As previsões e análises sobre o agronegócio brasileiro têm sido bastante voláteis nos últimos meses, e talvez mais embasadas em emoções que em racionalidade. Em agosto e setembro, por exemplo, houve preocupação com dificuldades que os produtores estariam tendo para obter crédito para o plantio da safra, e quanto à menor demanda por soja e milho, por conta da atividade econômica na China.
Desde então, as notícias variaram: grandes produtores em dificuldades financeiras, empresas que não estariam mais ofertando crédito aos seus clientes produtores, queda nas vendas de máquinas e implementos, avaliações das safras de soja e milho dos Estados Unidos fazendo cair ou subir as cotações e os estoques previstos.
De concreto, tem-se que o El Niño, enquanto melhorou a produtividade americana, provocou atrasos no plantio em algumas regiões do Brasil, prejudicando o mix de sementes de germinação precoce/tardia, podendo levar a mais problemas de logística em 2016, por conta da concentração da colheita, sem contar as dificuldades na secagem de grãos e no uso de armazenagem a céu aberto. Também poderá haver perdas na nova safra por problemas climáticos ou por pragas e doenças.
Quanto à questão do crédito, em que os dados já divulgados mostram significativa redução na contratação de operações de investimento e baixa evolução nas de custeio, é provável que, além disso, tenha havido redução das operações comerciais (barter e outras).
Isso decorreu da menor disposição de bancos, traders e fornecedores para tomar risco de crédito de produtor, face à conjuntura econômica e política e ao cenário das commodities (exporta-se mais, mas ganha-se menos...), e do encarecimento dos empréstimos bancários, em especial de capital de giro empresarial, e do custo de captação de recursos externos (embora o câmbio esteja favorável para investimentos estrangeiros, mas os ratings de risco não...).
No que se refere ao mercado de soja e de milho, e aos seus preços internacionais, a racionalidade indica que a desaceleração chinesa não acarretará diminuição no consumo, mas redução no ritmo do crescimento deste, e queda dos preços internacionais (como já ocorreu, aliás).
Será necessário um ajustamento ao longo de duas a três safras, como os produtores já vêm fazendo, evitando a abertura de novas áreas, reduzindo a utilização de insumos e a compra de máquinas (estas, já se situando em 2015 em níveis mais baixos que os usuais).
Com isso, e com o esvaimento dos estoques, deverá ainda haver margem razoável para aqueles que têm boa eficiência, embora seja de se esperar que o custo da safra 2016/2017 sofra o acréscimo da variação cambial sobre o preço dos insumos, bem como da energia elétrica e do óleo diesel, entre outros.
Já a menor oferta de crédito, seja bancário, a taxas controladas ou livres, seja comercial, via contratos a termo ou de troca, poderá causar danos significativos, pois poderá acirrar um soluço de renda em 2016, que, mal administrado, pode levar a uma desnecessária deterioração nas classificações de risco do setor rural, incrementando as taxas, afastando investidores, reduzindo a disposição de dar crédito das áreas de risco e financeira das empresas do agronegócio e dos bancos, transformando um descasamento entre receitas e obrigações em crise setorial.
O plano de safra 2015/2016 poderia ter estabelecido maiores limites de financiamento para o custeio, ainda que com taxas de juros maiores, conforme a faixa de valor do crédito, para compensar a retração do setor comercial. Mas isso não foi feito.
Também não era safra para faltar recursos para a subvenção do seguro rural. E nem é conveniente que o orçamento de 2016 não tenha provisões suficientes para sustentar soluços na comercialização dos grãos. E o fundo garantidor de créditos criado pela Lei12.087 está fazendo cinco anos de sua autorização, sem que tenha sido regulamentado.
No passado, soluços de capacidade de pagamento eram equacionados com a prorrogação do crédito rural, mas isso já não resolve, pela expressividade da participação das tradings, agroindústrias e fornecedores na matriz de recursos. Sem contar o impacto que essas prorrogações trazem às avaliações específicas dos produtores e do setor.
Rememorando a crise de renda de 2004 a 2008, pode-se concluir que o robusto sistema de financiamento comercial à agricultura, lastreado em recursos captados no exterior (de empréstimos e das matrizes das empresas) e em crédito bancário não rural, é bastante afetado quando há menor oferta de recursos e elevação dos juros, como vêm ocorrendo.
Naqueles anos, foram criadas linhas de crédito bancário para reperfilamento dos compromissos dos produtores junto ao sistema privado. Algo similar pode ser feito para a safra 2015/2016, permitindo diluir os impactos dos aumentos dos custos por duas, três safras.
