Para quem vive no Sul do país, a erva-mate é tão associada ao chimarrão e ao tererê que é possível nem se dar conta de seus muitos outros usos, além dessas formas tradicionais de consumo.
Popular também como insumo para chás, a Ilex paraguariensis (nome científico da planta) é usada em bebidas energéticas, temperos, cosméticos, alimentos processados e até para preservar o frango que é exportado para o Japão.
Entretanto, o potencial produtivo da erva-mate ainda é pouco explorado, com boa parte da colheita realizada pelo sistema extrativista e com baixos níveis de produtividade. Há pouca mecanização na lavoura e até técnicas básicas de cultivo, como adubação e poda, são ignoradas, o que gera frustração nos pesquisadores que enxergam na planta – endêmica da Região Sul do Brasil – uma forma de impulsionar o desenvolvimento econômico regional.
Com base em estudos sobre o ciclo produtivo da erva-mate que começaram nos anos 1980, a Embrapa Florestas desenvolveu um manual para orientar os produtores, criando um sistema chamado Erva 20, que agrupa um conjunto de tecnologias para o plantio correto. Entretanto, conforme explica o pesquisador Joel Ferreira Penteado Junior, um dos autores do manual, há uma resistência cultural dos ervateiros em mudar a forma de manejo. “Eles produzem como produziam há 100 anos”, sentencia. E como a erva-mate é bastante resiliente, fica ainda mais difícil mudar os hábitos aprendidos com pais e avós.
Atualmente, a média de produtividade dos ervais brasileiros é de 7,5 a 8,5 toneladas por hectare. Com a adoção das práticas e orientações técnicas recomendadas pela Embrapa é possível elevar esse índice para 20 toneladas/ha. O Brasil produz hoje cerca de 900 mil toneladas de erva-mate, segundo o IBGE. O Paraná é maior produtor em volume e o Rio Grande do Sul em áreas de plantio (e onde o setor está mais industrializado); Santa Catarina e o sul do Mato Grosso do Sul também produzem. A erva é cultivada ainda no Paraguai e na Argentina.
Jesuítas, os primeiros “exportadores”
A erva-mate faz parte da economia do Brasil desde 1.600, quando os jesuítas decidiram levar a planta que já era consumida pelos índios para fora do país. Penteado Junior conta que somente na década de 1980 o consumo do mate aumentou bastante no país com a mudança do padrão de fabricação, que até então era parecido com o sistema argentino. Entretanto, as plantas originárias do país vizinho acabaram dominando boa parte dos ervais brasileiros e hoje a erva industrializada no Brasil tem o sabor amargo característico da erva argentina. Já o sabor do mate genuinamente brasileiro é mais suave ao paladar.
O pesquisador Ives Clayton Gomes dos Reis Goulart, coautor do Erva 20, aponta que as culturas em que o Brasil é um grande produtor e exportador, esbanjando tecnologia – como soja, milho e algodão – são exóticas. Foram importadas já com um pacote tecnológico, ou seja, com a “receita do bolo” a seguir. A partir daí, desenvolveu-se um know-how tecnológico próprio, adaptado às condições do país. Já a erva-mate, como planta nativa, não importou esse conhecimento prévio, o que retardou de certa maneira o desenvolvimento dos sistemas de produção nacionais.
Goulart destaca ainda que existem quatro formas de produção de erva-mate no Brasil. “Tem o sistema que é estritamente extrativo, em que você vai na floresta natural e retira a erva – para esse sistema não recomendamos o Erva 20, pois a única interferência do homem é a colheita, e esse sistema tem legislação própria. Existe também o sistema de adensamento de erval nativo, que é o mais comum no Paraná e no qual não há mais uma mata nativa. Nesse caso, o produtor adiciona mais pés de erva à mata. Em outra modalidade, o sistema de erva sombreada, o produtor planta tanto a erva-mate quanto as árvores que vão sombreá-la. E tem ainda o sistema de cultivo a pleno sol, que é uma monocultura”, enumera.
Dados de 2017, revelam que o Paraná colheu 301.813 toneladas de erva-mate por método extrativista, enquanto o Rio Grande do Sul colheu 17.163 toneladas nesse mesmo sistema. Por outro lado, enquanto os gaúchos colheram 302 mil toneladas de erva plantada, os paranaenses colheram 237.475 toneladas neste método. O vigor do sistema extrativista no Paraná se explica, segundo os pesquisadores, pelo fato de a erva-mate ser produzida em áreas quase impossível de se mecanizar, por causa do relevo acidentado, além de não terem outras aptidões agrícolas.
