A operação Carne Fraca, deflagrada na sexta-feira (17) pela Polícia Federal e que revelou um esquema de fraudes na fiscalização da proteína animal entre frigoríficos e fiscais agropecuários do Ministério da Agricultura, está tirando o sono dos produtores brasileiros de frangos, suínos e bovinos. Com os embargos levantados por 22 países (até a noite desta sexta-feira (24)), a indústria pisou com força no freio e está deixando de comprar animais. Nesta semana, por exemplo, a JBS – maior processadora de carne bovina do mundo, e citada na Carne Fraca – anunciou o fechamento temporário de 33 das 36 plantas no país e a redução de 30% na produção. O exemplo foi seguido por frigoríficos menores.
O impacto desta atitude recai sobre o elo mais frágil da cadeia: os produtores, principalmente os pequenos. Sem ter para quem vender, eles são obrigados a manter o animal no aviário, na granja, no confinamento ou no pasto, aumentando consideravelmente os custos de produção e, como consequência, diminuindo as margens de lucratividade.
A situação é mais sensível para os avicultores. Só no Paraná são 8 mil. Considerada uma cultura rápida, o animal é abatido com apenas 45 dias, quando atinge 2,8 kg. Se passar do tempo, a ave corre o risco de passar das medidas exigidas pela indústria. “As consequências podem ser catastróficas. O produtor rural, principalmente o familiar, vai pagar caro por um erro que não cometeu. E quem vai indenizá-lo? Os produtores tomam todo o cuidado do mundo com sanidade. Qualquer deslize, e ele é punido economicamente com descontos no lote. E agora?”, questiona o diretor da Associação dos Avicultores do Norte do Paraná (Avinorte), Jean Pazinato.
Em Campo Mourão, na região Centro-Oeste do Paraná, o avicultor Junior Morais pretende entregar 70 mil frangos em menos de um mês, mas ainda depende do aval do frigorífico. “Estou muito preocupado com as consequências. Se a empresa decidir que terei de ficar mais alguns dias com os frangos nos galpões, vai gerar prejuízos e, se suspender a engorda das aves, vou ficar com dois galpões parados dando despesas”, conta o pecuarista, que tem dois aviários.
Os problemas de estoque e escala não atingem somente os produtores de aves. Os suinocultores também estão sentindo o impacto, embora o ciclo de criação de um suíno seja mais extenso (o animal é abatido entre 110 e 130 dias de vida). No pequeno município de Entre Rios do Oeste, a 73 quilômetros de Toledo, o suinocultor independente Jorge Rambo, que produz 4 mil animais por semana, deixou de entregar 1 mil desde o início da Carne Fraca. “A crise do ano passado, quando preço do milho disparou, tirou muita gente da atividade. Logo que a situação começa a melhorar, vem essa palhaçada”, protesta. Rambo também aponta outro problema. “Por causa do bloqueio de bens ordenado pela Justiça, os frigoríficos citados não estão pagando”, revela.
O presidente-executivo da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Francisco Turra, classifica a situação como estarrecedora. “O produtor, principalmente o pequeno, que representa 90% dos criadores, são os mais ameaçados. As margens já eram mínimas. Nós estávamos nos recuperando de um baque. E vem mais essa situação. Os produtores pequenos não aguentam. E isso é trágico. Mas nós estamos esperançosos na força e na qualidade da nossa carne”, diz.
Margem é maior com bovinos, mas não confortável
Mesmo diante da maior crise no setor de carnes nesta década, o preço do arroba do boi não sofreu quedas expressivas na última semana. E isso é resultado da falta de negócios entre frigoríficos e pecuaristas. Com os estoques cheios, as indústrias estão abatendo o que sobrou e evita novas aquisições.
Diferente de aves e suínos, bois têm ciclos de criação mais prolongados. Dependendo do modelo de criação e da pastagem, um animal pode ser abatido com 1 ano e 5 meses até 5 anos. Mas isso não quer dizer que não exista prejuízo. A consultora de mercado da Agrifatto, Lygia Pimentel, diz que a situação já era complicada para os pecuaristas antes mesmo da operação da Polícia Federal. “As cotações já estavam caindo. Mas sem negociações [entre frigoríficos e produtores], os preços podem derreter. Nestes momentos de turbulência, a volatilidade aumenta no mercado até encontrar um equilíbrio novamente”.
O Brasil tem o maior rebanho comercial de bovinos do mundo, com 215,2 milhões de cabeças. Segundo o pecuarista e vice-presidente da Sociedade Rural Brasileira, Pedro de Camargo Neto, os produtores estão pagando uma conta sem dever para ninguém. “Neste processo todo, os produtores são inocentes”, afirma. “A nossa preocupação é muito grande. Que os corruptos sejam presos e punidos, mas que a carne brasileira, com toda excelência, saia logo desta situação. A ação da Polícia Federal foi irresponsável”, critica.
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