Uma fábrica de processamento de lagosta em uma baía onde o vento sopra constante, no leste do Canadá, é tão remota que seus trabalhadores têm que dirigir por quilômetros só para conseguir sinal de celular. Mas a Gidney Fisheries é verdadeiramente global, com suas lagostas aterrissando em pratos de Paris e Xangai através de acordos comerciais feitos em capitais distantes.
Ultimamente, esses acordos estão favorecendo a fábrica, dando-lhe uma vantagem sobre os concorrentes dos Estados Unidos.
Um novo acordo comercial entre o Canadá e a União Europeia reduziu as tarifas sobre as importações de lagostas canadenses. Isso significa que mais Boeings 747 cheios de crustáceos vermelhos irão da Nova Escócia para os mercados europeus neste inverno – aumentando a receita da Gidney Fisheries. A fábrica, que nos anos 1800 enviava suas lagostas a Boston por navio a vapor, está cheia de potencial à medida que obtém acesso a novos mercados e planeja aumentar sua força de trabalho em aproximadamente 50 por cento, adicionando dezenas de postos à sua folha de pagamento atual, que é de cerca de 85 trabalhadores.
“Para nós, o livre comércio é uma coisa boa”, disse Robert MacDonald, presidente da Gidney Fisheries, que processa entre 10 mil e 15 mil lagostas por dia.
A administração Trump, com uma visão cética dos acordos comerciais, promete fragmentar ou renegociar acordos globais que, para ela, deixam as empresas e os trabalhadores dos Estados Unidos em desvantagem. Entre eles está o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (Nafta), que os Estados Unidos estão tentando renegociar.
Entretanto, alguns especialistas em comércio dizem que a abordagem difícil dos Estados Unidos está dissuadindo os parceiros estrangeiros a entrar em negociações. Outros países, como o Canadá, estão avançando com seus próprios acordos comerciais enquanto recusam os termos que os Estados Unidos exigem em suas negociações. Durante o fim de semana, um grupo de 11 países, incluindo o Canadá, anunciou que estava empenhado em avançar com a Parceria Transpacífico, um acordo comercial multinacional negociado pelo governo Obama.
À medida que esses acordos progridem, as empresas americanas, em particular as exportadoras, se veem no fim da lista do comércio global, já que seus concorrentes de outros países obtêm acesso mais fácil aos mercados estrangeiros.
“Vivemos em um mundo de margem reduzida, onde cada indústria está envolvida em uma concorrência global feroz. Há uma sensação de que os Estados Unidos estão parados, enquanto os países que nos rodeiam estão avançando”, disse John G. Murphy, vice-presidente de política internacional na Câmara de Comércio dos Estados Unidos.
É uma mudança histórica para os americanos, que por muito tempo lideraram a busca por livre comércio e mercados abertos. Os Estados Unidos são tradicionalmente os líderes mundiais na criação de pactos comerciais, inclusive durante a administração Obama, que negociou uma versão anterior da Parceria Transpacífico e iniciou conversas com a Europa sobre um acordo conhecido como Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento.
Os céticos da administração atual criticam esses pactos como uma corrida global rumo ao fundo do poço, que custou aos Estados Unidos empregos e salários achatados. O presidente Donald Trump condenou a Parceria Transpacífico como um dos piores acordos já negociados e retirou oficialmente os Estados Unidos do pacto no seu quarto dia no cargo. As negociações com a Europa estão paralisadas.
Quando os americanos pensam em lagosta, o Maine geralmente vem à mente. Mas a Nova Escócia surgiu como uma forte concorrente na exportação, particularmente para a Europa. No ano passado, os produtores de lagosta dos EUA venderam apenas um pouco mais para a Europa do que seus equivalentes canadenses.
Esse equilíbrio poderá em breve mudar, já que o pacto comercial canadense-europeu eliminou uma tarifa europeia de oito por cento sobre a lagosta viva quando entrou em vigor em setembro. As tarifas sobre a lagosta canadense congelada e processada serão eliminadas gradualmente nos próximos três a cinco anos como parte do acordo.
