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Joachim Rukwied é presidente da Associação dos Agricultores da Alemanha
Joachim Rukwied é presidente da Associação dos Agricultores da Alemanha| Foto: Divulgação / DBV

O agricultor alemão Joachim Ruckwieg, líder da onda de protestos dos produtores rurais contra o excesso de regulamentos ambientais na Europa, está no Brasil para participar nesta terça-feira (28) da Conferência Internacional Josué de Castro sobre Segurança Alimentar.

Um dos palestrantes internacionais do encontro, Ruckwieg é presidente da Associação dos Agricultores Alemães (Deustscher Bauernverband – DBV), que congrega mais de 300 mil produtores em 18 associações.

Em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, Ruckwieg falou sobre o momento delicado de segurança alimentar no planeta e as razões por trás da explosão de protestos dos agricultores na Europa nos últimos meses. Também abordou a incapacidade dos europeus de concorrerem com os brasileiros, o que se daria, basicamente, por uma questão de escala: “Na minha perspectiva, os produtores alemães não podem realmente competir com seus colegas brasileiros. Nós produzimos em pequenas fazendas, enquanto no Brasil existem propriedades de 50 mil hectares ou mais”.

A conferência internacional sobre segurança alimentar, promovida pela prefeitura de São Paulo, leva o nome do médico pernambucano Josué de Castro, autor da obra “Geografia da fome”, e fundador da Associação Mundial de Luta contra a Fome, em 1957. Castro foi presidente do conselho executivo da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO). O objetivo da conferência, segundo seus organizadores, é afirmar a prioridade da produção e do produtor de alimentos na segurança alimentar e no combate à fome.

Confira a seguir a entrevista concedida à Gazeta pelo produtor alemão Joachim Ruckwieg, que cultiva beterraba e canola em sua propriedade no estado de Baden-Wuerttemberg.

Gazeta do Povo: O senhor vem ao Brasil participar de um encontro sobre segurança alimentar. Qual a importância desse tema hoje?

Joachim Ruckwieg: De minha perspectiva, a segurança alimentar é importante porque estamos num mundo frágil, e se não há comida suficiente para o seu próprio povo, corre-se o risco de instabilidade política e social.

Olhando para a guerra da Ucrânia, os russos têm usado os alimentos como arma, não é? Atacam a capacidade de produção da Ucrânia, ao mesmo tempo em que transformam as próprias exportações de grãos em dinheiro para financiar a guerra.

É verdade. A Rússia está distorcendo o uso dos alimentos, como uma arma de guerra. Por exemplo, eles têm exportado trigo para regiões que antes da guerra compravam da Ucrânia e de outros lugares da Europa. E isso tem um impacto negativo em nossos preços, de 30 a 40 euros por tonelada. Está ocorrendo tanto com o trigo como com a canola.

Tratores participam de protesto em Zaragoza, na Espanha, no fim de abril. EFE / Javier Cebollada

Nos últimos meses os agricultores europeus chamaram a atenção do mundo levando seus tratores às ruas, em protestos nas grandes cidades. O que provocou toda essa fúria, o que deixou os produtores tão insatisfeitos?

Houve um aumento da burocracia nas últimas duas décadas. Por exemplo, a implementação de novas propostas de legislação, como a Lei de Restauração da Natureza, o que significa que 10% do uso de terras agrícolas não é mais permitido. E houve também a regulamentação do uso sustentável de pesticidas, que eu chamo de produtos fitossanitários. Você precisa deles para proteção às plantas, mesmo se estiver produzindo de forma orgânica. E eles [União Europeia] tentam reduzir, por meio da legislação, o uso de pesticidas em 50%, sem uma avaliação de impacto adequada. Por outro lado, há novas legislações envolvendo diretrizes de emissões de poluentes, bem-estar animal, tudo com condicionalidades cada vez maiores. E os fazendeiros estão muito frustrados por causa disso.

Dá para dizer que não existe outra profissão na atualidade tão regulamentada como a dos produtores rurais?

