Pato Branco, no Paraná: Lula deve turbinar Plano Safra em esforço para “superar” Bolsonaro.
Colheita de soja da safra 2018/19 em propriedade de Pato Branco, no Paraná: Lula deve turbinar Plano Safra em esforço para “superar” Bolsonaro.| Foto: Michel Willian/Arquivo/Gazeta do Povo

Às vésperas do anúncio do Plano Safra 2023/24, marcado para 27 de junho, a única “certeza” dos agropecuaristas é que o presidente Lula (PT) vai anunciar um número grande, maior do que os recursos disponibilizados no último ano do mandato de Jair Bolsonaro (PL), para em seguida dizer que “nunca antes na história deste país um governo apoiou tanto o agro”.

O provável aumento de recursos para equalizar os juros dos empréstimos aos produtores não envolve apenas um gesto político do governo em busca de simpatia do setor e dos 300 votos da bancada do agro na Câmara. É o próprio cenário econômico de curto-médio prazo que cria condições para aumentar a aposta no agronegócio, que foi a principal alavanca do PIB do primeiro trimestre ao crescer 21,4% sobre os três últimos meses de 2022.

Na prática, tudo gira em torno da taxa de juros. E ainda que o Banco Central não tenha sinalizado claramente uma desaceleração, o mercado vê tendência de uma curva descendente dos atuais 13,75% ao ano. Além disso, com dólar mais baixo, inflação contida e Bolsa em viés de alta, a leitura é de que o governo poderá equalizar os juros para mais gente usando o mesmo volume de dinheiro. A equalização é a diferença que o Tesouro paga entre a taxa do crédito rural e a taxa de mercado.

Plano Safra poderá render mais conforme cenário de juros

“O cálculo é simples. O governo chega para os bancos e diz para captarem dinheiro da poupança, daquele mix de crédito. E do que você emprestar aos produtores, eu pago tanto [dos juros]. Se a taxa de juros da economia cair, como está sinalizado, na hora que o banco for captar esse dinheiro, vai pagar menos. Então, com a mesma quantidade de equalização o governo alcança mais pessoas. Ou ele pode aumentar a equalização e diminuir a taxa de juros aos produtores ainda mais. Tem que ver quanto o governo quer realmente, do ponto de vista político, incentivar mais o agro ou não”, afirma Luiz Cláudio Caffagni, consultor financeiro no agronegócio.

Em 2021, a União gastou R$ 22 bilhões em subsídios financeiros, ou seja, juros mais baratos para empréstimos, em diversos setores da economia. Desses, apenas R$ 6 bilhões foram para equalizar juros dos agricultores. No ciclo 2022/23, a média dos juros do Plano Safra foi de 8,8%. “Se você baixar para 7,5%, que é uma queda expressiva, vai precisar algo em torno de R$ 6,5 bilhões para fazer a equalização. Ou seja, não precisa alocar muito dinheiro para baixar a taxa”, destaca Caffagni.

“O governo vive hoje uma situação em que pode ser mais ousado sim, aumentar a quantidade de subsídios e até diminuir um pouco a taxa de juros. A gente vê o DI Futuro (contrato na Bolsa) caindo, a Bolsa subindo, o mercado inteiro está acreditando na economia. O vento está a favor. Então, é matemático. Se vou captar um pouco mais barato, posso emprestar mais barato”, afirma.

Equalizar juros seria política de Estado, e não favor

Se aumentar significativamente os juros equalizados para os agricultores, Lula não estará fazendo “um favor” ao agronegócio, ainda que naturalmente deva tentar capitalizar em cima disso.

“Isso é obrigação do governo, é política de Estado, que ajuda o Brasil a ter competitividade e protagonismo na produção de alimentos e na produção agroindustrial. Não existe produção agrícola no Brasil sem Plano Safra. Nossa produção está entre as menos subsidiadas do mundo, precisamos ter essa condição de competitividade”, diz o deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).

Lupion enfatiza que em certos assuntos “cabeludos”, como MST e uso de defensivos, há muitas discordâncias ideológicas de difícil entendimento com o governo petista. Em relação ao financiamento da safra, contudo, os governos do PT no passado teriam feito planos positivos. “Vamos torcer para que continuem fazendo”, sublinha.

Neste próximo ciclo, a intenção do Ministério da Agricultura é criar juros diferenciados para premiar produtores que adotam práticas sustentáveis. A equipe do ministro Carlos Fávaro propõe um desconto de até três pontos porcentuais na taxa padrão, enquanto o Ministério da Fazenda concorda em oferecer metade disso.

“Essa ideia ambiental, de sustentabilidade, para nós é música aos ouvidos, porque já cumprimos tudo isso. Já temos plantio direto, boas práticas, Áreas de Preservação Permanente, Cadastro Ambiental Rural, Reserva Legal. Se o governo conseguir buscar recursos para equalizar ainda mais os juros para os produtores que adotam boas práticas, será extremamente positivo”, sustenta Lupion.

