Os americanos podem até ter motivações protecionistas para barrar a importação de carne bovina do Brasil, seu maior concorrente no mercado internacional, mas o fato é que a comitiva do Ministério da Agricultura que chegará a Washington nos próximos dias deverá abrir a conversa com um sincero “mea culpa” pelas falhas em nosso sistema de defesa sanitário.
Especialistas ouvidos pelo Agronegócio da Gazeta do Povo avaliam que os caroços e abscessos encontrados na carne exportada, que deram motivo ao embargo, jamais poderiam ter escapado do processo de limpeza da carcaça feito nos frigoríficos.
“Qualquer caroço ou lesão na musculatura deve ser retirado no momento do abate. Não que haja risco à saúde pública, mas é para evitar um aspecto ruim na carne”, afirma o gerente de Saúde Animal da Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (ADAPAR), Rafael Gonçalves Dias.
Para Dias, a existência do caroço após a vacinação é natural e até esperada. “A vacina hoje utilizada é oleosa, daí a formação do caroço, para que a absorção lenta permita que o animal fique imunizado por mais tempo”, pondera.
Na grande maioria do gado vacinado a irritação no local da aplicação da vacina costuma ser passageira. Em alguns animais, no entanto, a reação inflamatória pode ser mais intensa, levando à formação da fibrose, o tal caroço. “O músculo onde ocorre a fibrose tem que ser retirado no momento da limpeza da carcaça no frigorífico”, ressalta o professor Amauri Alfieri, do Laboratório de Virologia Animal da Universidade Estadual de Londrina.
Já quando se fala de abscessos (bolsas com formação purulenta), o assunto é uma questão de higiene. Os abscessos resultam de infecções por bactérias e geralmente estão ligados ao contato da agulha com material contaminado.
“Existe um risco de contaminação na hora da vacinação, devido à pele suja ou molhada, ou ainda pelo número excessivo de vacinações sem troca da agulha”, afirma Alfieri. O veterinário Rafael Dias reconhece que a imagem de um abscesso pode ser um pouco assustadora. “Esses vídeos de abscessos que circulam nas redes sociais mostram uma situação atípica e extrema. É difícil de encontrar abscessos tão grandes”. “Praticamente tudo o que envolve abscessos pode ser resolvido com higiene e conservação adequada da vacina”, completa.
O Brasil é o único país que ainda vacina contra febre aftosa que tinha autorização para exportar carne bovina fresca para os Estados Unidos. Os cortes enviados para lá, da parte dianteira do boi, são considerados menos nobres e se concentram justamente na região próxima da aplicação da vacina, preferencialmente no pescoço.
A visita dos técnicos brasileiros, antes uma viagem de rotina marcada para setembro, foi antecipada e ganhou crítica importância econômica e estratégica para o nosso agronegócio, que apenas em julho do ano passado conseguiu acesso ao mercado americano de carnes in natura, fechado havia dezessete anos.
O desafio da comitiva do Ministério será dar explicações e garantias que pavimentem o caminho para uma visita seguinte, do ministro Blairo Maggi, que pretende anunciar rapidamente a resolução do imbróglio ao lado do secretário de Agricultura dos Estados Unidos, Sonny Perdue. Seguindo o protocolo das missões técnicas internacionais, o Ministério da Agricultura não divulga quem viajará nem os locais e pessoas que serão visitados.