Sem dúvida, acredito que somos uma das profissões mais regulamentadas na Europa. E temos uma situação especial na Alemanha, onde propuseram aumentar a taxação de nossos maquinários. Um imposto adicional de 500 milhões de euros por ano, além de outros 500 milhões que perderíamos no payback do diesel. Isso foi demais. Saímos às ruas e organizamos dois grandes protestos em Berlim, um deles com mais de 30 mil produtores e 10 mil tratores e caminhões. E tivemos o apoio de vários setores da economia, como os de frigoríficos, panificação e transporte, entre outros. Durante uma semana de protestos, chegamos a ter mil pontos de concentração no país e 100 mil tratores nas ruas.

E essa insatisfação transbordou para outros países...

Sim, foi o que aconteceu na França, Irlanda, Romênia, Espanha, Itália. Acho que em toda a Europa os produtores foram às ruas. E alcançamos algum sucesso, porque a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, quer rever o que tem sido chamado de regulamento distorcido. A proposta do Regulamento de Uso Sustentável de Defensivos [que previa redução de 50% no uso de agroquímicos até 2030], por exemplo, foi retirada. E houve também redução na burocracia envolvendo várias condicionalidades.

Aqui no Brasil, que também está sob um governo de esquerda, os políticos no poder com frequência entram em conflito com os produtores por causa da agenda ambientalista. O senhor acha que os verdes e militantes de esquerda têm compreensão da importância da agricultura?

De forma curta e direta: na verdade, eles não compreendem. Ontem mesmo, num encontro ao norte de Frankfurt, eu disse que o nosso governo perdeu o compasso com a agricultura.

Para Joachim Rukwied, haverá sempre necessidade de "pesos e contrapesos" para equilibrar a concorrência agrícola entre o Brasil e a Euroopa

O senhor entende que as políticas e a agenda climática necessariamente se opõem à agricultura, ou isso ocorre devido a uma visão distorcida do que seja propriamente a agricultura e sua interação com o clima e a natureza?

É preciso fazer uma distinção. Por exemplo, a Associação dos Produtores da Alemanha apoia os objetivos da política do Green Deal, apoiamos os objetivos do programa “do campo ao garfo”. Mas é preciso discutir como vamos atingir essas metas. Esse é maior desafio. A mudança climática existe, é real, especialmente para nós, agricultores. Mas somos parte da solução, e a solução deveria ser baseada na ciência e não em ideologia verde ou esquerdista.

O senhor disse que concorda com os objetivos do Green Deal. Mas o que dizer da meta de um elevado nível obrigatório de produção orgânica, de 25%, até 2030? Isso é possível?

Depende do mercado. É o mercado que vai regular isso. No final, são os consumidores que vão dar a palavra final. Na Alemanha a meta é de 30%, mas tem políticos falando em 40% ou 50%. No setor agrícola, hoje está em torno de 15%, mas nas prateleiras dos supermercados é de 6%. Então, não acredito que vamos chegar a 30% em 2030. Mas é o consumidor que decidirá.

Como o senhor vê a competitividade dos agricultores brasileiros em relação aos seus colegas europeus? Aqui os produtores são obrigados a preservar de 20% a 80% de suas propriedades como mata nativa. Os europeus conhecem essa realidade?

Eu tenha ciência disso porque tive algumas conversas com o embaixador do Brasil em Berlim, e ele me falou desses regulamentos e dos elevados padrões. Há um papel importante para a agricultura brasileira no mercado mundial. O Brasil é um dos maiores players do setor e, na minha perspectiva, os produtores alemães não podem realmente competir com seus colegas brasileiros. Porque nós produzimos em fazendas pequenas. Por exemplo, eu sou de uma região onde o tamanho médio das propriedades é de 55 a 60 hectares, com alguns poucos produtores chegando a 500 hectares ou mais.

Na parte oriental da Alemanha, é um pouco diferente. Lá também existem grandes propriedades, de 3 mil, 4 mil ou 5 mil hectares. Mas se comparar com o Brasil, onde tem fazendas de 50 mil hectares ou mais, é uma perspectiva com a qual não podemos competir.

O que poderia ser feito para nivelar o campo de competitividade dos produtores europeus e brasileiros?

