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A pesquisa passou a monitorar uma série de animais da fazenda – um coelho, cabras, ovelhas, vacas, perus, galinhas e cães – por meio de sensores pequenos, mas sofisticados. | Jonathan Campos/Gazeta do Povo
A pesquisa passou a monitorar uma série de animais da fazenda – um coelho, cabras, ovelhas, vacas, perus, galinhas e cães – por meio de sensores pequenos, mas sofisticados.| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

Depois que diversos terremotos atingiram a Itália no ano passado, Martin Wikelski correu para a região com a intenção de testar uma teoria que intriga cientistas e pensadores há milênios: os animais são capazes de antecipar desastres naturais?

Em outubro do ano passado, Wikelski, que é alemão, selecionou uma série de animais em uma fazenda em Pieve Torina, na região de Marches, no centro da Itália, para monitorar seu comportamento, esperando que houvesse alguma mudança consistente antes de um terremoto. Esses dados poderiam ser utilizados como um sistema para anunciar possíveis terremotos, salvando milhares de vidas. Durante uma manhã quente no primeiro semestre deste ano, ele voltou para buscar os resultados.

“Uau, acho que realmente temos uma coisa interessante nas mãos”, afirmou animadamente, observando enquanto seu computador calculava os dados no capô do carro, em um campo repleto de máquinas agrícolas.

A série de terremotos na Itália começou em agosto,com outros tremores registrados entre outubro e janeiro, acompanhados por milhares de tremores. A calamidade custou 23 bilhões de euros em danos, deixando milhares de pessoas sem casa e resultando em mais de 300 mortes. Mas os tremores constantes em uma área rural também forneceram uma chance rara de testar essa antiga teoria.

Wikelski acredita que pode estar no caminho certo, embora seja cauteloso e discreto sobre as evidências. Ele é o primeiro a reconhecer que algumas pessoas consideram que a ideia de que animais sejam capazes de prever desastres seja um mito.

“Nós somos os doidos da história”, brincou Wikelski, explicando que foi difícil conseguir financiamento para seu projeto antes de ter evidências claras. “Por isso, temos que garantir que o trabalho não tenha nenhum errinho de análise estatística, já que as pessoas vão tentar de tudo para encontrar furos na teoria, e estão certas em fazer isso.”

Embora Wikelski não possa revelar os detalhes dos resultados antes da publicação do artigo em uma revista científica, ele indicou que os dados mostram que os animais se movem de forma consistente nas horas que antecedem ao terremoto.

Wikelski, que é diretor do Instituto Max Planck de Ornitologia, em Radolfzell, Alemanha, afirmou que algumas das pesquisas anteriores indicavam que os animais têm uma boa capacidade de prever o futuro. Essas pesquisas incluem um estudo realizado por ele entre 2012 e 2014, que envolve o monitoramento de cabras e ovelhas nas encostas do Monte Etna, na Sicília.

“Os animais foram capazes de identificar as maiores erupções vulcânicas durante esses dois anos com até seis horas de antecedência”, afirmou, acrescentando que oito grandes erupções ocorreram durante o estudo. “À noite, os animais acordavam e caminhavam nervosamente e, durante o dia, eles se moviam para áreas seguras”, onde a vegetação alta indicava que o local havia sido poupado em erupções anteriores.

Com base nessa pesquisa, ele registrou uma patente e 2013: “Mediação de Alerta de Desastres Por Meio da Natureza”.

Os terremotos recorrentes em Marches e outras regiões no centro da Itália representaram a chance de registrar um grande quantidade de dados sobre as reações animais, de forma a aprofundar a teoria. “Estamos muito animados, porque essa é a primeira vez que conseguimos monitorar os animais antes, durante e depois de uma série de grandes terremotos”, afirmou Wikelski.

Depois que um terremoto devastador atingiu a região em outubro, Wikelski e sua gerente de projetos, Uschi Muller correram para a Itália. Durante a viagem, eles conheceram a fazenda Angeli, que vende queijos produzidos pelas cabras e vacas da família, além de outras iguarias locais.

Os pesquisadores entraram no local onde a loja da fazenda costumava funcionar “Estava tudo quebrado”, afirmou Wikelski. “Todas as prateleiras de queijo estavam no chão. Dava para ver que eles haviam perdido seu sustento,” comentou, mas a família “foi muito gentil mesmo assim”.

Wikelski passou a monitorar uma série de animais da fazenda – um coelho, cabras, ovelhas, vacas, perus, galinhas e cães – por meio de sensores pequenos, mas sofisticados.

