Em um sinal de que as crescentes tensões entre os Estados Unidos e outros países não devem acabar tão cedo, o governo americano anunciou um pacote de ajuda emergencial de US$ 12 bilhões para agricultores apanhados no meio do fogo cruzado da guerra comercial promovida pelo presidente Donald Trump.
Meses atrás, Trump ordenou que o secretário de Agricultura, Sonny Perdue, preparasse uma lista de possíveis medidas para compensar os produtores rurais, que reclamavam das tarifas agrícolas retaliatórias por parte da China e outros países. O novo pacote de benefícios anunciado nesta terça-feira começa a vigorar em setembro.
A ajuda emergencial é direcionada para produtores de soja, criadores de gado de leite e suinocultores, entre outros. Os oficiais da Casa Branca esperam que a medida diminua, temporariamente, o descontentamento de entidades rurais, mas o novo plano pode acender debates sobre o uso do dinheiro público e os custos não previstos da estratégia comercial belicosa de Trump.
“Como todos sabem, o presidente Trump prometeu desde o primeiro dia de mandato que seria defensor de cada agricultor e pecuarista deste País”, disse o secretário Perdue. “Hoje, este anúncio é o cumprimento daquela promessa”.
Representantes do setor agropecuário têm reclamado que as reações da China e outros países às medidas comerciais protecionistas de Trump podem custar-lhes bilhões de dólares, assustando republicanos que temem os prejuízos econômicos e políticos resultantes da estratégia do presidente. A China e o México já impuseram sobretaxas à carne suína em resposta às tarifas de Trump.
O dinheiro será liberado quase simultaneamente às eleições legislativas deste ano em alguns dos estados mais duramente castigados pelas retaliações. Há várias disputas para o Senado em estados de forte perfil agrícola, como Missouri, Dakota do Norte e Indiana, em novembro, e o resultado das urnas pode determinar quem controlará a câmara alta no ano que vem.
A Casa Branca tem procurado por meses uma saída para dar ajuda emergencial aos agricultores, sem recuar na retórica comercial de Trump. O novo programa distribuirá US$ 12 bilhões através de três diferentes mecanismos administrados pelo Departamento de Agricultura (USDA). Fontes oficiais informaram que o valor foi calculado para compensar US$ 11 bilhões em prejuízo econômico imposto aos fazendeiros americanos pelas retaliações.
Os recursos serão repassados por meio de assistência direta, aquisições do governo e um programa de promoção do comércio.
Os dois primeiros programas miram setores atingidos diretamente pelas tarifas chinesas: produtores de soja, milho, trigo, algodão e sorgo estarão habilitados a receber pagamentos diretos após a colheita deste ano, assim como granjeiros de leite e suinocultores. Em outra ação, o USDA irá comprar excedentes de frutas, castanhas, arroz, feijões, carnes e leite para distribuição a bancos de alimentos e outros programas de assistência nutricional.
“Esses programas estão sendo organizados para que possamos dar uma resposta a retaliações injustas”, disse Jason Hafemeister, conselheiro de comércio do USDA.
A ajuda emergencial seguirá os moldes do programa de Crédito Corporativo das Commodities (CCC), uma divisão do USDA criada durante a Grande Depressão, em 1933, que oferecia ajuda financeira aos agricultores.
As cotações de soja, particularmente, tiveram queda acentuada nos últimos meses. Trump tem se esquivado de assumir a culpa por isso, ao mesmo tempo em que promete tomar conta dos agricultores, muitos dos quais são eleitores de estados de grande importância política, como Iowa e Wisconsin.
O novo plano do USDA proverá fundos emergenciais para ajudar os agricultores mas não prevê solução de longo prazo, caso persistam as disputas comerciais com a China e outros países.
As autoridades do Departamento de Agricultura enfatizaram que o pacote de assistência é uma medida de curto-prazo, com a intenção de preservar o interesse dos produtores na atual temporada, até que o governo “alcance sucesso” na conclusão das negociações comerciais.
Nos termos do programa CCC, o pacote de benefícios não precisa passar pelo Congresso. O programa pode tomar emprestado até US$ 30 bilhões do Tesouro para “estabilizar, apoiar e proteger a renda e os preços agrícolas”.
Ainda assim, alguns republicanos advertiram meses atrás contra a ideia de usar o programa CCC no contexto de uma guerra comercial, dizendo que isso pode distorcer forças do mercado, pagando aos agricultores por bens que eles não produziram. Nesta terça-feira, tanto democratas como republicanos criticaram o caminho adotado pelo governo. Pelo menos dois parlamentares republicanos disseram que o programa é uma espécie de “assistência social para agricultores”.