Se olharmos para a política agrícola europeia, não espero uma redução real da burocracia, uma redução real das condicionalidades impostas. Portanto, no futuro nossos custos vão ser maiores do que em outras partes do mundo, como, por exemplo, nos EUA, no Brasil ou no Leste Europeu. Em nossa perspectiva, devemos estabelecer um padrão. Apoiamos os acordos comerciais, mas não os acordos de livre comércio. Os padrões são muito importantes para nós.

Produtores poloneses protestam contra a política do Green Deal da União Europeia, trancando uma rodovia na chegada a Varsóvia, no dia 25 de abril de 2024. EFE/EPA/MARCIN BIELECKI POLAND
Produtores poloneses protestam contra a política do Green Deal da União Europeia, trancando uma rodovia na chegada a Varsóvia, no dia 25 de abril de 2024. EFE/EPA/MARCIN BIELECKI POLAND| EFE

Então, em sua perspectiva, deveria haver mais pesos e contrapesos no comércio bilateral?

Sim. Precisamos de pesos e contrapesos.

O acordo com o Mercosul representa uma ameaça? Existe uma saída para avançar?

Francamente, nós somos muito críticos ao Mercosul. Acho que é uma ameaça para a Europa e também para os produtores alemães. Mas não dizemos não, não e não. Precisamos negociar, e, talvez, seja possível encontrar uma solução com esses pesos e contrapesos.

Na própria Europa, os críticos dizem que os agricultores locais querem manter o status de elevados subsídios e, ao mesmo tempo, ficar livres de novas regulamentações ambientais. Em outras palavras, querem benefícios do governo, mas sem governança. Como o senhor reage a essa leitura?

Gostaria de convidar esses colegas a visitar nossas fazendas e dar uma olhada em como estamos produzindo e em nossos padrões. Tenho certeza de que eles concluirão que é um desafio ser agricultor aqui por causa dos padrões e da burocracia, e por causa das fazendas de pequena escala. Em nosso ponto de vista, estamos produzindo de uma das formas mais sustentáveis do mundo. Por exemplo, se você quiser aplicar fertilizantes, precisa documentar o que vai fazer antes de ir a campo. É preciso analisar o solo e as ervas daninhas e fazer vários cálculos.

Eu, por exemplo, cultivo beterraba sacarina. Se for comparar com meus colegas brasileiros que produzem cana-de-açúcar, por exemplo, podemos usar metade dos tipos de herbicidas, inseticidas e outras ferramentas de proteção. Não posso competir da mesma forma. O tratamento de sementes de beterraba foi proibido, assim como o tratamento de sementes de canola. Isso é terrível. Há dez anos, quando podíamos tratar as sementes, conseguíamos 90 mil plantas de beterraba por hectare. Mas agora isso caiu para cerca de 65 mil plantas devido aos danos causados pelos insetos.

Haverá eleição em poucas semanas para o Parlamento europeu. Já houve alguma mudança na forma como a agricultura é tratada pelos legisladores, no sentido de perceberem que exageraram nas imposições?

Sim. Nós já conseguimos mudar a política agrícola em Bruxelas e esperamos agora tempos desafiadores no Parlamento. Talvez os partidos de direita saiam fortalecidos das eleições, será preciso esperar. Talvez a construção de uma coalisão será mais difícil do que na legislatura atual.

Existe um denominador comum, uma base de entendimento entre produtores europeus e brasileiros? Ou os produtores de todo mundo precisam estar em desacordo uns com os outros, dependendo de onde produzem, se na Europa, Estados Unidos, Brasil ou Argentina?

Com frequência eu me encontro com produtores de outras partes do mundo. No ano passado, por exemplo, estive na África do Sul para a Assembleia da Organização Mundial dos Agricultores. Vou participar da próxima assembleia em Roma, em junho. Quando nos encontramos, podemos perceber esses pontos em comum, porque estamos produzindo alimento saudável e a maioria está na atividade por décadas. Normalmente, o agricultor é um tanto otimista, ele olha adiante, quer aumentar a produção, quer produzir de maneira mais sustentável e com base científica.

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