Guerra comercial com EUA fez com que a China fosse o destino, em 2018, de mais de 80% dos embarques de soja do Brasil| Foto: Michel Willian/Gazeta do Povo

O que acontece atualmente na cadeia da soja, em que o Brasil “de repente passou a ser o maior fornecedor para a China”, é um exemplo de como a guerra comercial entre Pequim e Washington distorce os mercados e cria vantagens temporárias para países exportadores.

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É o que diz o relatório da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), divulgado nesta segunda-feira (4). Para a Unctad, a situação é volátil porque, como não se sabe a duração das tarifas, os produtores brasileiros mostram-se relutantes a tomar decisões de investimento que podem se mostrar não lucrativas, caso as tarifas sejam retiradas. “Para além disso, as empresas brasileiras que operam em setores que usam a soja como insumo - como a alimentação para a pecuária - tendem a perder competitividade por causa das altas de preços geradas pela demanda chinesa por soja brasileira”.

A China importa mais da metade da soja mundial, enquanto os americanos são os maiores produtores. Hoje, segundo estudo da Unctad, os dois países praticamente têm o poder de definir os preços internacionais do produto.

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Não é apenas a soja, e nem somente o Brasil, que estão tendo ganhos temporários por causa do embate entre as duas maiores economias do planeta. Segundo a Unctad, quem mais ganharia com a proliferação de tarifas nos EUA e China seriam os europeus, que têm um potencial de capturar US$ 70 bilhões nesse novo cenário. US$ 50 bilhões viriam do espaço que ocupariam no mercado americano substituindo os produtos chineses. O restante viria de um melhor acesso ao mercado chinês, desta vez substituindo os produtos americanos.

Colheita de soja no final de janeiro em Mato Grosso do Sul, registrada pela Expedição Safra da Gazeta do Povo 

Os cálculos ainda mostram que Japão, México e Canadá teriam um aumento de exportações de US$ 20 bilhões. Ainda que os dados sejam pequenos diante do total do comércio global, a ONU aponta que, em certos países, os ganhos seriam importantes. No caso do México, a alta seria de US$ 27 bilhões, o que representaria 6% de todas as vendas do país.

Tensão e retaliação

As tensões começaram a se tornar realidade no início de 2018, quando a China e EUA impuseram um total de barreiras que atingiram US$ 50 bilhões de cada uma das duas economias. “A confrontação rapidamente escalou e, em setembro de 2018, os EUA impuseram 10% de tarifas cobrindo US$ 200 bilhões de importações chinesas”, indicou a agência. Pequim respondeu com uma retaliação contra produtos americanos no valor de US$ 60 bilhões.

As barreiras entrariam em vigor em janeiro de 2019. Mas foram adiadas para o dia 1 de março, na esperança de que haja um “acordo de paz” entre as duas potências.

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De acordo com o estudo, 82% das exportações chinesas que serão alvo de tarifas serão substituídas por produtos vindos de outros países. Pequim irá manter apenas 12% desse total de US$ 250 bilhões. O que o levantamento mostra ainda é que apenas 6% do fluxo de produtos chineses será de fato substituído por produtos americanos.

Trump, ao longo de sua campanha presidencial, havia indicado a diferentes setores americanos de que sua política comercial teria como foco gerar empregos nos EUA e proteger setores que estavam sendo ameaçados pelos chineses. “As barreiras não irão beneficiar empresas americanas”, declarou a agência. Ironicamente, a China será em parte substituída por produtos mexicanos.

>> Guerras comerciais não são boas nem fáceis de vencer, Mr. Trump

Algo similar ocorrerá no mercado chinês. Dos US$ 85 bilhões de produtos americanos afetados pelas tarifas de Pequim, 85% serão substituídos por bens de outros países. As empresas americanas conseguiriam se manter em apenas 10% dos casos, enquanto os bens chineses vão substituir a importação em apenas 5% do fluxo. De acordo com o estudo, tal constatação é “consistente” em diversos setores, entre eles o do máquinas, produtos de madeira e moveis, equipamentos de comunicação, produtos químicos e instrumentos de precisão.

“O efeito das tarifas entre EUA e China seria principalmente o de causar uma distorção”, explicou Pamela Coke-Hamilton, autora do estudo. “O comércio entre os dois países irá cair e será substituído por um comércio vindo de outros países”, completou.

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Ganhos para o Brasil

O Brasil seria a oitava economia a registrar maiores ganhos, com uma alta de US$ 10,5 bilhões nas exportações, o que representaria um aumento de 3,8% nas exportações nacionais. A estimativa é de que 80% desses ganhos viriam das tarifas que Donald Trump colocaria sobre os produtos chineses, permitindo que o Brasil ocupe uma certa fatia do mercado americano.

Com uma tarifa extra de 25%, o Brasil ganharia fatias importantes do mercado dos EUA até agora ocupado pelos chineses. Os principais setores seriam os de semimanufaturado e siderúrgicos, que, ao longo dos últimos 20 anos, perderam terreno para produtos asiáticos.

No setor de máquinas, por exemplo, a perspectiva é de um ganho de US$ 3 bilhões nas vendas aos EUA, além de US$ 1 bilhão no setor do aço. O Brasil ainda ganharia US$ 800 milhões em equipamentos de comunicação no mercado americano, além de outros US$ 800 milhões em instrumentos de precisão e US$ 570 milhões em móveis e produtos de madeira.

Juntos, esses setores representariam ganhos de US$ 8,5 bilhões, muito superiores ao que o Brasil poderia obter com a China, de pouco menos de US$ 2 bilhões. No caso do mercado de Pequim, os principais ganhos do Brasil viriam de um maior acesso para produtos químicos, no valor de US$ 800 milhões, além de acesso a produtos alimentícios no valor de US$ 350 milhões.

Mais perdedores do que vencedores

A agência constata que existiriam mais perdedores que ganhadores e que, no geral, ainda que algumas economias ganhem com um aumento de exportações, o efeito global da guerra comercial seria negativo.

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Um dos temores é de que as disputas tenham um impacto na já frágil economia global. “Uma desanexação econômica frequentemente é acompanhada por distúrbios nos preços de commodities, nos mercados financeiros e nas moedas, o que pode ter uma repercussão importante para os países em desenvolvimento”, disse. “Uma das preocupações principais é o risco de que as tensões comerciais possam se transformar em guerras cambiais, fazendo com que as dívidas em dólares sejam mais difíceis de ser honradas”, afirmou.

Outro risco é de que novos países se somem à onda protecionista e que as barreiras ganhem uma dimensão global. As economias mais fracas, portanto, seriam as mais atingidas.