O vídeo de um trator da marca John Deere trabalhando numa lavoura brasileira sem nenhum condutor, realizando manobras, levantando e abaixando o arado, faz sucesso e causa espanto nas redes sociais.
O espanto não está propriamente no conceito de um veículo autônomo, bastante difundido pelos protótipos de empresas como Tesla, Google e Uber, mas no fato de a máquina já estar a campo realizando tarefas que vão além de apenas escolher o melhor caminho à frente.
Ainda que não seja possível identificar a origem, o vídeo é reconhecido como autêntico pelo próprio fabricante do trator. A John Deere informou que o piloto automático está presente há vários anos nos tratores da linha 8R, mas um dispositivo de fábrica impede que a máquina trabalhe sem o operador.
“Nossos tratores têm um sistema de segurança que exige a presença do operador. Se ele não estiver sentado, o trator não funciona. O que pode ter acontecido é que o usuário burlou este dispositivo, colocando um peso sobre o banco ou alterando a parte eletrônica”, avalia Maurício de Menezes, gerente de marketing tático da John Deere no Brasil.
Mas se no vídeo os agricultores conseguiram colocar o trator para trabalhar sozinho, por que ainda é exigida a presença do operador?
A resposta passa por desafios tecnológicos ainda não vencidos, garantias de segurança e necessidade de regulamentação.
“Hoje a John Deere oferece o que há de mais avançado no mercado, permitindo todas as manobras de maneira automática, mas não autônoma. Apertando um só botão é possível executar três ou quatro funções. Mas a equação é complexa, estamos caminhando no sentido de integrar todas essas tecnologias em uma só”, explica Menezes.
Vazio normativo
O consultor de máquinas agrícolas Arno Dallmeyer, de Santa Maria (RGS), destaca o vazio normativo sobre o assunto. “O grande problema é a responsabilidade civil. Se este trator fizer uma injúria ou dano a alguém, quem é o responsável? Não se pode condenar o trator, então vamos responsabilizar o dono, o fabricante, o operador ou o gerente da fazenda? Enquanto isso não for resolvido e não houver jurisprudência, não vai funcionar”, avalia.
Por enquanto, a brincadeira dos produtores que filmaram o trator “fantasma” sequer pode ser considerada uma infração legal ou de trânsito. “A Polícia Rodoviária não pode ir lá na propriedade e responsabilizar o sujeito. Ali é uma zona neutra. Nesse caso do vídeo, alguém fez a brincadeira, não tem como saber quem foi e nem dá para responsabilizar, por tratar-se de propriedade privada”, observa Dallmeyer.
Inteligência agronômica
A fabricante Case apresentou seu protótipo de trator autônomo há dois anos e, desde então, vem se dedicando a desenvolver a inteligência agronômica da máquina, para que possa fazer sozinha uma série de operações com máximo de segurança. “A máquina vai sentir as condições e se ajustar sozinha. Esse será o próximo passo de automação, antes de chegar propriamente ao veículo autônomo”, acredita Sérgio Soares, diretor de desenvolvimento de Produto e Engenharia Agrícola da CNH Industrial para a América Latina.
Soares lembra que o dia a dia de um maquinário é mais complexo do que de um automóvel de passeio. “Tem menos riscos e menos gente em volta, mas envolve uma interface muito grande do implemento com o trator, da colheitadeira com as ferramentas. A inteligência artificial da máquina tem que processar tudo e integrar ao sistema autônomo. As tecnologias existem, algumas delas inovadoras, mas ainda não têm escala”, enfatiza.
Na multinaciona Agco, dona das marcas Massey Ferguson, Valtra e Fendt, as máquinas-conceito autônomas já existem, como o projeto dos robozinhos agrícolas Mars. Cada conjunto tem entre 6 e 12 robôs que se espalham pela lavoura como um enxame de abelhas, trabalhando por coordenadas de satélite.Se um robô falhar, os outros assumem a tarefa deixada por ele. O que falta, segundo Niumar Aurélio, supervisor de Marketing da companhia, “são ajustes em questões relacionadas à segurança e à regulamentação”.
“A máquina com piloto automático é completamente normal no campo, seja no trator, no pulverizador ou colheitadeira. Mas ainda não dá para prescindir da presença do operador, que tem um caráter muito mais gerencial, para controlar a qualidade da operação e verificar se a máquina está dentro dos parâmetros de diminuição do consumo de combustível e emissões. É algo muito menos relacionado a tarefas repetitivas, como controlar o trajeto da máquina”, aponta Aurélio.
Nos Estados Unidos, há quatro anos a fabricante de implementos Kinze desenvolveu um software para automatizar tratores. O operador fica na colheitadeira enquanto o trator leva e traz sozinho o vagão com cereais. Ainda não existe produção em série das máquinas; por enquanto os protótipos são apenas alugados para os produtores.
O engenheiro Amílcar Centeno, consultor de Campinas (SP) que morou nos EUA e trabalhou por trinta anos no setor de maquinários agrícolas, acredita que a automação é inevitável e será acelerada pela escassez de mão-de-obra. “Esse processo de urbanização é a grande motivação econômica pela busca da automação. Começamos o século 20 com 75% da população no campo e terminamos com apenas 3%. Se olharmos globalmente, a automação já é uma realidade. A questão agora é apenas expandir essa tecnologia”.
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