É o fim da Monsanto.
A Bayer anunciou nesta semana que abolirá a marca Monsanto até o mês de agosto, quando tiver finalizado a compra da empresa por US$ 66 bilhões.
A aquisição, aprovada pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos, vai resultar na maior companhia de sementes e defensivos do mundo, reunindo sob um só guarda-chuva os negócios com agroquímicos da Bayer e o portfólio de sementes transgênicas da Monsanto.
No processo de construção de seu portfólio, a Monsanto se transformou numa das corporações mais odiadas do mundo. Seu nome se espalhou em cartazes de protestos e é frequentemente invocado em argumentos sobre os supostos males de pesticidas e organismos geneticamente modificados.
A decisão de abandonar a marca Monsanto é parte de uma estratégia mais ampla de reconquistar a confiança dos consumidores – disse Liam Condon, presidente da Divisão Agrícola da Bayer durante uma coletiva de imprensa, segunda-feira (04). O diretor-executivo da Bayer, Werner Baumann, afirmou que a companhia redobrará seus esforços para responder aos críticos.
“O ponto mais importante, agora, após mudarmos o nome da empresa, é falar sobre os valores que nortearão a nova companhia”, enfatiza Condon. “Só mudar de nome não resolve muita coisa – temos que explicar aos agricultores, e também aos consumidores, por que a nova empresa é importante para as lavouras e os alimentos, e como isso impacta os consumidores e o meio ambiente”.
“Confirmar o nome Bayer é apenas um passo”, acrescenta. “Claro que é preciso haver muito mais engajamento com as pessoas”.
Os executivos da Bayer afirmam que é muito cedo para dizer exatamente de que forma este engajamento irá acontecer. A compra da Monsanto será oficializada no dia 7 de junho, mas as empresas não se integrarão até que a Bayer se desfaça de unidades de negócios no valor de US$ 9 bilhões, uma das exigências antitruste do Departamento de Justiça dos Estados Unidos.
A Monsanto é um player global na produção de defensivos agrícolas e sementes transgênicas, e seus pacotes tecnológicos têm ajudado a aumentar as colheitas e a reduzir problemas com pragas. No entanto, apesar de o negócio a tornar popular entre muitos agricultores, uma série de escândalos arruinou sua imagem com os consumidores.
A empresa é alvo de críticas por parte de ambientalistas, que questionam a segurança de seus transgênicos e defensivos; por acadêmicos, que dizem que a companhia distorce pesquisas científicas; e por agricultores, que alegam ser prejudicados pelo rígido monopólio no fornecimento de sementes modificadas geneticamente.
Recentemente, a Monsanto enfrentou questionamentos sobre a segurança de seu herbicida mais famoso, o Roundup, e os efeitos ambientais indesejados de um outro produto, chamado Dicamba.
“Somos muito orgulhosos pelo que conquistamos através da Monsanto”, disse a porta-voz da empresa, Christi Dixon, “e estamos ansiosos em acelerar a inovação na agricultura, agora sob o comando da Bayer”.
Os críticos da Monsanto dizem que não vão baixar a guarda, mesmo com a empresa passando a operar com um novo nome. Muitos não se surpreenderam com a decisão de abandonar uma marca de 117 anos, que era o sobrenome de solteira da esposa do fundador, John F. Queeny.
“Já esperávamos que a Bayer acabasse com a marca Monsanto por causa da péssima reputação desse nome”, assegura Wenonah Hauter, diretor-executivo da ONG Food & Water Watch, um crítico frequente da empresa. “Mas a não ser que abandonem os produtos e práticas destrutivas da Monsanto, o nome Bayer passará a ser sinônimo de desastre ambiental e ameaça à saúde pública”.
Condon informou que a Bayer pretende manter o quartel-general da Monsanto em St. Louis e os nomes dos produtos da empresa, incluindo o Roundup. A nova companhia, segundo ele, permanecerá focada em pesquisa e desenvolvimento.
Não há evidência que os produtos transgênicos ofereçam qualquer risco à saúde humana. Mas o uso excessivo de defensivos agrícolas, como os que são vendidos pela Monsanto para suas lavouras transgênicas, está relacionado a danos ambientais e ao aumento da resistência a herbicidas.
No Brasil, hegemonia e desgaste
No início dos anos 2000, as sementes geneticamente modificadas da Monsanto avançaram rapidamente nas lavouras brasileiras, apesar da oposição ferrenha de alguns políticos e ambientalistas, como o então governador do Paraná, Roberto Requião, e ministra do Meio Ambiente à época, Marina Silva.
Em outubro de 2003 o governador Requião sancionou lei que proibia o cultivo, manipulação, importação, industrialização e comercialização de transgênicos no Paraná. Exceto para fins de pesquisa científica. No entanto, naquele mesmo ano, meses antes, o Movimento dos Sem-Terra já havia invadido áreas de pesquisa da empresa em Ponta Grossa (PR) e em Santa Helena de Goiás.
A lei de Requião forçou até mesmo a soja paraguaia a encontrar outro caminho para o mercado internacional. Em pânico num primeiro momento, hoje os paraguaios agradecem a medida drástica do governador paranaense que fez o país descobrir a vocação de suas hidrovias e abandonar o caminho rodoviário até o Porto de Paranaguá.
Carlos Augusto Albuquerque, assessor técnico da Federação da Agricultura do Paraná, lembra que a Monsanto “apanhou muito” na conquista do mercado brasileiro. Entre os produtores, a questão era o uso de sementes transgênicas salvas de uma safra para outra. “Os produtores não queriam pagar royalties, mas a Monsanto dizia que ali tinha a tecnologia”, diz Albuquerque.
A expansão da Monsanto não interessava a concorrentes como a Syngenta e a Bayer, que estavam atrasadas na pesquisa transgênica. Albuquerque observa que houve muita guerra de informação e até fake news envolvendo o assunto na Europa, onde até hoje há mais resistência aos produtos geneticamente modificados.
Quanto às campanhas do senador Requião contra a transgenia, Albuquerque aponta que elas deram resultado para o Porto de São Francisco, em Santa Catarina, “que se beneficiou bastante com as cargas rejeitadas por Paranaguá”, e para o Paraguai, que “buscou e encontrou outra rota para exportações”. A lei do Paraná contra os transgênicos foi considerada inconstitucional pelo STF, dois meses depois de sua promulgação. À exceção de nichos para o produto convencional, as sementes transgênicas ocupam atualmente quase toda a área plantada com soja e milho no estado (de 98 a 99% da soja e 100% do milho, segundo o Departamento de Economia Rural da Secretaria de Agricultura).