Em breve, à sua mesa, será possível consumir carne bovina produzida com impacto ambiental mínimo e neutralização total dos gases de efeito estufa resultantes das flatulências e arrotos dos bovinos. Não, ninguém vai incomodar os bois e vacas por causa da poluição involuntária que causam na atmosfera. A solução para os gases deletérios dos animais é a pecuária consorciada ao plantio de eucaliptos, que fixam o CO2 em seus troncos, galhos e folhas. E com o benefício adicional de bem-estar dos animais, que pastejam à sombra.
Nesta quinta-feira, 14, um grupo de pecuaristas com representantes de todo o País lançou em São Paulo a Associação Brasileira de Produtores de Carne Carbono Neutro (ABCCN). Os criadores vão seguir um protocolo de produção sustentável de carne desenvolvido pela Embrapa Gado de Corte, no Mato Grosso do Sul, e que promete elevar o produto brasileiro a um novo patamar internacional.
“É um caminho sem volta. A gente está no século da transparência, da tecnologia e da produção sustentável. Existe uma demanda enorme pela carne produzida dessa maneira, um potencial gigante para a integração lavoura-pecuária-floresta. Todo mundo quer saber hoje o que está consumindo, de onde vem e como é produzido. E nós temos orgulho de mostrar isso. Não dá mais para engolir questões comerciais que colocam culpa na nossa maneira de produção. Isso não existe”, diz o pecuarista Gustavo de Salvo, que cria gado em Curvelo, região central de Minas Gerais, e que foi eleito presidente da nova associação.
A pesquisadora Fabiana Villa Alves, uma das idealizadoras da marca Carne Carbono Natural, patenteada pela Embrapa, disse que a eficiência do sistema integrado para reter carbono está amplamente documentada. “Há 24 anos temos estudado isso. A comprovação científica está caindo de madura. Nos sistemas de integração, 100% do CO2 é neutralizado e ainda há um superávit”, enfatiza a pesquisadora. Ela aponta que, num futuro próximo, quando o mercado de créditos de carbono for regularizado no Brasil, essas sobras de sequestro de carbono poderão ser comercializadas.
Quer dizer, então, que de vilã a pecuária brasileira pode ser aliada contra o aquecimento global? “É isso mesmo”, assegura Fabiana Alves. “E não estamos falando só das mudanças climáticas, que é o que mais aparece e tem mais apelo. O selo Carne Carbono Neutro envolve também a questão do bem-estar animal, em que o gado é mantido em condições agradáveis, não é maltratado”.
Um acordo de cooperação foi assinado pela Embrapa com a Marfrig, que irá comercializar a carne com o selo CCN.
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Além da carne, a madeira produzida no sistema integrado poderá receber o selo de carbono neutro e ser utilizada para agregar valor a móveis, pisos, esquadrias e outras peças da construção civil, em mercados “premium”, no Brasil ou no exterior. O presidente da associação não prevê uma data para a carne CCN chegar ao consumidor: “Estamos nos fundamentos da associação, discutindo estatutos e foco de atuação. Mas nascemos não só com um tamanho muito, mas com força e propósito para fazer a diferença”, diz De Salvo .
O Brasil possui o maior rebanho bovino comercial do mundo, com 232 milhões de cabeças. No País, segundo a Embrapa, já existem 11,5 milhões de hectares de terras em que se pratica o sistema de integração lavoura-floresta-pecuária, de um total de 350 milhões de hectares dedicados à agricultura. Desde 2017, o protocolo de Carne Carbono Natural está sendo testado em oito propriedades comerciais nos biomas Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica. A Embrapa apenas detém a patente e os protocolos do selo CCN, cuja emissão ficará a cargo de certificadoras de produtos agropecuários oficialmente credenciadas.