Os sul-coreanos estão na defensiva após o presidente Donald Trump reafirmar a disposição de pôr fim ao tratado de livre comércio com o país, um gesto que deixou muita gente perplexa pelo momento inoportuno da ameaça, justamente quando se elevam as tensões em torno do programa nuclear e de mísseis da Coreia do Norte.
No início deste mês, Trump já havia instruído seus conselheiros a preparar a saída do acordo bilateral, também conhecido como Korus. E deu a entender que falava sério na ameaça feita em abril, quando disse que o tratado, atualmente no quinto ano, era “horrível” e deixava a América “destruída”.
O homem que negociou o tratado de livre comércio pela Coreia do Sul contesta veementemente esta interpretação e argumenta que o timing escolhido por Trump não poderia ser pior.
“A Coreia do Sul tem sido um aliado de primeira hora dos Estados Unidos pelos últimos 70 anos. Vivemos um momento em que a Coreia do Norte faz provocações e a China expande o poderio e flexiona seus músculos”, diz Choi Seok-young, que atualmente é embaixador do país nas Nações Unidas.
“Não entendemos bem qual é o propósito do senhor Trump de atacar a Coreia do Sul, encerrando o acordo de comércio em uma hora tão crítica”.
O negociador pelo lado americano, Wendy Cutler, adverte que a saída do tratado provavelmente levará a Coreia do Sul a intensificar as relações comerciais com a China.
A Casa Branca ainda não fez um pronunciamento formal sobre o fim do acordo. Poucos dias após as novas ameaças de Trump virem à tona, o representante do comércio dos Estados Unidos Robert Lighthizer contradisse o chefe, dizendo aos repórteres que a administração quer renegociar o acordo e “fazer algumas emendas”.
Este ambiente de incertezas explica, pelo menos em parte, por que a administração do presidente sul-coreano Moon Jae-in ainda não respondeu publicamente à última ameaça de Trump.
Empregos americanos
Desde a eleição de Donald Trump, agentes do governo coreano têm destacado que o acordo, apesar de não ser perfeito, foi desenhado para gerar benefícios mútuos. As constantes críticas de Trump levaram representantes públicos e privados a rejeitar o rótulo de “tratado que mata empregos americanos”. Pelo contrário, eles apontam os ganhos que os norte-americanos obtiveram no mercado coreano, por vezes em detrimento dos trabalhadores locais.
“É muito difícil, do ponto de vista sul-coreano, entender o argumento dos Estados Unidos para renegociar o Korus”, diz Seok-young, que classifica a medida como uma tática de guerra.
“Isso me leva a pensar: como podemos confiar nos Estados Unidos? Eles insistiram fortemente nesse tratado há dez anos”, lembra Seok-young, “e depois de um tempo decidem voltar para acabar com tudo?”. “É uma questão de confiança e esse tipo de atitude não ajuda a fortalecer países aliados”, enfatiza.
O tratado de livre comércio foi negociado e assinado na administração do presidente George W. Bush. Foi ratificado pelo Congresso Americano em 2011 e entrou em vigor em 2012.
O acordo não teve recepção calorosa na Coreia do Sul. Tanto em 2008, quando da assinatura, como em 2011, na ratificação, houve forte oposição. Na época ocorreram manifestações diárias de trabalhadores sul-coreanos, particularmente produtores rurais, que se opunham ao aumento da importação de carne dos Estados Unidos. Em 2011, um líder da oposição jogou uma bomba de gás lacrimogêneo no parlamento, em protesto. Desde 2012, o tratado vem produzindo efeitos diversos para os americanos.
O déficit comercial com a Coreia do Sul mais que dobrou, e é baseado nisso que Trump rejeita o acordo, ainda que os economistas geralmente concordem que os déficits comerciais são resultado de fatores macroeconômicos mais amplos, e não decorrem simplesmente de acordos bilaterais envolvendo bens e serviços.
Em termos gerais, em 2017, a Coreia do Sul responde por apenas 2,5% do déficit comercial americano de bens e serviços. O crescimento do comércio, de um lado como de outro, tem sido mais lento do que se previa.
Reclamações do outro lado
Algumas importantes indústrias americanas, inclusive do setor de carnes e lácteos, colhem benefícios. Especialistas sul-coreanos apontam que o aumento de importações de produtos agrícolas e lácteos dos Estados Unidos, a preços baixos, têm causado prejuízos aos produtores locais.
O superávit comercial norte-americano com a Coreia do Sul aumentou, de fato, após o Korus. E até agora, em comparação com o ano passado, as exportações dos EUA para o país asiático seguem em alta, enquanto as importações se mantêm estagnadas – segundo Jeffrey Schott, do Instituto Peterson de Economia Internacional.
O Instituto Sul-Coreano de Política Econômica Internacional, custeado pelo governo, diz que se o Korus acabar os americanos vão perder as vantagens obtidas nos setores coreanos de automóveis, bens manufaturados, agricultura e serviços.
O instituto estima que, encerrando-se o tratado, as exportações americanas para a Coreia devem cair 2% e as importações 4,3%. O acordo removeu as tarifas dos automóveis em 2016, o que levou a um rápido incremento das exportações americanas. Os importados vêm aumentando a participação no mercado sul-coreano e, desde 2012, a venda de carros “Made in USA” cresceu quase 90%, segundo Jeffrey Schott.
Isso não ajuda em nada o mercado de automóveis sul-coreanos, que já briga para competir com importações do Japão e da Europa – observa Kim Jong-bum, professor de comércio internacional na Yonsei University.
“A Hyundai enfrenta agora mais competição no mercado interno por causa da abertura aos automóveis americanos e europeus. E são carros de alta qualidade”, aponta Jong-bum. Nem tudo vai tão mal, já que os sul-coreanos também estão aumentando as exportações para os Estados Unidos, acrescenta. Dados oficiais mostram que as exportações de automóveis coreanos para a América do Norte e Europa dispararam em agosto.
Se os Estados Unidos abolirem o acordo, outros parceiros comerciais, como a União Europeia e o Canadá, vão continuar acessando livremente o mercado coreano, enquanto os americanos pagarão uma tarifa média de 14%.
“Se isso acontecer, nossas empresas e agricultores perderão rapidamente o espaço conquistado no mercado sul-coreano”, diz o diplomata Wendy Cutler, que atualmente é vice-presidente do Instituto Asiático de Política Social. Cutler lembra que 2016 “foi um ano recorde de investimentos sul-coreanos nos Estados Unidos, o que resultou na criação de milhares de empregos para cidadãos americanos. É difícil acreditar que essa tendência continuará se o Korus for encerrado”.
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