Dos recursos necessários para financiar a safra brasileira de grãos, estimados em R$ 700 bilhões, cerca de um terço vem do sistema bancário e, dentro dessa fração, um terço é contemplado com taxas de juros equalizadas pelo Plano Safra. O comparativo com principais concorrentes do país afasta qualquer discurso de favorecimento indevido aos agricultores brasileiros.

Estrutura de armazenagem de grãos na região do Matopiba, entre o Centro-Oeste e o Nordeste do país
Estrutura de armazenagem de grãos na região do Matopiba, entre o Centro-Oeste e o Nordeste do país| Rogerio Machado / Arquivo Gazeta do Povo

União Europeia subsidia agricultura 15 vezes mais

Levantamento do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Esalq/USP), mostra que a participação do Suporte Direto ao Produtor Rural (PSE) do governo correspondeu a 1,35% da receita bruta agropecuária (RBA) no período entre 2015 e 2020. Em comparação, na União Europeia essa relação foi de 19,33% no mesmo período; na China, de 12,17%; nos Estados Unidos; 11,03%; e, na Rússia, 6,68%.

“Em geral, o orçamento dessas economias para criar subsídios é maior do que o nosso porque eles têm mais renda, são mais ricos. Chama atenção que, mesmo com uma cobertura menor e operando em condições menos favoráveis, o produtor aprendeu a tocar o barco nessas condições adversas”, diz Felippe Serigati, professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EESP).

A maior parte dos produtores brasileiros não é beneficiada diretamente pelos juros do Plano Safra. Muitos financiam as atividades com recursos próprios ou fazendo operações de barter [troca] com fornecedores de insumos e tradings, ou, ainda, recorrendo a empréstimos bancários convencionais.

Uma pesquisa da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) de dois anos atrás mostrou que 38% dos produtores nunca acessaram qualquer tipo de crédito rural. Dentre as dificuldades estão o excesso de burocracia, a exigência de diversas garantias, a demora de liberação do crédito e a falta de informação.

Teoricamente, o Plano Safra seria necessário para aquilo que os economistas chamam de “falha de mercado”. Basicamente, para pequenos e médios produtores. “Para eles, se for praticar preços de mercado que reflitam o custo e o risco associados à operação agropecuária, que é uma fábrica a céu aberto, o preço do crédito simplesmente inviabiliza a produção”, argumenta Serigati, da FGV. Com juros disfuncionais, no entanto, mais gente além dos pequenos precisa do cobertor do governo.

Sem equalização de juros, investimentos ficam inviáveis

“A gente falou de falha de mercado. Mas imagine o produtor que quer comprar uma máquina, um equipamento ou fazer reforma do pasto, e vai pagar em dez anos. Daqui a dez anos, se tudo der certo, ou se as coisas não derem tão errado, os juros não vão estar operando neste patamar de 13,75%. Contratar o crédito agora e travar nesse patamar é muito ruim. Isso simplesmente inviabiliza o investimento. E aí o governo precisa atuar. Tem que tomar decisão e decidir quem vai receber quais moedinhas”, exemplifica Serigati.

O ideal, segundo o analista, seria que o mercado de crédito privado conseguisse atender as demandas de financiamento rural. Houve um vislumbre disso em 2020, quando a taxa básica de juros chegou a 2% ao ano, e a economia real atraiu os investidores.

Diversos instrumentos privados de financiamento, como Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs), Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs), Cédulas de Produto Rural (CPRs) e Fundos de Investimentos em Cadeias Agroindustriais (Fiagros) se mostraram economicamente viáveis e competitivos. A elevação dos juros, no entanto, fez os investidores recuarem, tornando mais produtores dependente das políticas públicas, e não somente os pequenos.

“Nós não somos uma jaboticaba nesse ponto. Quem tem que oferecer crédito é o mercado bancário, é o setor financeiro. Eles têm uma carteira mais diversificada. Não conseguem fazer isso porque as operações do universo agro são mais arriscadas e porque o custo de capital da economia brasileira, nossa taxa de juros de referência, a Selic, opera em patamares estruturalmente muito altos”, conclui.

Agro ainda carece de apoio técnico-científico estratégico

Desde meados dos anos 1990 o governo brasileiro mantém iniciativas para atender os agricultores de pequeno porte e de gestão familiar, como o Pronaf. Contudo, à parte o debate sobre financiamentos, o país estaria ainda muito aquém, comparativamente com os concorrentes, quanto às políticas de desenvolvimento dos serviços gerais à agricultura.

Para Rodrigo Peixoto da Silva, pesquisador de macroeconomia do Cepea, a questão não se limita a transferências diretas aos agricultores, mas envolve formação profissional, infraestrutura logística, difusão de conhecimento, assistência técnica e extensão rural, pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico para um leque mais amplo de produtos.

“A lógica a ser seguida tende a ser a de estimular a concorrência reconhecendo as diferenças. Mas esse caminho é longo”, pondera o pesquisador.

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