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Como entender a política norte-americana a partir de bacon, cerveja e calça jeans

Cervejas budweiser, um ícone norte-americano: mais de metade da cevada exportada pelos Estados Unidos vai para o vizinho do sul, o México. | sp/as/rix/SPENCER PLATT
Cervejas budweiser, um ícone norte-americano: mais de metade da cevada exportada pelos Estados Unidos vai para o vizinho do sul, o México. (Foto: sp/as/rix/SPENCER PLATT)

O Tratado Norte-americano de Livre Comércio (Nafta) pode não ser um assunto frequente nas casas dos moradores da América do Norte, mas provavelmente ele interfere bastante no dia a dia dos habitantes dos três países que fazem parte do acordo (Estados Unidos, México e Canadá).

Desde a roupa até o alimento e o carro dirigido pela população, muitos produtos de uso diário fizeram viagens sinuosas através de fronteiras internacionais antes de chegar a armários, geladeiras ou garagem.

Muitos desses trajetos são definidos pelo NAFTA, o pacto comercial de 24 anos que o presidente Donald Trump chama de “desastre”. O presidente prometeu se retirar inteiramente do acordo se o Canadá e o México não concordarem com suas exigências para reformulá-lo.

O tratado teve um profundo efeito sobre os três países: incentivou empresas americanas a se expandir por todo o continente, abolindo as tarifas cobradas por produtos que atravessam as fronteiras, fortaleceu algumas indústrias e minou outras.

As negociações continuam, mas o futuro da resolução está ameaçado, assim como o de muitos produtos que achamos ser essencialmente americanos. Aqui estão três deles que foram moldados pelo NAFTA – e que podem mudar dependendo da sobrevivência e/ou modificação do pacto.

Bacon

O bacon do morador dos Estados Unidos pode ter nascido no Canadá.

O porco bem viajado é um subproduto do NAFTA, que ajudou a criar complexas cadeias de fornecimento agrícola, produtos que fazem um circuito tortuoso até chegar ao consumidor.

Muitos produtores agrícolas no centro e no oeste canadenses se especializaram em “reprodução de porcos” – seus leitões nascem no Canadá e são enviados para fazendas dos Estados Unidos com poucos meses de idade. Produtores em Iowa, Minnesota e Illinois “terminam” os porcos, criando-os até o peso final de abate.

Em 2016, o Canadá enviou quase cinco milhões de porquinhos para os Estados Unidos – cerca de 15 por cento dos que nasceram ao norte da fronteira. E grande parte da carne de porco produzida nos EUA é por fim exportada para o Canadá ou para o México.

Isso significa que uma costeleta de porco servida em Toronto pode ter começado como um leitão em uma fazenda de Ontário, que foi exportado para os EUA e depois reimportado como carne, segundo Cullen Hendrix, professor associado da Universidade de Denver.

De acordo com as regras da Organização Mundial de Comércio, nem os Estados Unidos nem o Canadá cobram tarifa sobre a carne de porco importada. Então, se os norte-americanos se retirarem do NAFTA, os porcos e sua carne não ficarão mais caros.

Mas essa cadeia de fornecimento poderia ser interrompida de outras maneiras. A carne de porco dos EUA enfrentaria uma tarifa de 20 por cento ao entrar no México, que geralmente é o país com as maiores tarifas. Isso iria prejudicar seus produtores.

E o Canadá pode acabar competindo com os Estados Unidos. Mesmo que esses saiam do NAFTA, o México e o Canadá provavelmente permanecerão no negócio. As fazendas canadenses podem exportar carne de porco mais barata para os mexicanos do que as americanas, o que poderia fazê-las parar de exportar seus leitões e começar a criá-los para vender a carne diretamente para o México.

Jeans

Aparentemente, não há nada mais americano do que uma calça jeans Wrangler, que foi originalmente produzida para cowboys de rodeio, mas hoje, ela mostra como a globalização alterou um setor da indústria americana, e como acabar com o NAFTA não vai restaurar sua grandeza.

