Durante a campanha eleitoral, as declarações do candidato a presidente pelo PT, Luiz Inácio Lula da Silva, aumentaram seu distanciamento do agronegócio. Em entrevista à TV, ele chegou a afirmar que parte do setor é fascista e direitista. Discursando para militantes, propôs impor limites à exportação de carne, setor em que o Brasil é líder mundial. Antes, a bancada do PT havia protocolado um projeto para taxar “o abuso da exportação de alimentos”. Chefes do MST já informaram que em um eventual novo governo Lula, haverá mais invasões de terra. Para arrematar, o petista afirmou que o agronegócio não gosta dele porque sabe que, se for eleito, “vai acabar com a invasão da Amazônia”.
Às vésperas da eleição, Lula amenizou o discurso e, em entrevista ao Canal Rural, disse sentir orgulho de “ter levado muita gente do agronegócio brasileiro para outros países” e renegou a intenção de limitar a exportação de carne – “Se o governo tentar fazer uma intervenção, vai quebrar a cara”. Também falou em tratar “com respeito” o setor, “sabendo da importância dele para a economia brasileira, para o desenvolvimento do país”. Quanto ao MST, defendeu o movimento dizendo que "pouquíssimas" terras produtivas foram invadidas no país (fato desmentido em reportagem desta Gazeta do Povo). E, dessa vez, evitou associar os produtores ao desmatamento na Amazônia. Em qual Lula acreditar?
Essa ambiguidade do político pode explicar, em parte, o diagnóstico do próprio Lula de que o agronegócio não gosta dele. O ex-presidente, assim, acerta no fato – ele e seu partido não são bem vistos pelo setor – mas erra no motivo, ao invocar um suposto conflito entre a produção agrícola com o bioma amazônico. Essa associação equivocada, por si, é um dos motivos para o setor “desgostar” do candidato, já que a maioria dos produtores do País vive a centenas ou milhares de quilômetros da Amazônia e preservam, por lei, extensas áreas de matas nativas em suas propriedades.
Declarações de petista geram insegurança
“Produtor que desmata ou age na ilegalidade é percentagem mínima. Isso é coisa de madeireiros e grileiros. Daí vem um ex-presidente e fala uma coisa dessas, é muito difícil. O agro não gosta dele pelas mentiras que ele conta. Isso gera uma insegurança muito grande, em relação ao que ele poderá fazer com o país”, diz José Eduardo Sismeiro, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja).
Um outro ponto crítico, segundo Sismeiro, é a relativização do direito de propriedade. “Você precisa ter segurança jurídica para trabalhar tranquilo. Você não pode achar que a fazenda vai ser invadida, que o juiz dará reintegração de posse e eles não vão fazer. A gente já passou por isso. E quando o MST (aliado do PT) sai das propriedades, o estrago é muito grande. E nunca tem ninguém para pagar. Daí não existe Stedile (João Pedro Stedile, líder do MST), não existe Lula”.
Agronegócio, por definição, é todo negócio que produz renda e emprego em cadeias produtivas ligadas ao meio rural. Neste ponto, o deputado Sergio Souza, presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), faz questão de distinguir assentados da reforma agrária de invasores de terras. “Quando o Lula dá declarações de que o MST é quem produz nesse país, onde o MST produz? O assentado da reforma agrária, este sim produz e produz bem. Inclusive agora está ganhando título de propriedade. Durante quase 16 anos de mandato, os títulos que tinham dado, eles tiraram das pessoas. Isso nos parece um incentivo à invasão de terra. Que segurança isso dá ao campo?”, questiona. “Se o governo quer promover reforma agrária, ele que vá lá e compre a terra do produtor rural e faça o assentamento. Não tem problema. Não somos contra a reforma agrária, somos contra a invasão de terra”, enfatiza.
Proposta de regular produção agrícola entrou no plano do PT
Para Souza, sempre foi Lula quem deu “sinais bastante claros de que não gosta do agro”. Um desses sinais foi colocado no plano de governo do PT, a proposta de regular a produção agrícola, copiando medidas adotadas na Argentina. Novamente, após repercussão negativa, o partido afirmou que a ideia foi publicada por equívoco, e será retirada. “A Argentina regulou o agro, e agora está um caos, inclusive com propriedades abandonadas. Este é um cenário que os produtores brasileiros temem. Não adianta sobretaxar o agro para segurar alimentos dentro do Brasil. É commodity, é global, isso não resolve o problema. Quem regula os preços dos alimentos hoje no mundo é o mercado. Se você tiver excedente de produção e não puder vender, como fica?”, indaga o presidente da FPA.
