Um em cada três quilos de carne exportados atualmente pelo Brasil desembarca em Hong Kong ou na China. Na prática significa dizer que os chineses da antiga colônia britânica, que lidera as importações, e da China continental, em segundo lugar, compram todo mês mais de R$ 1 bilhão em carne bovina, suína e de frango do Brasil.
Hong Kong já gastou neste ano R$ 6,2 bilhões para comprar 687 mil toneladas de carne brasileira, segundo dados do Ministério da Agricultura. Os embarques diretos para a China, por sua vez, alcançaram R$ 4,73 bilhões e 539 mil toneladas.
“Essa concentração não é muito boa, porque se eles resolvem fechar o mercado da noite para o dia estaremos perdidos”, diz Paulo Rossi, coordenador do Laboratório de Pesquisas em Bovinocultura da Universidade Federal do Paraná. Por outro lado, observa Rossi, os chineses “ajudam muito” o Brasil num momento em que antigos compradores desapareceram, como a Venezuela, ou diminuíram significativamente as compras, como a Rússia.
“É bom mantermos uma relação comercial muito boa com os chineses, para não levar nenhum susto”, afirma o pesquisador. O que dá tranquilidade ao Brasil é o fato de não existir no mercado fornecedor melhor para a China. “Lá tem mais de um bilhão de pessoas, eles precisam da carne brasileira. Nós ainda oferecemos uma das carnes mais baratas para consumir, e com qualidade. Se fossem comprar dos americanos, os chineses pagariam muito mais caro”, sublinha Rossi.
Com apenas 7,3 milhões de habitantes, Hong Kong funciona como um hub de reexportações para a China, país ao qual se integrou em 1997, após 150 anos como colônia britânica, mas mantendo um elevado grau de autonomia econômica e legal. Foi considerada em 2015 a cidade mais livre do mundo pelo Índice de Liberdade Econômica, à frente de Cingapura.
Para o consultor Vlamir Brandalizze, a triangulação no caminho da carne – Brasil/Hong Kong/China – se explica pela política da boa vizinhança e preservação do parceiro comercial. Além de ter domínio regional e fácil acesso ao mercado chinês, Hong Kong é cliente assíduo da carne brasileira há mais de duas décadas, quando começou comprando carne suína e, depois, frango. “Alguns mercados asiáticos são cativos do pessoal de Hong Kong. Então, para não brigar com o teu cliente, é melhor deixar que ele faça a venda”, afirma Brandalizze. Ele aponta, contudo, um movimento crescente de instalação de escritórios de bancos, cooperativas e empresas brasileiras em Hong Kong que, a médio-longo prazo, vão acabar preenchendo os espaços ocupados hoje pelos traders anglo-chineses.
O Brasil faria bem em estudar a forma de atuação dos chineses de Hong Kong e dos americanos, dois grupos considerados “vendedores de verdade” no mercado internacional. “Nós somos apenas comprados. Na carne, e mesmo na soja, eles compram de nós e vendem lá fora. Ainda temos que aprender muito com os Estados Unidos, por exemplo, que vão, abrem mercado, fazem todo o transfer e entregam no local indicado. Aqui não. Saiu do porto, não temos nada a ver com a história”, critica Brandalizze.
Se fossem comer toda a carne que importam do Brasil para reexportar para a China e outros países asiáticos, os moradores de Hong Kong teriam de consumir pantagruélicos 3,5 quilos por dia, cada um. Em 25 dias, superariam o que os brasileiros comem num ano inteiro.
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