O nome do empresário paulista Olacyr de Moraes (1931-2015) está para sempre associado à expansão da soja no Centro-Oeste do País, onde alcançou nos anos 70 e 80 a condição de maior produtor individual da leguminosa do mundo. Apenas uma de suas fazendas, a Itamarati Norte (MT), comprada em 2018 pela família Maggi, tinha área de 110 mil hectares com direito a onze pistas para pouso de aviões. Os grãos dourados fizeram de Olacyr o mais jovem brasileiro a alcançar fortuna de 1 bilhão de dólares e ainda lhe renderam o título de Rei da Soja.
Mas uma outra cadeia produtiva da agricultura brasileira, que hoje gera receitas de R$ 20 bilhões por ano, tem em Olacyr o seu maior mecenas e benfeitor. “Existe o algodão antes do seu Olacyr e o algodão depois do seu Olacyr, que a gente chama de algodão empresarial”, afirma Sérgio Vidal Arruda, ou apenas Serginho, antigo administrador da fazenda Itamarati Norte e que foi braço direito do empresário na introdução da pluma no Cerrado do Mato Grosso.
A saga do algodão brasileiro, já contada em reportagem desta Gazeta do Povo, é a história de reerguimento de uma cultura agrícola dada como inviável no País, desestimulada pelo próprio governo. O desmonte da cadeia produtiva aconteceu no início dos anos 90, após ataque da praga do bicudo-do-algodoeiro, elevação dos custos com mão de obra e incapacidade de competir com a pluma importada dos Estados Unidos, subsidiada na origem. Curiosamente, antes da invasão do algodão ianque, em 1991, produtores do Paraná viram-se numa situação insólita: plantaram 700 mil hectares, colheram uma safra recorde, mas tiveram prejuízo porque tanto a importação quanto a exportação eram proibidas. Os preços, naturalmente, desabaram e, os produtores, debandaram.
Olacyr buscava uma alternativa para evitar a monocultura
Assim, em poucos anos, o País saía de grande produtor para segundo maior importador mundial de algodão. Olacyr de Moraes tinha recém introduzido o algodão no Mato Grosso. "Ele via o algodão como alternativa para dar sustentabilidade à soja, uma opção de rotação de cultura. E tinha medo de a soja ficar inviável financeiramente”, conta o engenheiro-agrônomo, então pesquisador da Embrapa, Eleusio Freire.
Segundo relato da Associação dos Produtores de Algodão do Mato Grosso, foi um amigo também paulista de Moraes, Ignácio Mammana Netto, quem sugeriu ao Rei da Soja experimentar o cultivo da pluma no Chapadão do Parecis, como alternativa à monocultura. O empresário já cultivava algodão no Mato Grosso do Sul, mas, àquela altura, ainda havia dúvidas sobre o potencial produtivo nas terras do estado vizinho. “Na época que entrou com a soja na região, os nego falava que nem calango dava lá”, relembra Serginho.
Fato é que em 1989 Olacyr patrocinou a primeira experiência em alguns talhões da fazenda Itamarati Norte, em Campo Novo do Parecis. As sementes eram importadas de Israel. Freire, da Embrapa, foi convidado a conhecer o projeto. “Eu já trabalhava com melhoramento de algodão e vi que a lavoura não ia dar o resultado que seu Olacyr esperava, de 400 arrobas por hectare. Eu propus a ele: caso não desse as 400 arrobas prometidas, ele poderia fazer um convênio com a Embrapa e eu iria trabalhar nesse convênio, para, em alguns anos, chegar àquela produtividade”. Batata: a colheita experimental atingiu de 75 a 150 arrobas por hectare. Lá foi o empresário assinar o contrato com a Embrapa para um programa de melhoramento do algodão na Fazenda Itamarati Norte.