Os aparelhos registravam todos os movimentos dos animais, segundo a segundo: incluindo sua direção magnética, velocidade, altitude, temperatura, umidade, aceleração e localização. Ele descreveu a etiqueta, que funciona com um pequeno painel solar, como “uma caixa preta cheia de informações”.

Alguns dias depois que os animais receberam as etiquetas, a região foi atingida por outro terremoto forte, com magnitude de 6,5 na escala Richter, o que permitiu a coleta de dados para eventos sísmicos significativos.

Wikelski e Muller recuperaram os aparelhos de monitoramento algumas semanas depois, e depois voltaram em janeiro para colocar a etiqueta novamente em diversos animais, incluindo meia dúzia de vacas, um dúzia de ovelhas e dois cães, Zeus e Aro. “Acho que os perus viraram jantar”, afirmou Wikelski.

Em abril, os pesquisadores voltaram para remover as etiquetas e estudar os dados coletados.

Pesquisar espécies diferentes pode ser essencial, de acordo com Wikelski, já que cada uma percebe o ambiente de forma diferente. Segundo ele, juntas elas podem “formar um sistema sensorial coletivo”, fornecendo informações completamente inesperadas.

Em nível global, esse coletivo poderia ser escrito como “a internet dos animais”, afirmou. “Se observarmos um animal sozinho em uma fazenda, não seremos capazes de identificar o sinal, mas se levarmos todos em conta, as sinergias, a síntese de todos os sistemas sensoriais, é aí que podemos captar o sinal”, afirmou Wikelski.

Eles esperam que uma vez que os dados fornecidos pelos animais sejam comparados com os dados dos terremotos ocorridos na região – levando-se em conta apenas os terremotos com magnitude superior a 4 – seja possível identificar comportamentos específicos antes, durante e depois de um terremoto. Entre o fim de outubro do ano passado e abril deste ano, foram registrados 11 dias com terremotos de magnitude superior a 4.

Na situação ideal, o comportamento dos animais nas horas que antecedem o terremoto pode servir como sistema de aviso para que as pessoas possam evacuar suas casas.

A família Angeli ficaria muito feliz se pudesse obter resultados positivos depois das dificuldades que enfrentaram. Seus vários integrantes passaram o inverno em trailers rudimentares e containers com banheiros e cozinhas improvisadas. “Nós temos animais. Para onde poderíamos ir?”, perguntou Augusta Raboni, a matriarca da família, explicando porque resolveram ficar, ao invés de se mudarem para hotéis na costa do Mar Adriático, onde outras famílias que perderam suas casas ficaram abrigadas durante o inverno.

No fim de maio, o Estado finalmente entregou pequenas casas pré-fabricadas, que ainda estão sendo montadas. A família afirmou que já tinha passado da hora.

Durante o inverno frio e nevado que matou muitos de seus animais, “fomos abandonados pelo governo”, afirmou o marido, Florindo Angeli.

Mas os dados coletados na fazenda e com os animais sobreviventes vão se mostrar fundamentais e serão combinados com outros dados que estão sendo coletados pelo instituto de ornitologia, que monitora centenas de animais.

Trata-se de uma parceria internacional entre pesquisadores russos e alemães conhecida como ICARUS (Cooperação Internacional de Pesquisa Animal Utilizando o Espaço, na sigla em inglês), um sistema de monitoramento via satélite que irá acompanhar dezenas de espécies equipadas com transmissores remotos. “Seremos capazes de aprender com esse coletivo de animais espalhados pelo mundo. É uma ideia muito simples, mas poderosíssima”, afirmou Wikelski.

A Pesquisa Geológica dos EUA destaca em seu site que “existem incontáveis evidências anedóticas de que animais, peixes, pássaros, répteis e insetos exibem comportamento estranho de semanas a segundos antes de terremotos”. Porém, a agência federal norte-americana, responsável por registrar as atividades de terremotos nos Estados Unidos também afirma que “ainda não possuímos dados consistentes e confiáveis sobre o comportamento dos animais antes de eventos sísmicos, assim como o mecanismo que explicaria como isso acontece”.

Reconhecendo que muitos cientistas são céticos em relação à sua linha de pesquisa e que ainda existem muitas variáveis, Wikelski afirmou que está ansioso para realizar experimentos em maior escala. “Mesmo que possamos demonstrar que isso é algo que os animais são capazes de sentir”, afirmou Wikelski, ele destacou que se trata “apenas de uma fazenda em um lugar do mundo, o que significa que nossas afirmações ainda são muito limitadas”. “Estamos apostando alto, então precisamos ter provas contundentes.”

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