Você pode até achar que pimenta, “sombrero” e bigode resumem o que é ser mexicano, mas tem uma coisa que é ainda mais marcante para eles: o milho. Dos nachos às tortillas, dos tacos aos burritos, o cereal está em praticamente todos os pratos típicos do país, numa tradição que vem desde muito antes de Cristóvão Colombo sequer pensar em botar o pé nas Américas.
Já deu para notar, então, que, por lá, com milho não se brinca (e não se mexe). Exatamente o contrário do que tem acontecido desde que, do outro lado da fronteira, Donald Trump chegou à casa branca. Depois de prometer um muro separando os dois países, o presidente dos Estados Unidos passou a “atacar” o Nafta, o acordo de livre comércio entre as nações da América do Norte em vigor desde 1994.
A justificativa de Trump é que os termos do tratado estariam prejudicando os EUA, que, não por acaso, são praticamente os únicos fornecedores de milho para o México por causa do Nafta, com 98,7% de participação no total de importações do vizinho.
Ao todo, os mexicanos produziram nesta safra 26,8 milhões de toneladas do cereal, mas o consumo total (incluindo a indústria de carnes) deve girar em torno de 41,7 milhões de toneladas. Com cerca de 1,3 milhão de toneladas exportados, todo o restante é trazido quase que exclusivamente dos Estados Unidos. As informações são do Departamento de Agricultura dos EUA, o USDA.
Entretanto, conforme endurece a política de Trump, os mexicanos já começam a procurar novas fontes para saciar a fome de nachos, entre elas o Brasil. Hoje, eles ocupam a 14ª colocação na nossa pauta de exportações de milho, com 560 mil toneladas compradas em 2017. É pouco, menos de 2% em relação ao volume total embarcado por nós. Mas muito se pensarmos que, no ano anterior, as exportações para o México tinham sido zero e, embora menor, a colheita norte-americana foi farta pelo segundo ano consecutivo. Isto é, esse movimento de “migração” não foi por falta de produto.
Possibilidades
Entre o mercado, o tom ainda é um pouco mais cético, tanto que, em relação a preços, a tensão entre os vizinhos ainda não teve efeitos. “Logisticamente, não faz muito sentido o México importar milho do Brasil. Eles estão ao lado dos EUA e o preço do grão americano é bem menor do que o do brasileiro. Nós não vamos ver o Brasil ultrapassar os EUA como principal fornecedor de milho para o México”, argumenta o analista da AgResource Brasil em Chicago, Tarso Veloso. “Hoje o milho americano é o mais barato do planeta. Os mexicanos estão aproveitando as discussões do Nafta tentar implementar uma cota de importação de milho dos EUA para impulsionar a produção nacional. O Brasil quer abrir mercado, mas a proximidade do México com os EUA inviabiliza a competição.”
Analista da AgRural, Daniele Siqueira acrescenta que a proximidade não é o único fator que pesa nessa “briga de cachorro grande”. “Há toda uma logística preparada, são vizinhos. Inclusive tem algumas ferrovias que foram construídas para isso, para levar milho para o México. E a gente tem que sair de navio, numa distância muito maior”, diz ela.
Ainda assim, já houve momentos em que o Brasil marcou território em tempos de dificuldade para os norte-americanos. “O Brasil já o segundo maior exportador do mundo e já tomou muito mercado dos EUA na Ásia, mesmo sendo mais longe, porque eles ficaram sem milho numa quebra de safra em 2012 e eles [asiáticos] olharam para o Brasil, viraram nossos clientes de lá para cá”, pontua Daniele. “Se acontecer de o México ficar realmente bravo com os EUA, o Brasil pode sim exportar para eles. Vai ficar mais caro por causa da distância? Vai. Mas o Brasil tem plenas condições de se tornar um grande fornecedor. A tendência é que a gente vá ganhando mercado aos poucos, inclusive no México.”
E não é só milho
Além do cereal, o Brasil também pretende entrar com mais força no mercado mexicano de proteína. De acordo com a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), o México é, atualmente, o 11º mercado para a carne de frango brasileira. Em 2017, foram 94,7 mil toneladas embarcadas, um aumento de 60% na comparação com o ano anterior.
“O México renovou recentemente sua cota de importação de produtos avícolas brasileiros, assegurando a continuidade dos negócios para o setor”, reforça o presidente da ABPA, Francisco Turra. “Nosso objetivo, entretanto, é ir além e firmar o Brasil como fornecedor também de carne suína. O Brasil está em negociação com as autoridades mexicanas e há boas perspectivas quanto à abertura deste mercado.”
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