Ao contrário do que se diz por aí, conforme Penteado Junior, o sistema de cultivo sombreado não produz mais do que o de ciclo a pleno sol, mas o mercado paga mais pela erva-mate produzida sob a sombra das árvores, tanto por uma questão de conservação ambiental quanto pela crença de que a erva é melhor. Apesar disso, não há comprovação científica do fato, garantem os pesquisadores
Mercado sedento
Apesar da resistência dos ervateiros em modernizar a produção, há um movimento de mudança no setor. Muitos produtores que estão entrando agora no negócio têm uma mentalidade aberta e estão adotando sistemas de produção mais profissionais e eficazes, com acuidade técnica de manejo e visão de mercado globalizada.
“O pulo do gato é percebermos que o mercado internacional está sedento por erva-mate. Os países estão fazendo muita pesquisa. Hoje tem até frango que o Japão compra de um frigorífico brasileiro que tem de ter obrigatoriamente erva-mate em sua água. Os japoneses desenvolveram a pesquisa porque acreditam que a erva-mate reduz a quantidade de salmonela e permite ao produto ter mais tempo de prateleira. A Embrapa também fez pesquisas com carne de gado, colocando erva-mate na ração do animal, e realmente o resultado foi mais tempo de prateleira e a carne veio mais macia”, afirma Penteado Junior.
Segundo o pesquisador, hoje há 458 patentes registradas com erva-mate, a maioria em países da Europa e na China.
A desorganização dos produtores tupiniquins permite que a Argentina, por exemplo, ganhe mais espaço no mercado internacional, pois tem uma produção mais tecnificada. No entanto, segundo Goulart, os hermanos não têm o apelo mercadológico da nossa erva-mate. “A nossa produção está associada à agricultura familiar e às regiões de baixo IDH, ou seja, tem um apelo social e ambiental, já que a maior parte é cultivada em áreas sombreadas e a Europa adora isso. E só no Brasil temos um sistema de produção sem uso de defensivos agrícolas [o Ministério da Agricultura proíbe o uso de agrotóxicos nesse tipo de cultivo]. Na Argentina, essas características não existem. Temos um potencial de negócios muito bom.”
Uma aposta no futuro
O produtor Marcio Pizzatto (foto acima) é um exemplo de quem aposta nesse potencial futuro da erva-mate. Ele iniciou os primeiros plantios em 2017 e, apesar de ainda faltar mais de um ano para a primeira colheita, a expectativa é animadora. Seguindo rigorosamente a cartilha da Embrapa, Pizzatto plantou 30 hectares de erva-mate em General Carneiro, região Sul do Paraná; outros 15 hectares devem ser plantados em breve e, num futuro próximo, ele espera somar um erval de 52 hectares no total.
“Apesar de não ter iniciado a produção ainda, é possível notar uma homogeneidade no erval. Com certeza a produtividade será elevada”, diz Pizzatto, que espera obter pelo menos 20 toneladas por hectare, mas a expectativa é alcançar até 30 toneladas/ha. O sistema de produção adotado é de plantio a pleno sol, em uma área onde antes havia pinus. “Estamos deixando árvores nativas para fazer um pouco de sombreamento. Não que seja fundamental para a produção, mas estamos deixando bracatingas a cada 30 metros”, explica.
O investimento, no entanto, foi alto. Algo em torno de R$ 6 mil por hectare, gastos com aluguel de máquinas, análises do solo e aplicação de cálcio para repor o que o pinus extraiu, além de adubação. Pizzatto explica que o maior custo é com a mão de obra, pois há poucas máquinas desenvolvidas para o setor ervateiro e os trabalhadores precisam ser especializados. As mudas também pesam na conta: custam entre R$ 1,20 e R$ 1,30, dependendo do viveiro. “O custo, comparado a outros tipos de cultura, pelo método da Embrapa, é até um pouquinho mais caro, porque são muitas etapas que você tem que cumprir. Mas para um produtor familiar, que já tenha um trator e mão de obra da própria família para ajudar, dá para cortar esse gasto pela metade”, afirma.
Na região de General Carneiro, quase 100% da produção local de erva-mate vai para a fabricação de chimarrão, segundo Pizzatto. Mas ele quer ir além, apostando que a matéria-prima tem potencial para um mercado mais sofisticado. “A vantagem da erva-mate é que, se você colher ela no campo hoje, você tem mercado na hora para ela. Mas a minha ideia é ter um produto de maior qualidade para vender para a indústria de cosméticos, bebidas energéticas, tentar agregar um pouco de valor”, revela. A exportação é outra saída, mas, segundo o produtor, é preciso ter muitas certificações e não é algo para se pensar de imediato.
Para Pizzatto, o mate tem potencial para se transformar no Brasil em algo como o vinho é hoje para o Chile, ou seja, um produto reconhecido pela qualidade. Para isso, é necessário mais investimentos e divulgação do setor. “O que precisa é que os produtores não olhem para a erva-mate como o quarto ou quinto produto da fazenda. A gente está tentando mostrar que a propriedade pode sobreviver só da erva, mas precisa ter investimento. O produtor pode ganhar até bem mais do que com outra cultura.”
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