Símbolo supremo da ascensão da nova classe média ao longo da última década, a carne vermelha se transformou em artigo de luxo desde o início da recessão econômica, no segundo trimestre de 2014. O desemprego e a queda do poder aquisitivo da população derrubaram o consumo médio de carne bovina por habitante a um dos menores níveis da década: 32 kg/ano, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Dez anos atrás, o volume girava em torno de 40 kg/ano por habitante.
Frango e porco
viraram as proteínas alternativas no Brasil. O consumo per capita de frango em 2015 foi 43,2 kg, e de porco, 15,1 kg.
De acordo com a Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), o cenário aponta para uma crise sem precedentes num setor que emprega mais de 1 milhão de pessoas no Brasil. Desde o começo de 2016, dezenas de frigoríficos fecharam as portas no país. Apenas em julho, no Paraná e em São Paulo, duas empresas demitiram mais de mil trabalhadores. Foi o caso da JBS, em Epitácio Pessoa; e da Oregon, em Apucarana.
Para não fechar, algumas empresas estão fazendo readequações severas. Em Campo Mourão, na região Centro-Oeste do estado, os gerentes do frigorífico Orion & Magistral, Flávio Tagliari e Júlio Cesar Severino, contam que cancelaram todos os investimentos. “Tínhamos um cronograma de investimentos na câmara fria, nas instalações da desossa e em contratações de mais funcionários. Porém, a crise fez com que colocássemos o pé no freio. Não dá para saber como serão os próximos meses”, dizem.
Hora extra e desperdícios estão proibidos. O frigorífico também reduziu os dias de abate. “Tudo foi feito para se manter no mercado. O importante é conseguir ultrapassar essa fase extremamente difícil que estamos vivendo. Caso a crise piore para o setor, vamos enxugar ainda mais”, afirmam.
Segundo o presidente da Abrafrigo, Péricles Salazar, 80% das 9,5 milhões de toneladas de carne bovina produzidas no país são destinados ao mercado doméstico. “A situação não é nada confortável, principalmente para os pequenos e médios frigoríficos. Neste mercado, o que faz a rentabilidade é o volume. E se o preço não está bom, fica mais difícil manter o ritmo de produção e conseguir lucrar”, explica.
Líder nacional de abates, Mato Grosso, estado que também tem o maior rebanho nacional de bovinos – cerca de 29 milhões de cabeças – deixou de abater cerca de 43 mil cabeças no primeiro trimestre deste ano, uma redução de 3,7% em comparação com 2015.
Na opinião do zootecnista Paulo Rossi Júnior, coordenador do Laboratório de Pesquisas em Bovinocultura (LapBov) da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a crise econômica é uma realidade, mas é preciso que a cadeia inteira se organize para sair dela, principalmente o varejo. “Os preços da carne subiram demais para o consumidor, e quando a crise chegou, eles não voltaram para um patamar mais acessível. É preciso cobrar um pouco mais e fazer com o que o varejo reveja as margens neste momento difícil”, acredita.
Exportação não é solução, por enquanto
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o rebanho bovino tem mais de 212 milhões de cabeças no Brasil. Ano passado, o setor produziu 9,5 milhões de toneladas, sendo que 1,8 milhão foi exportado para mais de 140 países.
De acordo com a Abrafrigo, a expectativa é que o volume de carne enviada para o exterior cresça 4,1% neste ano. No entanto, segundo a entidade, mesmo que isso aconteça, a recente desvalorização do dólar limita a rentabilidade das indústrias. “As exportações perderam rendimento com a desvalorização cambial. O dólar abaixo de R$ 3,50 não é favorável”, afirma Péricles Salazar.
Segundo ele, a crise em países como Venezuela e Rússia, grande importadores de carne brasileira, também prejudica o setor.
No entanto, mesmo diante do atual cenário, o presidente da entidade é otimista. “Já passamos por outras crises e superamos. Acredito que com a nova situação política, a esperança renasceu, principalmente para a abertura de novos mercados”, diz.
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