Quem atravessa o sertão do sul da Austrália de carro não demora a entender por que patrulheiros como Alan Walton são necessários para manter sempre em ordem uma cerca de 5.600 km contra o ataque dos cães selvagens conhecidos como dingos.
Num dia recente de trabalho, logo de manhãzinha ele viu quando um canguru, talvez atraído pelo pasto mais verde ou uma fêmea do outro lado, partiu para cima da cerca com toda a força, ricocheteando feito um boxeador nas cordas.
Em questão de minutos, Walton, 54 anos, passou com sua picape, que por aqui é conhecida como “ute”, pelo trecho danificado. Desta vez, a barreira continuava intacta, mas, em outras ocasiões, o oficial já teve que fazer remendos no arame, estabilizar uma das estacas e desenroscar um canguru irritadíssimo.
O conceito por trás da grade é simples: manter cães ferozes e dingos (uma espécie de cachorro selvagem) de um lado e as fazendas de criação de ovelhas, vulneráveis, do outro. Levantada pelos colonizadores no século XIX, essa cerca tem uma presença histórica no interior do país.
Um patrulheiro para cada 800 km
Formada por uma rede de arame e vigas, a cerca vai da costa austral até quase o litoral oriental em uma linha irregular, o que representa quase o dobro da extensão da fronteira dos EUA com o México. Alguns trechos, inclusive, têm mais de cem anos. Uma pesquisa recente, porém, levanta questões sobre seu impacto ambiental e uma nova tecnologia ameaça acabar com sua forma de manutenção.
O conserto da cerca na Austrália Meridional (que também atravessa Nova Gales do Sul e Queensland) fica a cargo de sete patrulheiros, cada um responsável por uma seção que divide a terra árida por onde ser humano algum raramente transita. O segmento de que Walton cuida fica perto de Coober Pedy, uma cidadezinha mineradora de opalas a cerca de nove horas ao norte de Adelaide.
“Eles fazem um estrago danado”, comenta a respeito do dingo, o cachorro selvagem cor de areia nativo do continente. “Tendo isso em mente, talvez essa seja a minha função mais importante, pois ajudo a proteger as pessoas, seus rebanhos e seu ganha-pão.”
A “operação remendo” na companhia de Walton começou bem antes do raiar do dia, em uma estrada de terra que fica cada vez mais esburacada na medida em que se afasta da rodovia principal. Ele checa a cerca de duas a três vezes por mês, geralmente acampando em um híbrido de barraca e saco de dormir conhecido como “swag”.
“Dá para ver, em algumas áreas, sinais de que alguém andou se atolando por aqui”, comenta Walton, com orgulho, antes de acrescentar: “Fui eu”. Uma vez seu utilitário ficou três dias preso na lama.
Ali, sinal de celular é coisa que não existe. Logo depois de começar a atuar como patrulheiro, há quase três anos, Walton comprou um telefone via satélite - um investimento que se mostrou valioso logo após o primeiro atolamento e o encontro com uma cobra venenosa.
Walton guiou a caminhonete por cerca de horas, procurando buracos no arame ou túneis por baixo dele cavados pelos dingos. Examina a vastidão de seu “escritório”, um deserto tão absurdamente amplo que você jura poder ver a curvatura da Terra. Para quebrar a monotonia, um bando de emus (ave similar à avestruz) disputa corrida com o automóvel.
Remendos milionários
No sul da Austrália, a batalha contra o dingo começou no fim do século XIX, quando os fazendeiros ergueram as primeiras cercas à prova do animal e as patrulhas eram feitas a camelo.
Com o passar do tempo, as iniciativas individuais se fundiram para formar uma única barreira no estado, cuja manutenção hoje custa 1,3 milhão AUD, ou US$1 milhão ao ano. Porém, de acordo com o Centro para Soluções de Espécies Invasivas, mesmo com a proteção, os animais ferozes custam ao setor agrícola US$ 65 milhões anuais, causando danos à estrutura, à sua volta e aos rebanhos.
“Se você tem carneiros, basta o cachorro passar no meio do rebanho para assustar as fêmeas”, explica Richard Treloar, criador com duas propriedades protegidas pela cerca.
Apesar dos benefícios econômicos, tanto cientistas como ambientalistas estão cada vez mais preocupados com o impacto da ausência do dingo em várias partes do país. Sem ele, o número de gatos selvagens e raposas explodiu, o que representa uma ameaça aos animais nativos menores que são suas presas, segundo o especialista Thomas Newsome, da Universidade de Sydney.
“A cerca do dingo talvez seja a iniciativa mais contundente de qualquer país para exclusão de um predador, impedindo-o de habitar e recolonizar as áreas onde antes vivia livremente”, explica ele. Só que a barreira também interrompe a migração de muitas espécies, isolando geneticamente suas populações.
Estratégias contra dingos
Os pesquisadores estão buscando formas mais ágeis e menos invasivas de manter as cercas. Em 2016, a Universidade de Adelaide testou o uso de drones em substituição aos patrulheiros.
Além de consertar a cerca, Walton coloca bolotas envenenadas ao longo dela. E para o caso de ver um cachorro do lado errado da barreira, leva sempre uma espingarda consigo.
O trabalho pode parecer trivial e solitário, mas Walton o descreve como a realização de um sonho.
“Eu acho que é um trabalho específico para um determinado tipo de pessoa, mas quem está no ramo, adora”, afirma Michael Balharry, presidente do Dog Fence Board, a respeito dos patrulheiros. Os cargos são disputados, e os profissionais se mantêm neles durante vários anos. Walton substituiu um septuagenário que trabalhou na patrulha durante mais de quatro décadas.
O próprio Walton se diz feliz por fazer parte de uma linhagem de sentinelas. “É uma iniciativa incrível. Quando eu me aposentar, vai ser bonito poder olhar para trás e dizer: -Cumpri minha função-.”
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