Olacyr de Moraes distribuiu sementes, adubos e defensivos
Foi após a assinatura deste convênio que Sergio Arruda, o Serginho, recebeu a missão de tocar o cultivo de algodão nas terras de Moraes no Chapadão dos Parecis. Além de bancar a pesquisa, o patrão tentava convencer outros produtores a aderirem ao cultivo da pluma. Desde o início, ele sabia que não poderia reproduzir o sistema de outras regiões, em que o algodão era entregue para terceiros descaroçarem e retirarem a pluma. Sobrava pouca renda para os produtores. Ele precisava de mais gente plantando para viabilizar a construção de uma algodoeira própria, dos fazendeiros.
“Na época, nós demos incentivos para 15 agricultores. Cada um plantava 50 hectares para conhecer a cultura. E a gente dava semente, adubo e defensivo, e acompanhava, para o cara aprender”, conta Serginho. Otimista, Olacyr de Moraes montou uma algodoeira para processar a produção de 100 mil hectares. “Muitos daqueles vizinhos estão até hoje no algodão. O meu patrão atual (grupo Scheffer), que planta 70 mil hectares de algodão, foi o primeiro produtor a plantar no município de Sapezal. Seu Moraes foi, de fato, um mecenas para o algodão do Mato Grosso”, relata Serginho.
O modelo vislumbrado por Olacyr de Moraes, em que o fazendeiro também é dono da algodoeira, até hoje é o que predomina no Mato Grosso e garante altos níveis de qualidade à pluma brasileira. Nesse sistema, o produtor supervisiona todo o processo de obtenção da pluma, incluindo as análises de laboratório, para garantir um produto conforme a demanda da indústria têxtil.
Variedade CNPA ITA 90 quebrou as barreiras
Durante seis anos, Olacyr de Moraes bancou sozinho o convênio para pesquisas da Embrapa em terras matogrossenses. Em 96, a variedade CNPA ITA 90 já era um sucesso e o convênio foi transferido para a Fundação Mato Grosso, passando a ser apoiado também por outros produtores. A variedade ITA 90 desenvolveu uma planta adaptada às condições de solo, clima e altitude do Centro-Oeste. Chegou-se a uma cultivar própria para a colheita mecânica, cujo capulho (fruto maduro) não se desprendia facilmente com a chuva. As variedades anteriores, ao contrário, geravam grandes perdas quando chovia perto da colheita, porque privilegiavam o fácil desprendimento do fruto para a colheita manual.
Na safra 99/2000, o Mato Grosso se tornou o maior produtor de algodão do país. “Na época, eu falei que pelo menos por mais 15 anos o Mato Grosso ia continuar na liderança. Eu errei, porque já está há mais de 20 anos como maior produtor. Entramos na escala do sucesso. Por que deu certo? Porque foi montada uma estrutura de pesquisa que não existia. Não existia em canto nenhum do mundo aquele modelo do Cerrado, com aquela quantidade de chuva, aquela altitude, aquele tipo de solo. Ali pelo ano de 1999 nós alcançamos as 400 arrobas por hectare, que era a meta inicial do senhor Olacyr”, conta Eleusio Freire.
Mantra de Olacyr era "desenvolver o Brasil de qualquer jeito"
Quem decide cultivar algodão atualmente, já conta com o respaldo da tecnologia e pesquisa próprias para as regiões de Mato Grosso, Bahia, Goiás, Minas, Piauí, Maranhão e Tocantins. “Ninguém entra no algodão para experimentar. Só entra com os pés no chão, com tecnologia padronizada, testada, e assim por diante. Isso é que explica sermos hoje o 4º maior produtor mundial”, destaca o pesquisador. E, acrescente-se, o 2º maior exportador da pluma.
Em entrevista a Jô Soares em 2013, dois anos antes de morrer, Olacyr de Moraes lamentou ter sido “abandonado” pelo governo na construção da Ferronorte, uma ferrovia para ligar Santa Fé do Sul (SP) a Rondonópolis (MT), que acabou tocando praticamente sozinho e resultou no endividamento e queda do seu império. Mas justificou por que não hesitava em pôr dinheiro em projetos como da ferrovia e do algodão. “Eu ganhei muito dinheiro, mas sempre fiz questão de investir tudo no Brasil. Temos que desenvolver esse país de qualquer jeito”.
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