Presidente norte-americano Donald Trump repetidamente ameaça deixar o tratado| Foto: RICK WILKING/REUTERS

Poucas refeições são mais americanas do que hambúrguer com batata frita, como o combo do McDonald’s mundialmente famoso. Contudo, poucos americanos sabem o quanto a acessibilidade dessa comida clássica depende dos tratados de livre comércio.

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As batatas fritas vêm do Canadá. Os tomates, do México. A carne parte de uma cadeia de suprimentos que passa pelos três países. E quando chega a hora do jantar, há muito em jogo no Tratado de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), cujo futuro será revisto na sexta rodada de negociações em Montreal, nesta segunda-feira (5).

Os agentes de negociação do México, do Canadá e dos Estados Unidos esperam gastar mais alguns meses para revisar o acordo, após o presidente norte-americano Donald Trump repetidamente ameaçar deixar o tratado. O NAFTA permitiu que bilhões de dólares de commodities circulassem todos os anos pelos três países.

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Donal Trump em campanha presidencial 

Ao deixar o acordo, muitos economistas avaliam que o preço de alguns bens de consumo provavelmente deve subir. Isso inclui um punhado de alimentos que podem ter aumento de tarifas, além de interrupções nas cadeias de suprimentos e novas barreiras protecionistas. Apesar de ninguém ser capaz de prever exatamente o que pode acontecer, esses fatores mostram a complexidade do sistema norte-americano de alimentos.

Para entender o tamanho dos fatores que estão em jogo, considere o hambúrguer.

Há uma razão para que os políticos canadenses tenham colocado o hambúrguer como exemplo para os benefícios do NAFTA: a carne moída é o produto final de um sistema altamente eficiente e integrado.

Os produtores norte-americanos enviam milho para o gado do México e do Canadá. Esses dois países enviam os animais (cerca de 1,7 milhões em 2016) para abate nos Estados Unidos, que, por sua vez, envia carne e hambúrguer para seus países.

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Enquanto os Estados Unidos produz e processa a maior parte da carne desse sistema, a cadeia de suprimentos é algo altamente especializado e está em sintonia com as mudanças do mercado. É por isso que, se o NAFTA terminar, o sistema fornecedor de carne moída pode ser interrompido pelas tarifas alfandegárias.

Karen Hansen-Kuhn, diretora de comércio e governança global no Instituto de Agricultura e Políticas de Comércio, aponta: de acordo com o compromisso junto à Organização Mundial de Comércio (OMC), o México pode taxar a entrada do milho em até 37%, um aumento que poderia ecoar sobre todo o sistema.

Ingredientes do hambúrguer estão em jogo no Nafta 

Outro detalhe: você não costuma comer hambúrguer sem batata frita, e o Canadá produz toneladas delas. Apesar de produzir e processar a maior parte das batatas que consome, os Estados Unidos se tornaram dependentes do vizinho do norte para dar conta de seu mercado doméstico.

A demanda dos EUA pelas fritas está crescendo, afirma Kevin Maclsaac, diretor da União dos Produtores de Batatas do Canadá. Ao mesmo tempo, a produção doméstica caiu 2% no país de Trump, e os processadores de batatas foram prejudicados por uma demora na abertura de novas fábricas de processamento.

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Mas as batatas canadenses podem ficar mais caras se o NATFA terminar, e os Estados Unidos revisarem o valor tarifas que cobram de outros membros da OMC. A taxa para batatas congeladas está fixada em 8%.

Condimentos também podem enfrentar altas tarifárias. Os Estados Unidos não importam muitos dos pepinos de pickles produzidos pelo México, mas em 2016 compraram US$ 176 milhões em vegetais conservados em vinagre, como jalapeños e outras pimentas.

Pimentas e vegetais

Os produtores norte-americanos também produzem jalapeños e pepinos, claro. Mas o grosso da produção costuma ir para o mercado de vegetais frescos, segundo o Centro de Pesquisas e Informações de Vegetais da Universidade da Califórnia em Davis.

No que se refere a tomates, abacates e outros produtos frescos produzidos pelos mexicanos, as questões do NAFTA parecem ainda mais complexas.

Apesar de frutas e vegetais não enfrentarem, particularmente, altas tarifas nos Estados Unidos, existe a ansiedade dos importadores norte-americanos e grupos produtores do México de que possam ser impostas políticas anti-dumping.

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Essas tarifas tem o objetivo de aumentar os preços sobre alimentos importados que os Estados Unidos creem que estão sendo vendidos abaixo de um valor justo de mercado. O NAFTA possui mecanismos especiais para resolver problemas de conflito dessa ordem, afirma Cullen Hendrix, líder do Projeto de Meio Ambiente, Alimentos e Conflitos da Universidade de Denvers. Sem o acordo de livre-comércio, segundo Hendrix, os produtores dos Estados Unidos poderiam pressionar o governo norte-americano para tomar medidas protecionistas contra a concorrência do “vizinho de baixo”.

Por fim, isso pode afetar o preço e a disponibilidade da produção mexicana, especialmente durante a entressafra.

“Estamos preocupados sobre interrupções na cadeia de suprimentos”, confessa Ramón Paz-Vega, presidente da Associação de Abacates do México. “Acreditamos que o Nafta traz um modelo exemplar de benefícios para os negócios de todos os envolvidos”.

Até cogumelos estão em jogo

Isso não é tudo. Existe ainda a situação dos cogumelos. Os Estados Unidos produzem a maioria do que consomem, mas o Canadá é atualmente um dos maiores fornecedores globais de algumas variedades do produto. Caso se retirem do Natfa, os Estados unidos podem ter de enfrentar uma tarifa de 20% para essa aportação.

“Aproximadamente 15% do consumo de cogumelos frescos nos EUA vêm do Canadá”, afirma Aaron Hamer, executivo-chefe da Highline Mushrooms, de Ontário (Canadá), um dos maiores exportadores do produto para os Estados Unidos. “Com o acréscimo de uma tarifa, a expectativa é de preços maiores para os consumidores e menores remessas”, particularmente para a produção orgânica de cogumelos, afirma o executivo.

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Assim como na agricultura, Hamer está observando as renegociações do Nafta de perto, já que elas podem ter alto impacto em seu negócio. Mas ele acredita que, como o impacto também é direto para os consumidores, os eleitores norte-americanos estejam observando as consequências em potencial da saída do tratado de livre-comércio.

E não são apenas os cogumelos, afirma Hamer. Sem o Nafta, o futuro de muitas cadeias produtivas ficará incerto. “Eu somente posso ter esperanças”, afirma, “que agora os consumidores percebem as consequências do impacto negativo no dia a dia”.