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vírus agressivo

Febre ‘ebola’ dos suínos vai aumentar preços da carne no mundo

China tem o maior rebanho de suínos do mundo. | Jonathan Campos/Gazeta do Povo
China tem o maior rebanho de suínos do mundo. (Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo)

O que começou com algumas dúzias de cabeças de suínos mortos no nordeste da China se transformou, em pouco tempo, num tsunami com efeitos que se propagam por toda a cadeia mundial de alimentos.

Em agosto do ano passado, descobriu-se a existência da febre suína africana numa fazenda com menos de 400 porcos, nos arredores de Shenyang. Era a primeira ocorrência da doença viral no país que detém metade da população mundial de suínos. Ao todo, 47 animais morreram, no primeiro capítulo de uma epidemia que logo exigiu medidas emergenciais, incluindo o sacrifício sanitário de milhares de suínos e o bloqueio do transporte de animais vivos. Em poucos dias, o governo anunciava que o surto da doença estava “efetivamente controlado”.

Mas era tarde demais. Àquela altura, a doença já se tornara viral e se espalhara por centenas de quilômetros, grudada à sujeira e ao pó das roupas das pessoas e pneus de caminhões. Nove meses depois, a febre já estava em todo o país, cruzou as fronteiras com a Mongólia, o Vietnã e o Camboja, e inflacionou o mercado mundial de carnes.

Enquanto as estatísticas oficiais dão conta de 1 milhão de animais sacrificados, analistas preveem que um número cem vezes maior será varrido do plantel chinês de 440 milhões de cabeças em 2019, que é, justamente, o “ano do suíno” no horóscopo chinês.

Desde que o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos começou a fazer estimativas do plantel chinês, nos anos 70, é a pior crise. O USDA estima que haverá um declínio de 134 milhões de animais, o que equivale a toda a produção anual dos EUA.

“É uma situação jamais vista”, diz Arlan Suderman, economista-chefe da INTL FCStone, que analisa o Mercado de commodities há quase quatro décadas. “Isso vai impactar o preço dos alimentos em todo o planeta”.

A cepa do vírus da febre suína africana que se espalha pela Ásia é agressiva e mata praticamente todo animal que acomete, causando hemorragia similar ao efeito do Ebola nos seres humanos. Não há casos, no entanto, de pessoas infectadas.

Os danos à suinocultura são especialmente críticos para a China, cuja cadeia produtiva movimenta US$ 128 bilhões e que detém o terceiro lugar no ranking global de consumo per capita.

Segundo Juan R. Luciano, diretor-executivo da Archer-Daniels-Midland Company, uma das maiores traders globais de commodities, o plantel da China poderá ser reduzido em até 30%.

“A China certamente terá de importar grandes quantidades de carne suína, e mesmo de outras carnes como bovina e de frango, para atender a demanda interna”, disse Juan Luciano numa teleconferência em 26 de abril. Para ele, as compras chinesas devem impulsionar também as vendas de farelo de soja – insumo básico para ração animal – na América do Norte, no Brasil e na Europa.

Os preços da carne suína na China, no atacado, já aumentaram 21% em relação a um ano atrás. Também já subiram nos EUA e na Europa, depois que os frigoríficos destinaram volumes maiores para a Ásia. Segundo a Interporc, indústria com base em Madri, o preço do bacon na Espanha saltou 20% em março, enquanto o pernil ficou 17% mais caro na Alemanha.

“O potencial de risco é enorme”, avisa Angus Gidley-Baird, analista de commodities do Rabobank em Sydney. “Estamos diante do fato mais importante no mercado de proteína animal neste ano que, provavelmente, terá desdobramentos por vários anos. Os mercados serão abalados e isso pode influenciar até as configurações geopolíticas”.

O impacto já se espalhou para outros tipos de carne. As exportações de carne bovina da Austrália para a China cresceram 67% no primeiro trimestre. No Brasil, as ações de frigoríficos como JBS e Minerva dispararam em meio ao otimismo de vendas mais fortes para a China.

Importação de mais carne por parte da China acabará impactando nos preços dos alimentos em outros países. A extensão desse efeito cascata vai depender de quão rapidamente a epidemia poderá ser controlada. Dados oficiais mostram uma desaceleração do número de porcos infectados desde o final do ano passado, em apoio à versão do governo de que a doença está “efetivamente sob controle”.

No entanto, analistas de mercado, da Morgan Stanley ao Citigroup e ao USDA, não estão convencidos de que a doença não esteja mais se espalhando.

A carne suína é o item mais importante da cesta básica chinesa e sua influência sobre o preço das outras carnes significa que, se o preço dobrar, a inflação pode aumentar 5,4%. Isso num cenário em que todo o restante permaneça inalterado, segundo o Citigroup, que prevê um índice de inflação de 2,6% para a China em 2019.

O governo chinês provavelmente vai classificar qualquer inflação relacionada à carne suína como um evento extraordinário, separado do custo de outros produtos – diz Liu Ligang, economista-chefe para assuntos da China no Citigroup, em Hong Kong. Ainda assim, se o aumento do preço dos derivados suínos fizer a inflação ultrapassar o teto de 3%, o Banco do Povo da China poderá tomar medidas mais agressivas para intervir na economia.

“Quanto mais se estuda a questão, mais medo se tem de seus possíveis desdobramentos”, afirma Liu. “Estamos falando de um choque na oferta, não na demanda, e o resultado pode ser temporário. No entanto, podemos muito bem estar diante de um choque prolongado na oferta de carne suína devido à agressividade desta doença”.

A epidemia também pode repercutir na política. Na avaliação de Suderman, da INTL FCStone, é possível que Xi Jinping queira finalizar logo as negociações comerciais com o presidente Donald Trump, tanto para facilitar a importação de carnes dos EUA, como para permitir que os esforços do Parlamento se concentrem exclusivamente no controle da doença.

O surto da febre suína africana também revela a necessidade urgente de investimentos do governo chinês na prevenção sanitária, avalia Amanda Glassman, diretora de operações do Center for Global Development.

A febre suína na China mostra que “os sistemas de monitoramento de doenças que acometem animais e seres humanos não estão funcionando tão bem como deviam”, aponta Glassman. “Isso deveria preocupar a todos, visto que é enorme o potencial de danos de um surto em larga escala”.

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