O último Wrangler produzido nos Estados Unidos saiu da fábrica em 2005. Cerca de metade das etiquetas da marca dizem “Feito no México”.

Com as mudanças das regras do comércio global, muitos empregos do setor de vestuário deixaram os EUA, indo para localidades com mão de obra mais barata, como China, Índia, Vietnã, Bangladesh e México. O número de americanos que trabalha na indústria de vestuário despencou para menos de 120 mil – era mais de 900 mil em 1990.

Mas o NAFTA ajudou a salvar algumas indústrias de nicho que fornecem produtos para fábricas de vestuário ao sul da fronteira. Sob o acordo comercial, as calças jeans podem ser enviadas do México para lojas nos Estados Unidos sem cobrança de tarifas, desde que a maioria dos produtos usados em sua produção venha da América do Norte.

O algodão do jeans Wrangler vem de 17 estados, incluindo o Texas; os botões e zíperes são da Geórgia; as linhas de costura são da Carolina do Norte.

Os baixos custos de energia, de água e de transporte nos Estados Unidos, além do melhor algodão do mundo, fazem do país um bom lugar para produzir o tecido e outras matérias-primas para os jeans, segundo Thomas A. Glaser, vice-presidente da VF Corp, proprietária do Wrangler. O custo mais baixo da mão de obra no México faz dele o melhor lugar para a grande quantidade de trabalho de costura que as calças jeans exigem.

“Vivemos o sonho do NAFTA, ou seja, a criação de uma cadeia de fornecimento integrada”, disse Glaser.

A empresa diz que mais de 70 por cento do material de seus produtos feitos México vêm de empresas americanas – e que sua concepção e comercialização criam muitos outros postos de trabalho americanos.

Sem o acordo, os jeans feitos no México teriam que pagar tarifas, e os preços subiriam – e os produtores de algodão, de fios e de tecido nos Estados Unidos poderiam desaparecer. A produção seria transferida para mais longe, provavelmente para a Ásia, onde a mão de obra é mais barata.

“Se a mudança for muito abrupta, todos iriam reexaminar suas cadeias de fornecimento e alterá-las. E não sabemos onde isso poderia ocorrer. Acredito que, para determinadas partes da nossa indústria, haveria pressão na criação de empregos nos Estados Unidos”, disse Glaser.

Cerveja

Quando os americanos pensam no NAFTA, o que lhes vem à cabeça são as empresas se mudando para o México, mas ele depende da produção dos agricultores dos EUA para seu maior produto de exportação: a cerveja.

A cerveja mexicana é dependente muito de ingredientes americanos, especialmente dos grãos. Mais de metade da cevada exportada pelos Estados Unidos vai para o vizinho, como também a maior parte do lúpulo que o México compra é dos EUA. E também compra garrafas de vidro, leveduras e outros grãos utilizados na fabricação da bebida, como arroz, trigo e milho.

Esse comércio é produto do NAFTA, que provocou uma reorganização agrícola gigante em ambos os lados da fronteira, em uma ruptura particularmente dura para o México, onde a agricultura de subsistência – o setor com algumas das pessoas mais pobres do país – foi excluída do negócio pela crescente importação de grãos americanos.

Hoje, o comércio agrícola entre os dois países é ligeiramente equilibrado. Em 2016, o México enviou US$23 bilhões em produtos agrícolas para os Estados Unidos, incluindo frutas frescas e legumes como melancia, abacate e tomate, enquanto os americanos enviaram US$18 bilhões desses produtos para o México. O maior produto agrícola exportado pelos mexicanos, a cerveja, é produzido com matéria prima dos EUA.

Se os Estados Unidos saírem do NAFTA, a indústria de cerveja mexicana levaria vantagem sobre sua concorrente americana, pois as tarifas adotadas seriam as acordadas na Organização Mundial do Comércio.

Sob essas regras, os Estados Unidos não taxam importações de cerveja, mas o México poderia impor uma tarifa de 20 por cento na cerveja importada. E também poderia taxar as importações de trigo e fermento dos EUA, o que lhe daria uma vantagem no comércio agrícola entre os países.

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