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sem regulamentação

Lei libera salame caseiro e queijo colonial. Fiscais alertam sobre riscos ao consumidor

Antes da lei, a fiscalização de alimentos com produtos de origem animal estava na esfera dos órgãos de agricultura | Jonathan Campos/Gazeta do Povo
Antes da lei, a fiscalização de alimentos com produtos de origem animal estava na esfera dos órgãos de agricultura (Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo)

Queijos, salames e linguiças produzidos de forma artesanal ganharam passe livre para a mesa do consumidor, sem qualquer garantia de que tenham sido submetidos a um processo de fiscalização sanitária, expondo as pessoas ao risco de contaminação com doenças graves. É o que denunciam auditores fiscais agropecuários federais e o Instituto Proteste, após entrar em vigor a nova lei dos produtos artesanais (Lei 13.680), no último dia 15 de junho. Para evitar a permanência do “limbo” legal, o Ministério da Agricultura corre para preparar uma regra de transição.

Na prática, a nova lei retirou dos departamentos federais, estaduais e municipais de agricultura a atribuição de fiscalizar os alimentos artesanais. Esse trabalho deverá ser feito pelos órgãos de saúde pública dos estados e do Distrito Federal. No entanto, o parágrafo 5º do Artigo 10-A diz que “até a regulamentação do disposto neste artigo, fica autorizada a comercialização dos produtos a que se refere este artigo.”

“Nenhuma legislação hoje define o que é o produto artesanal. O regramento estava sendo feito pelo Ministério da Agricultura, mas agora tudo foi atropelado. Há um vácuo legislativo. A lei foi publicada sem regulamentação, deixando os produtos artesanais sem nenhum tipo de fiscalização até que outro regramento seja elaborado. Isso pode demorar muito, pois há o tempo necessário para que os novos órgãos responsáveis se preparem para começar a fiscalizar e, enquanto isso, o consumidor fica totalmente exposto”, alerta a auditora fiscal agropecuária Mayara Souza Pinto.

Retrocesso

A Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste) diz que “não aprova” a lei 13.680 e que entende que a medida “prejudicará os consumidores”, além de evidenciar “um retrocesso higiênico-sanitário que abre portas para os comércios clandestinos”.

A Proteste discorda também do parágrafo 4º da lei, que diz que “a inspeção e a fiscalização da elaboração dos produtos artesanais com o selo ARTE deverão ter natureza prioritariamente orientadora”. Para o instituto, “é necessário que haja uma regulamentação punitiva, além de orientadora, para que os produtores e comerciantes se comprometam a cumprir o que será proposto e saibam que, caso não cumpram, estarão sujeitos a penalidades”.

Durante a tramitação do projeto de lei, a Unidade Técnica Virtual de Defesa Agropecuária, do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal do Ministério da Agricultura, elaborou nota técnica contrária à proposta. Entre os pontos levantados, está o fato de os riscos do produto artesanal poderem ser iguais ou até maiores do que o produto elaborado em ambiente industrial, a depender da condição de saúde do rebanho que originou o produto, das barreiras térmicas aplicadas no processo para impedir a propagação de pragas e das boas práticas de fabricação.

Matéria-prima crua

Segundo o documento, a fiscalização sempre ficou a cargo da agricultura por causa da importância de acompanhamento desde a sanidade do rebanho até a industrialização, garantindo que não houve contaminação em nenhuma das fases produtivas. Considerando que alguns produtos são feitos com matéria-prima crua, a atenção deveria ser ainda maior.

“A própria Agência de Vigilância Sanitária foi contrária à mudança. Quando esses produtos vão para o comércio, daí sim a fiscalização é da Anvisa. O que se está dizendo agora é que a Vigilância Sanitária terá de fiscalizar também desde as fazendas, o que era atribuição dos órgãos de agricultura”, destaca Mayara Souza Pinto. Ela aponta ainda o número insuficiente de veterinários nos órgãos de saúde para fazer a fiscalização, além de falta de treinamento específico para o controle nas propriedades rurais.

“Concordamos com a necessidade de valorização destes produtos de enorme importância social e cultural. Apenas queremos que o assunto seja tratado com a responsabilidade e cuidado que merece, de forma a não causar risco à saúde de ninguém.”, argumenta.

Entre as doenças que podem ocorrer em decorrência de consumo de produtos de origem animal contaminados estão a salmonelose, listeriose e intoxicação por Staphylococus aureus, entre outras. “Há diversas doenças que podem causar desde sintomas leves a gravíssimos, que podem levar inclusive à morte. Em 1998, em Nova Serrana, Minas, 253 pessoas foram contaminadas por uma espécie de bactéria (Streptococcus zooepidemicus) que causa uma doença que afeta os rins, por consumo de queijo fresco elaborado com leite cru. Sete pessoas ficaram dependentes de hemodiálise e três morreram”, lembra a fiscal.

CNA apoia mudanças

A Confederação de Agricultura e Pecuária (CNA), que com o SEBRAE apoiou as mudanças na lei, discorda de que haja um vazio de fiscalização. “Isso não tem, a lei é clara que só pode ser comercializado se passar pelo serviço estadual. Algum critério de sanidade terá que ser obedecido”, diz Thiago Rodrigues, assessor da CNA. Ele reconhece, no entanto, a necessidade urgente de avançar: “Queremos que a lei seja regulamentada, principalmente para haver segurança jurídica para o produtor que vai fabricar este produto. A insegurança jurídica está na definição do que é o produto artesanal, é preciso regulamentação para que o verdadeiro produtor artesanal seja beneficiado. Do jeito que está, nada impede que uma agroindústria coloque o selo e comercialize no embalo”.

O desafio de classificar o que é artesanal envolve itens como método de fabricação, produção em propriedade única, tradição regional, padrão produtivo, receita, etc. “Tudo isso precisa ser pensado, se não, banaliza o produto”, salienta Thiago Rodrigues.

O secretário de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Luís Rangel, diz que a pasta irá liderar o processo de regulamentação do decreto. “Vamos tentar soltar, sem comprometer prazos, uma regra transitória. Por que a lei é autoaplicável, então, podemos soltar uma orientação sobre o que os estados têm de fazer nesse sentido (da fiscalização)”, diz Rangel.

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