“O conceito de comércio por si só mudou radicalmente. O problema é que as regras na OMC, não”, avalia Willy Alfaro.| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

Em dez anos, o conhecimento que se tinha sobre o comércio internacional mudou radicalmente. Primeiro, a crise global da economia em 2008; depois, a chegada de Donald Trump à Casa Branca, em 2016, e uma escalada das tensões comerciais entre gigantes, como Estados Unidos e China. À feição de ringue, as negociações deram lugar a retaliações que preocupam a Organização Mundial do Comércio (OMC), entidade que reúne mais de 150 países-membros e faz a vez de juiz no embate. A crise, inclusive, leva à autocrítica de que é necessário avançar. “O conceito de comércio por si só mudou radicalmente. O problema é que as regras na OMC, não”, avalia o diretor de revisão de políticas comerciais da instituição, o suíço Willy Alfaro. Alfaro esteve em Curitiba exclusivamente para participar do 6º Fórum de Agricultura da América do Sul, evento promovido pelo Núcleo de Agronegócio da Gazeta do Povo.

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Agronegócio Gazeta do Povo – Como a OMC enxerga o atual momento do comércio global?

Willy Alfaro - Esse é um momento muito sério e preocupante, há muitas tensões que estão o afetando, incluindo declarações difíceis de membros do sistema. Se essa situação continuar, isso pode esquentar o clima no sistema internacional, que foi benéfico para tantos membros por tanto tempo. Nossa intenção é esclarecer esse estresse para todos que fazem parte dele, não só governantes, mas, o mais importante, para o setor privado. O setor privado é diretamente o mais tocado pelas regras de comércio, ele se beneficia das regras e esse é o momento em que precisamos falar dos benefícios do sistema.

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Alfaro esteve em Curitiba exclusivamente para participar do 6º Fórum de Agricultura da América do Sul. 

AgroGP – O que mudou de fato nesses últimos anos?

WA - Houve mudanças significativas na forma como o comércio é conduzido hoje em dia em relação há apenas poucos anos. Nós temos novos atores na cena comercial, atores muito importantes, o panorama geral do comércio mudou. Isso explica de alguma forma porque as tensões comerciais emergiram recentemente. Temos que levar em consideração, ainda, que a maneira como o comércio era conduzido há algumas décadas mudou radicalmente. Não é mais o comércio de um produto final de um país para o outro. Hoje o conceito é de um encadeamento global. O produto é produzido em muitos países e é deslocado muitas vezes. O conceito de comércio por si só que costumávamos usar há poucas décadas mudou radicalmente. E o problema é que as regras que existem na Organização Mundial do Comércio atualmente não mudaram. Ainda. Existem essas brechas que os membros ocupam, quando o sistema não tem regras que são apropriadas para o século 21.

AgroGP – O que a OMC espera para os próximos anos? Entraremos no terceiro ano de mandato de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos e uma eleição imprevisível no Brasil, dois grandes atores globais...

WA - Isso é muito preocupante. Nós não sabemos para onde ou como avançaremos. Em primeiro lugar, a situação atual tem que ser resolvida. Há restrições comerciais e retaliações que não deveriam ser normais. Isso não é bom para a economia. Todos os países irão sofrer. Calendários políticos ocorrem em todo lugar a todo tempo, em cada eleição há um ator ou outro, mas o importante é manter a confiança no sistema e isso é algo que precisamos rever. No momento, alguns dos nossos membros estão questionando os princípios do sistema multilateral. E isso é muito sério. Não é algo pontual aqui ou lá, eles estão questionando os princípios pela essência, os princípios das negociações multilaterais, os princípios das discussões comerciais antes de entrar em conflito. De alguma forma, as discussões já começaram. Alguns membros já estão falando sobre reformar a Organização Mundial do Comércio. Isso pode ser bom, uma oportunidade para precisamente atualizar a forma como a OMC funciona, atualizar a maneira como os membros negociam acordos comerciais e atualizar as áreas cobertas pelas regras do comércio multilateral.

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AgroGP – Desde 2016, como se comportaram as trocas comerciais?

WA - O que temos observado é que, olhando para trás, para 2008 e 2009, quando eclodiu a crise financeira global, toda a economia mundial foi afetada. Isso teve um grande impacto sobre o comércio, que desacelerou tremendamente como não se via há muitos anos. Algumas pessoas dizem que as razões para isso é que foram criadas barreiras. Acreditamos que é verdade em certo ponto, mas não tanto quanto se fala. Isso foi mais um problema da economia global. Mais recentemente, o comércio global recuperou o ritmo e no último ano, por exemplo, nós registramos um crescimento no trânsito de mercadorias de 4,7%. Isso é muito bom, muito positivo. E ocorreu em todos os cantos do planeta, de forma sincronizada, isso não era visto há muito tempo. Um resultado muito bom, mas as atuais tensões comerciais colocam alguns obstáculos à continuidade desse aumento. Nós estimamos que, para esse ano, o crescimento vai continuar, mas não tão grande quanto no último ano.