A taxa de juros cobrada aos produtores poderia situar-se entre 120 e 150% da taxa Selic, com os pagamentos ocorrendo em três parcelas anuais. O lastro dos empréstimos seriam recursos dos compulsórios dos depósitos à vista, da caderneta de poupança rural ou dos depósitos a prazo.
Também poderia ser previsto que títulos lançados sobre tais empréstimos, ou sobre operações comerciais com produtores, poderiam servir para a composição de reservas dos fundos de previdência fechados ou abertos, bem como das seguradoras.
Como forma de mitigar a aversão ao risco de crédito que costuma acirrar-se em contextos de stress econômico, a empresa fornecedora dos insumos ou máquinas poderia arcar com parte ou a totalidade do risco, e o produtor poderia contribuir para um fundo garantidor. E também poderia pensar-se em mecanismos de compras de segundas ou terceiras perdas de carteiras de crédito com produtores rurais, por fundos ou bancos públicos ou algo similar.
Além da medida proposta para dar liquidez e prazo ao sistema privado de financiamento (e que, algumas safras à frente, quanto da melhoria da situação do setor, seria uma boa solução de funding para os investimentos em máquinas e implementos, ainda mais se o governo passasse a subsidiar o produtor, e não o agente financeiro), e mesmo já tendo sido percorrido o primeiro semestre do ano-safra, talvez seja o caso de rever as regras de contratação do crédito rural para custeio.
Para tal, seriam incrementadas as curvas de aplicação autorizadas para os agentes financeiros, bem como os seus limites, com taxas mais altas, até sem subsídio, com a finalidade de financiar, para pagamento em três parcelas anuais, a recuperação de despesas já realizadas pelos produtores, com insumos e serviços para a safra 2015/2016. Se necessário, seriam usados os recursos dos compulsórios dos depósitos à vista, a prazo e da poupança rural, bem como os das Letras de Crédito do Agronegócio.
As duas propostas acima delineadas podem ensejar que pessimismos desalinhados com os fundamentos do agronegócio, que continuam sólidos, levem a decisões de redução de exposição que nada têm a ver com as reais perspectivas do setor rural, se desconsideradas as atuais volatilidades e projetadas num cenário de pelo menos 3 anos.
Problemas de mercado, de macroeconomia e climáticos sempre ocorrem ao longo de alguns anos, e os produtores rurais que têm boa gestão, produtividade e capitalização conseguem superar as crises, embora estas possam ser mais ou menos dolorosas, e com maior ou menor duração.
Se a crise atual será vencida com maior ou menor custo depende fundamentalmente da capacidade de resistência de todos os elos da cadeia econômica. Se tomador de risco do produtor toma decisões com base em jornais, sem olhar os fundamentos, complica. E se o governo não atua nas expectativas, no momento certo, na forma apropriada, também.
No Brasil praticamente não existem produtores rurais que sejam entrantes na atividade. Sua capacidade produtiva e gerencial, seu fluxo de caixa e seu rating de crédito podem ser estimados com relativa facilidade pelas empresas que não estão no agronegócio por mero espírito de aventura.
Com prazo adequado, mesmo em tempos difíceis, os compromissos são cumpridos, os investimentos viabilizados, as margens se recuperam e os produtos ficam mais competitivos (por conta do aumento da produtividade).
A experiência de muitos anos em crédito rural permite concluir que, no agronegócio brasileiro, não se faz os ajustes estruturais, em tempos de crise, por se estar em uma crise, e não se faz quando a crise passa, por comodismo (para que mudar se está dando certo?).
Por outro lado, foram tantas as medidas anticíclicas adotadas de forma generalizada e sem critério nos últimos anos, que agora há grande aversão entre os formadores de opinião sobre o acionamento de tais mecanismos justamente para o setor que estruturalmente delas necessita dispor, em situações catastróficas: o setor rural, que periodicamente enfrenta crises cujas dimensões superam a capacidade de provisão dos empresários.
Agora há que se diluir a crise, de preferência antes que ela se manifeste com mais intensidade, talvez até, com isso, evitando que ela venha tão forte ou por mais tempo.
Para depois da crise, há muito por fazer, desde que se vença a resistência à mudança, e se possa implantar novos modelos para o financiamento e o gerenciamento do risco da produção agropecuário, fundados em bases de dados acuradas, critérios técnicos e parâmetros multitemporais, metodologias previamente estabelecidas, processo decisório transparente e metas com base em eficiência, produtividade e sustentabilidade.
(*) Ex-Secretário Executivo no Ministério da Agricultura, ex-Secretário de Política Agrícola e ex-Diretor de Agronegócios no Banco do Brasil. jcvazconsult@gmail.com.
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