Na contramão das crises política, econômica e sanitária, o consumo de orgânicos no Brasil deu um salto de cerca de 30% em relação a 2019. O crescimento, em si, não é novidade (os orgânicos quadruplicam suas vendas entre 2003 e 2017 e cresceram 15% em 2019), pois os orgânicos vêm aumentando sua participação no mercado, de forma robusta, ano a ano, durante a última década. Mas o que surpreendeu mesmo foi a velocidade e o volume desse processo em 2020 em meio à pandemia do novo coronavírus.
A agricultura e a indústria dos orgânicos têm inúmeros aspectos positivos e veio para ficar. Além dos mais conhecidos, como pureza, sabor e potencial de nutrição, há a sustentabilidade ambiental, aumento da renda no campo, redução das migrações às periferias das grandes cidades e na manutenção dos jovens talentos empreendedores em suas regiões.
Para o diretor da Organis (Associação de Promoção dos Orgânicos no Brasil), Cobi Cruz, uma das constatações interessantes é que isso permitiu que os orgânicos mostrassem, na prática, que estão, sim, preparados para os aumentos da demanda, ao contrário do que ainda pensam algumas pessoas que não conhecem bem o setor.
“É um cálculo simples. Foi possível atender a uma alta de 30% de consumo em um período no qual o incremento de novas unidades produtivas cadastradas no Ministério da Agricultura foi de 5,4%. Então, houve um significativo aumento de produtividade. Outro destaque de 2020 foi o crescimento de 36,5 % no total de produtores cadastrados do Nordeste, um índice que supera em muito os das demais regiões do país”, analisou Cobi.
Para 2021, o mercado dos orgânicos projeta um crescimento de 10% em 2021. Mas nada que uma nova e grata surpresa não possa acontecer. O próprio diretor da Organis admitiu que o número é bem conservador. “Diante das incertezas e das mudanças no cenário econômico; enquanto não há uma definição, 10% é o número de trabalho para se planejar e investir.”
Ele ressaltou que o Brasil ainda estamos longe do ponto de saturação e que há mercados compradores e caminho aberto para exportar muito mais, “se houver apoio, investimento, organização, divulgação, somados, é claro, a uma política fiscal e diplomática que favoreça os negócios internacionais”.
Exportações
Como é uma área recente, não há, ainda, dados gerais específicos sobre o volume dos produtos orgânicos produzidos e exportados pelo Brasil. Eles aparecem apenas somados a todas as demais formas de produção. Os produtores do setor afirmaram que seria de grande utilidade se os órgãos governamentais começassem a fazer essa diferenciação, inclusive como importante parâmetro para o setor realizar os seus planos de ação e investimentos.
O que há de concreto, por enquanto, é o faturamento geral dos produtores orgânicos brasileiros, que alcançou perto de R$ 5,8 bilhões em 2020. “Sabemos que esse número certamente é maior, ainda não existem dados tabulados que incluam os valores movimentados em toda a cadeia de produção, incluindo insumos, logística, salários, serviços, faturamento do varejo e outros”, explicou Cobi Cruz.
O que se calculou desse valor foi que, em 2020, enfrentando os problemas globais que atingiram em cheio o setor de logística, as exportações de produtos orgânicos chegaram bem perto de R$ 1,1 bilhão.
Trabalhar a logística
Exportar demanda uma série de procedimentos. Pois, mesmo o conceito de produto orgânico sendo universal, cada país tem sua legislação, sua maneira de certificar oficialmente essa característica e garanti-la aos consumidores locais
Então, para chegar ao mercado internacional, o produtor brasileiro precisa estar muito atento a todas essas exigências. Em geral, usa-se os serviços de empresas de importação e exportação, algumas delas especializadas no segmento de orgânicos.
“As informações sobre o caminho dos orgânicos nos diversos países ficariam mais completas, rastreáveis, se fosse criado um NCM específico de produto orgânico”, disse Cobi. NCM é um número obrigatório para a exportação dos produtos saídos dos países do Mercosul, uma espécie de CPF do produto. Mas ele ainda é emitido de forma genérica, sem identificar se é orgânico ou convencional.
“Seria de grande valia poder contar com essas informações, rastrear com mais rapidez e eficácia os caminhos desses produtos. Acrescentar mais um dígito no NCM, referente a produto orgânico, permitiria a coleta de dados importantes para divulgação, marketing e outras ações sob medida para cada continente, país, região e públicos dentro deles”, afirmou o diretor da Organis.
Outra providência urgente é realizar mais acordos de equivalência com outros países, para que os certificados dos orgânicos brasileiros sejam aceitos de forma automática, a exemplo do que foi celebrado recentemente com o Chile.
Estados produtores
Os maiores volumes de produção estão concentrados nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste. Neste contexto, o Paraná, com suas 3.549 unidades produtivas cadastradas, se destaca como o segundo maior produtor nacional, perdendo, por muito pouco, do Rio Grande do Sul, que soma 3.678 produtores.
Principais produtos
O Brasil fechou o ano de 2020 com 22.427 produtores orgânicos cadastrados no Ministério da Agricultura, um incremento de 5,4% em relação a 2019. Entre os produtos orgânicos com maior volume de produção se destacam o açúcar, os óleos e o café. Os que têm maior demanda no mercado interno são os hortifrútis. Os grãos e as frutas se destacam na exportação, com destaque para produtos como açaí, acerola e polpas. São significativas, também, as exportações de erva-mate, mel in natura e própolis, castanhas, assim como de matérias-primas processadas que se destinam tanto para a indústria alimentícia quanto cosmética.
Toda essa produção segue, especialmente, para países compradores de produtos orgânicos brasileiros, entre os quais se destacam os Estados Unidos, Canadá, Europa (com destaque para Alemanha, França, Itália e Holanda), China e Japão.
Fomento para crescer
No Brasil, o que ainda pode melhorar muito são as formas de fomento aos produtos orgânicos. Atualmente há mecanismos de fomento ao setor, mas ainda muito aquém da sua importância social, ambiental e econômica, garantem os produtores.
Como exemplos positivos podemos destacar o Paraná + Orgânico, que é o apoio técnico e científico de órgãos como Embrapa e Sebrae. Há os incentivos pontuais de diversas prefeituras com os locais para feiras agroecológicas e merendas orgânicas e os programas de compras governamentais, entre outros.
“O Ministério da Agricultura poderia aperfeiçoar mais o seu apoio, por exemplo, organizando e disponibilizando um sistema nacional de informações amplo e atualizado, realizando campanhas de conscientização e favorecendo, dentro da estrutura federal, as ações nos estados e municípios”, disse Cobi.
De acordo com ele, o Brasil precisa, também, com urgência, estabelecer acordos de equivalência com os países importadores, evitando os altos custos de recertificação que hoje encarecem os nossos produtos e inibem o aumento da participação do Brasil no grande mercado global de orgânicos.
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