Os campos brancos de algodão vão ocupar uma área recorde nas regiões Centro-Oeste e Nordeste nos próximos meses para dar conta do crescente interesse mundial pelo produto brasileiro, valorizado em função da guerra comercial entre EUA e China. De uma safra para outra, o incremento nas exportações será de mais de 40%, ou cerca de 600 mil toneladas. Em ritmo acelerado de expansão, a pluma “Made in Brazil” já ultrapassou no ano passado a Índia no ranking de exportações, ficando atrás apenas dos Estados Unidos.
Tamanha procura internacional pressiona a logística de exportação, que esbarra nos custos do frete rodoviário e estrutura portuária. “Esse é um gargalo que ainda temos: tirar o algodão o mais rápido possível depois da colheita”, aponta Milton Garbugio, agricultor mato-grossense que é presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (ABRAPA).
No Mato Grosso, principal produtor nacional, os agricultores responderam rápido aos preços atrativos do algodão e aumentaram em 200 mil hectares a área plantada neste ciclo, totalizando 955,9 mil hectares. A produção total brasileira na safra 2019/20 deve crescer 17,8%, chegando a 2,5 milhões de toneladas, como resultado direto do aumento de 23,2% na área, estimada em 1,5 milhão de hectares. Em termos de produção, estão à frente do Brasil apenas os EUA (4,2 milhões de toneladas), China (5,8 milhões de toneladas) e Índia (6 milhões de toneladas).
O crescimento da participação brasileira no comércio internacional acontece num contexto de recuo de 5,3% nas exportações americanas, efeito da guerra comercial, e de 15,1% nos embarques da Índia, afetada por questões climáticas. “A China está olhando para o mercado brasileiro, por causa dessa dificuldade comercial com os americanos. Quem compra quer ter a certeza do fornecimento”, observa Garbugio.
Segundo dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea - Esalq/Usp), os contratos para exportação para embarques durante 2019 apresentam média de US$ 0,7901/lp, a mais elevada em quatro anos. No mercado interno, houve queda de 4,13% nas cotações devido a uma postura “recuada” das indústrias, segundo o Cepea, que estão comprando pequenos volumes e trabalhando com contratos já fechados anteriormente.
À parte oscilações pontuais, o engenheiro agrônomo Bento Ferreira, responsável pela Fazenda Bahia em Pedra Preta (MT), confirma a boa rentabilidade da cultura. “O Mato Grosso aumentou significativamente a área de produção de algodão em detrimento do milho e de outras culturas. É mais vantajoso do que soja e muito mais do que o milho”, assegura.
Sem blefes
Outra característica da cadeia produtiva é a venda antecipada. “Ninguém blefa com o algodão. Ele é muito caro, não dá para brincar. O custo de produção é de US$ 2 mil a US$ 2,5 mil o hectare. Se der uma baixa, você se enrola”, diz Ferreira. O ideal, explica o agrônomo, é trabalhar com custos protegidos, travando os preços para garantir o pagamento dos insumos.
Diante do cenário, surge a dúvida: o avanço do algodão não pode acabar retirando espaço do milho, principal cultura de inverno no Mato Grosso?
Para o gestor técnico do Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (IMEA), Cleiton Gauer, o algodão apenas ‘empurra’ o milho para outras áreas. “São 200 mil hectares que acabam ganhando espaço. O algodão entra nessas áreas melhores e o milho acaba sendo remanejado para novas áreas. Nesta safra, teremos até um pequeno aumento da área cultivada de milho em relação ao ano passado”, assegura. Ele lembra que a produção de algodão é altamente tecnificada, ou seja, “a competição não ocorre necessariamente em todas as fazendas”.
A indústria nacional, que já chegou a consumir metade da produção de pluma de algodão, hoje processa apenas um terço, cerca de 700 a 750 mil toneladas. O presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Fernando Pimentel, destaca a possibilidade de o país lucrar muito mais com essa cadeia produtiva. “Se considerarmos o algodão em pluma, existe um potencial de faturar quase US$ 2,5 bilhões em exportações. Mas se exportássemos produtos já confeccionados (vestuário), em vez de US$ 2,5 bilhões seriam US$ 25 bilhões. A capacidade de agregar valor é enorme, assim como a geração de empregos”, destaca.
Uma vantagem competitiva do algodão brasileiro no mercado internacional está na sustentabilidade de seu sistema de produção, com pouco uso de água – apenas 4% dos cultivos são irrigados. A Austrália, em contrapartida, sofre pressão ambiental por utilizar irrigação na maior parte da área de cultivo.
Pimentel observa que o Brasil deverá atender 40% do aumento mundial do consumo do algodão nos próximos 30 anos. “Nosso objetivo é que cada vez mais o algodão seja levado ao exterior como um produto de valor agregado, na forma de design, moda, sustentabilidade, inovação e tecnologia. Conseguir transformar o algodão cada vez mais aqui dentro, este é o meu sonho de consumo”, destaca.
A consistência da expansão da commodity no Brasil, segundo Garbugio, da ABRAPA, está relacionada a uma combinação de fatores: “Depende do clima para o próximo ano, se vai chover bem para ter janela e fazer o plantio na época certa. Depende também de maquinários e disponibilidade de recursos, que o algodão exige bastante. E tem a questão da tabela do frete, que ainda não está bem decidida. Por fim, se temos aumento de produção, precisamos de aumento de disponibilidade de navios e contêineres”.
O mercado mundial para fibras têxteis é de 100 milhões de toneladas. Atualmente, o poliéster responde por mais de metade da demanda, cerca de 52 milhões de toneladas. O algodão é responsável por outros 25%.
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