Outro motivo de divergência entre o agro e o candidato petista está na modernização da Lei dos Defensivos Agrícolas, que a bancada de oposição insiste em chamar de Pacote do Veneno. Souza critica a campanha de desinformação de ONGs e militantes. “Nós não colocamos nenhuma flexibilização na análise de novas moléculas. Agora, o que não pode é demorar dez anos para você autorizar uma molécula nova que está sendo usada no mundo inteiro. O Brasil é hoje um dos países que produz alimento mais seguro do planeta. A soja do Brasil, o mundo inteiro quer, porque é uma soja de qualidade. E nós pagamos caro por isso, porque não podemos usar moléculas novas que estão se desenvolvendo”.
Agro busca defensivos mais baratos e mais tecnológicos
É um tema que precisa ser abordado com mais racionalidade, observa Sismeiro, da Aprosoja. “Todo mundo acha que o produtor adora colocar pesticida na lavoura. Na verdade, é o que a gente menos gosta, porque o custo é muito alto. O que a gente produz é o que nós comemos também. Você não vê no supermercado: aqui produtor come, aqui não come. Não liberar moléculas novas é um atraso, um retrocesso para o agronegócio e para o Brasil. No Paraguai já existem muito mais moléculas novas do que aqui. A gente quer usar um produto que custe mais barato e que funcione bem. O ideal do produto novo é que seja menos agressivo ao meio ambiente e a nós seres humanos”, destaca.
Também no Congresso, os petistas e associados se posicionam contra a Lei Geral do Licenciamento Ambiental (PL 2.159/2021), aprovada na Câmara e aguardando votação no Senado. O projeto de lei estabelece uma plataforma comum entre estados e municípios para desburocratizar os licenciamentos e destravar investimentos no país (como ferrovias e rodovias), garantindo segurança jurídica e evitando ineficiências, sem reduzir a proteção ambiental. As autoridades envolvidas, como Funai, Iphan e Fundação Palmares, passam a ter prazo para manifestação sobre os pedidos de licenciamento.
Na mesma linha, e com igual oposição petista, está o projeto de lei de modernização da defesa agropecuária, que prevê que as agroindústrias sigam um programa de autocontrole da qualidade de seus produtos de origem animal e vegetal. A fiscalização continuará a cargo dos auditores federais, que não precisarão mais dar expediente diuturno nas fábricas, mas sim auditar os processos e verificar o cumprimento das exigências. Como já acontece em países europeus concorrentes diretos do Brasil, assim como nos EUA, Canadá, Austrália, Nova Zelândia.
Maioria dos brasileiros tem visão positiva do agronegócio
As rusgas constantes do candidato do PT com o agronegócio vão na contramão do que pensa a maioria da população brasileira. Pesquisa divulgada em 28/09 pelo Movimento Todos a uma Só Voz, com 4.215 brasileiros, apontou que o agro está entre os setores mais admirados (68%). A maioria (65%) declarou ter uma atitude positiva em relação ao agro, percentual que sobe para 84% entre quem já trabalhou com o agronegócio e para 80% com os que têm parentes que trabalham no setor.
Os ataques ideológicos reincidentes, no entanto, podem estar fazendo estragos. O grupo distante ou desfavorável ao agro representa uma parcela significativa da população, 33%. Destes, a maioria (51%) está na faixa mais jovem, de 15 a 29 anos. Na faixa de 30 a 59 anos, 38% dos entrevistados acreditam que o agro é um dos principais responsáveis pelos impactos ambientais do país, o dobro do total da amostra (19%).
Não deve ter chegado a boa parte desse público a informação de que as 5 milhões de propriedades rurais brasileiras preservam por lei uma área verde de 227 milhões de hectares, o que equivale a 26,7% do território nacional. Para o coordenador geral da pesquisa, Paulo Rovai, existe uma “janela de oportunidades para o agro se comunicar”. “As empresas e associações do Agronegócio precisam contar mais suas histórias de sucesso”, conclui.
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