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Durou apenas uma semana o efeito da suspensão da taxa antidumping para a importação de leite em pó da Europa, publicada no Diário Oficial da União em 06/02. O setor agropecuário protestou, houve alerta de grave risco para a cadeia leiteira nacional e a bancada ruralista colocou pressão sobre o governo. Em meio ao imbróglio, o próprio presidente Jair Bolsonaro afirmou que diante “da realidade da cadeia do leite, tinha que se achar uma solução”.

O desfecho veio nesta terça-feira (12), quando o presidente usou o Twitter para comemorar o aumento do imposto de importação de leite em pó. “Comunico aos produtores de leite que o governo, tendo à frente a ministra da Agricultura Tereza Cristina, manteve o nível de competitividade do produto com outros países. Todos ganharam, em especial, os consumidores do Brasil”, escreveu Bolsonaro.

Pouco antes da manifestação do presidente, e após um almoço da bancada ruralista, o líder da Frente Parlamentar Agropecuária, deputado Alceu Moreira (MDB-RS), já havia informado sobre o rearranjo das tarifas. O governo vai publicar quinta-feira um decreto que eleva de 28% para 42,8% a taxa, espécie de pedágio, que os europeus têm de pagar para acessar o mercado brasileiro.

Na prática, é como se a tarifa antidumping de 14,8% tivesse sido mantida. A taxa estava em vigor há 18 anos e visava evitar a concorrência desleal do leite subsidiado no continente europeu. Um estudo da área econômica do governo, no entanto, concluiu que entre 2012 e 2017 não houve venda de leite em pó da Europa e da Nova Zelândia a preços abaixo dos de mercado (o que caracterizaria o dumping). Na realidade, há anos as taxas proibitivas impedem qualquer negócio envolvendo leite em pó vindo dessas regiões.

A decisão de restituir a taxação do leite em pó aos níveis anteriores não afeta a Nova Zelândia, que deixou de pagar uma taxa antidumping de 3,9%.

Concorrência com o Tesouro

Para Guilherme Souza Dias, zootecnista do Departamento Técnico-Econômico da Federação da Agricultura do Paraná (FAEP), a questão mais sensível envolve os subsídios, e não necessariamente a demonstração da existência de dumping: “não é possível ao produtor de leite brasileiro concorrer com o Tesouro dos países europeus”.

“Eles verificaram preço contra preço, mas ninguém sabe ao certo quanto de subsídio é aplicado nestes países. Na Europa, é notória a existência de subsídio. O setor produtivo europeu só sobrevive com a participação do tesouro”, assegura Dias.

O deputado Sérgio Souza, vice-presidente da região Sul da Frente Parlamentar da Agropecuária, disse que o ministro Paulo Guedes deverá almoçar com os deputados ligados à agricultura nas próximas semanas.

“Acho que há uma falta de sintonia do governo com as causas do agronegócio e da agricultura familiar, não acredito que seja má fé. A aproximação com os EUA, por exemplo, é muito boa. Mas eles são os maiores concorrentes do setor agro em soja, frango e suíno. O produtor de algodão americano é extremamente subsidiado”, lembra o deputado.

Outro ponto de desencontro do governo com o agronegócio, observa Souza, é a questão árabe. “Se mudar a embaixada (de Israel) para impor a vontade de dois ou três ministros, você vai criar uma crise que afeta nossa economia. Nós sabemos quão fundamentalista é o povo árabe. Se mudar a mesquita de lugar, cria uma guerra. Se vai mudar a embaixada para seguir a opinião de um ministro ou para agradar americanos e israelenses, pode bloquear a venda de carne halal para aquela região, e vamos ter um monte de frigoríficos fechados”.

A cadeia produtiva de leite no Brasil envolve um milhão de propriedades, a maioria de pequenos produtores que têm no leite a única renda regular e mensal. Guilherme Dias observa que a produção é muito próxima da necessidade do mercado interno. “Qualquer flutuação, seja na ponta do consumo ou da oferta, causa um efeito muito expressivo no mercado. Se o preço do leite subir, o laticínio vai buscar a maneira mais barata de obter a matéria prima. E o leite em pó pode ser estocado, uma vantagem logística muito maior do que adquirir dos produtores daqui”.

O próximo round da ‘briga do leite em pó’ deve envolver as importações dos países do Mercosul, isentas de sobretaxa. “O Uruguai manda leite em pó para cá custando, em média, 60 centavos o litro, sendo que, no Brasil, o custo de produção é 1,10. Lá eles conseguem produzir mais barato porque levam o trator daqui por metade do preço, levam insumos e ordenhadeiras pagando 30% do que custa para o brasileiro, e depois exportam para o Brasil com zero por cento de impostos. E nós temos uma carga tributária em torno de 35%”, aponta Souza.

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