“Nossos produtores têm sido unânimes em dizer que eles querem comércio, não ajuda, e agora estão sendo colocados num plano de assistência social”, disse o senador Bob Corker, republicano do Tennessee. “As políticas comerciais adotadas pelo governo fazem com que, agora, este mesmo governo invoque uma política assistencialista aos nossos produtores. Não estou convencido de que é isso que eles querem. Então a pressão continuará. Cada vez chegam mais reclamações e espero que, em breve, essa política equivocada chegue ao fim”.
Os senadores republicanos Rand Paul, do Kentucky, e Bem Sasse, do Nebraska, também foram duros nas críticas ao novo plano de Trump.
“Se as tarifas castigam os produtores, a resposta não é o assistencialismo, mas a remoção dessas tarifas”, comentou Rand Paul pelo Twitter.
Outros republicanos saíram em defesa de Trump. “Nosso presidente já enfrentou um ditador acostuma a bullyng e agora está se levantando para defender a América rural”, disse o presidente da Comissão de Agricultura da Câmara, Mike Conaway, referindo-se à disputa do presidente com a China. “É uma batalha justa. Enquanto a luta se desenrola, nossos produtores precisam ser ajudados a sobreviver”.
Após meses seguidos de críticas de republicanos e grupos empresariais à estratégia comercial de Trump, os oficiais da Casa Branca vinham tentando atenuar as reclamações, e alguns acreditam que o pacote agrícola ajudará. Trump pediu paciência aos críticos, na medida em que acredita que, ao pressionar outros países, eles serão forçados a remover tarifas sobre produtos americanos, beneficiando as empresas locais. Mas, até agora, tem acontecido justamente o contrário.
Nos últimos quarto meses, Trump impôs tarifas em importações de aço e alumínio da China, Canadá, México, União Europeia, Japão e vários outros países, e tem ameaçado aumentar o escopo das tarifas, estendendo-as para carros e urânio, entre outros produtos.
Vários dos países atingidos responderam impondo tarifas próprias contra os EUA, e os agricultores reclamam que as retaliações vêm justamente de seus principais clientes.
A China, por exemplo, anunciou imposição de tarifas sobre a soja americana, transferindo assim boa parte de seu consumo para a produção brasileira. Os produtores americanos reclamam ser vítimas desta guerra comercial, mas, mais cedo, nesta terça-feira, Trump não deu sinais de que voltaria atrás.
“As tarifas são fenomenais!”, escreveu no Twitter. “Ou quem trata os Estados Unidos de forma injusta senta para negociar um acordo justo, ou será duramente castigado pelas tarifas. É simples assim! E todo mundo já está conversando!”.
Alguns conselheiros da Casa Branca, apreensivos sobre a estratégia adotada, esperam que outros países façam concessões rapidamente, antes que a temperatura da guerra comercial suba ainda mais. Mas críticos da política de Trump dizem que o pacote de ajuda emergencial aos agricultores é um sinal de que o impasse com outros países não terminará tão cedo.
O ex-presidente da Comissão do Orçamento da Congresso, Douglas Holtz-Eakin, disse que o socorro emergencial para os agricultores será o primeiro repasse direto de dinheiro público ao setor privado, algo incomum em tempos de economia fortalecida. Holtz-Eakin, um republicano, é um dos vários economistas conservadores que têm criticado duramente a estratégia de Trump. Ele disse nesta terça-feira que os programas que o USDA usará para socorrer os produtores não foram feitos com essa intenção.
“É uma ideia terrível”, disse Holtz-Eakin. Esses programas existem para socorrer os produtores contra catástrofes naturais e quebras inesperadas. Eles não são feitos para atenuar políticas mal elaboradas. Dois erros não se transformam em um acerto. É um mau uso dos programas do governo”.
É pouco comum que o governo tenha de lançar programas de assistência a produtores rurais por causa de medidas comerciais adotadas pelo próprio governo. Outros países podem levar o caso à Organização Mundial do Comércio, alegando que o Departamento de Agricultura inventou uma forma desleal de subsidiar os agricultores. Hafemeister, o conselheiro de Comércio do USDA, disse estar “confiante de que os apoios domésticos não ultrapassaram os limites das regras da OMC”.
Esta semana pode ser crucial para a estratégia de Trump. Ele deve se encontrar nesta quarta-feira com o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, que é um forte crítico da forma como Trump usa as tarifas para tentar obter concessões de outros países.
Trump sugeriu nesta terça-feira que a visita de Juncker é um sinal de que as autoridades da União Europeia estão se curvando às suas exigências, mas essas mesmas autoridades já avisaram que nenhum acordo de maior envergadura será fechado nesta semana. Na quinta-feira Trump falará sobre sua estratégia comercial nos estados de Illinois e Iowa, lugares em que o socorro emergencial aos agricultores deverá ser amplamente discutido. Em outra frente, senadores republicanos devem se reunir com um dos principais conselheiros de Trump, Peter Navarro, que é um dos entusiastas da estratégia comercial retaliatória adotada pelo presidente.
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