A eliminação das tarifas europeias é “a questão mais desafiadora” para a indústria de lagosta dos Estados Unidos, disse Annie Tselikis, diretora executiva da Associação dos Comerciantes da Lagosta do Maine, que representa as empresas que compram o produto dos pescadores do Maine. “Esse acordo comercial dá ao Canadá uma grande vantagem no mercado europeu”, afirmou ela.
Tselikis disse que o pacto estava incentivando as empresas dos Estados Unidos a investir em novas instalações no Canadá e assim estarem qualificados para obter a tarifa europeia mais baixa.
“Se o argumento é que você não vai desenvolver essa política comercial porque está preocupado com a terceirização de empregos – bem, estamos aqui, potencialmente terceirizando empregos devido a uma ausência de política comercial”, disse ela.
A Gidney Fisheries, que exporta lagosta viva e congelada, está preparada para aproveitar as mudanças nos termos de negócios. No ano passado, em antecipação ao aumento da demanda, a fábrica investiu em tecnologia de ponta para se destacar.
A empresa importou uma máquina alemã, às vezes usada fazer suco prensado a frio, que cria pressão de até quase 40 toneladas por polegada quadrada. A máquina comprime a lagosta em sua concha, quebrando o tecido conjuntivo, matando a lagosta em segundos e permitindo que a carne seja extraída inteiramente crua – um bom ponto para venda para chefs e consumidores, já que o processo é considerado relativamente humanizado.
No chão de fábrica, em setembro, um trabalhador com uma blusa cinzenta coberta por um avental brilhante de borracha levava os crustáceos em um tubo de plástico para a máquina. Uma dúzia de trabalhadores esmagaram as presas, usaram minúsculas mangueiras de ar para remover vísceras e distribuíram a carne cor-de-rosa em vários pacotes que seriam congelados instantaneamente.
“Há uma década ou duas, poucos agentes vendiam para o exterior. Agora, enviamos lagostas vivas para todo o mundo”, disse MacDonald.
Antes confinada aos pratos dos ricos, a lagosta chegou ao mercado de massa. Um excesso na pesca global há cerca de cinco anos – resultado da pesca excessiva do bacalhau, predador natural de lagosta – fez o preço despencar. Pratos populares utilizando a carne do crustáceo apareceram repentinamente em menus de cadeias de fast-food, como Pret a Manger, Au Bon Pain, Quiznos e até no McDonald-s na Nova Inglaterra.
Uma embalagem melhor e serviços de frete mais rápidos permitiram que exportadores americanos e canadenses expandissem seus negócios para Europa e Ásia. Os exportadores encontraram um novo mercado promissor na China, onde novos restaurantes sofisticados adotaram com entusiasmo os produtos de luxo ocidentais, como vinho, caviar e lagosta, para se destacar em termos de sabor e distinção.
A Gidney Fisheries procurou explorar esse mercado com a ajuda de Duan Zeng, colega de MacDonald. Zeng, que tem mestrado em biologia marinha, faz muito do seu trabalho no WeChat, um aplicativo móvel chinês, onde vende suas mercadorias. Em dezembro passado, a empresa juntou-se à Alibaba, gigante chinês de comércio eletrônico, para vender lagostas premium on-line.
O maior mercado da Gidney Fisheries ainda são os Estados Unidos, onde a empresa abastece restaurantes e cadeias hoteleiras com lagostas da Nova Escócia. Mas, dada a mudança de dinâmica dos acordos comerciais, a Europa poderá em breve ser o mercado de mais rápido crescimento, para o desgosto dos pescadores americanos, que esperavam que os Estados Unidos assinassem seu próprio acordo com a União Europeia.
A administração Trump não disse se continuará as negociações comerciais com a Europa. Mas as discussões sobre outros pactos comerciais, incluindo o Nafta, mostraram poucos progressos.
John Weekes, negociador do Nafta no Canadá na década de 1990, disse que, a princípio, acreditava que as empresas canadenses teriam apenas uma estreita margem de vantagem sobre os concorrentes americanos. Agora, ela parece um pouco maior.
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