O principal laboratório nacional de produção de kits de diagnósticos de brucelose e tuberculose bovina e aviária está “interditado” desde dezembro e põe em risco a qualidade da carne e leite do Brasil. A fabricação era feita no Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar), que, até 2016, era responsável por fornecer 90% da demanda nacional de mais de 10 milhões de kits diagnósticos disponibilizados por ano.
Brucelose em humanos: casos estão em crescimento
Após auditoria do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), em setembro passado, o Tecpar teve de parar a fabricação dos kits antes do fim do ano. “O relatório constatou não conformidades no laboratório. Enviamos uma carta ao ministro [Blairo Maggi] e pedimos ajuda para mobilizar recursos”, explica o diretor presidente do Tecpar, Julio Cesar Félix.
O custo de adequação gira em torno de R$ 3 milhões e é preciso uma licitação para as reformas. Conforme estimativa do Tecpar, a fabricação somente deve ser normalizada entre seis meses e um ano após aprovada a concorrência. Apesar disso, segundo o diretor, esse financiamento não caberia ao estado do Paraná porque a produção é feita a preço de custo para todo o território nacional.
Por sua vez, o Departamento de Fiscalização de Insumos Pecuários (DFIP) do Mapa informou à Gazeta do Povo que está realizando importações emergenciais do Uruguai e conta com fabricação de outros laboratórios nacionais.
Obrigatória, vacina de brucelose não está em falta
Se por um lado o diagnóstico das doenças de tuberculose e brucelose está comprometido, a vacinação está normal, segundo o Departamento de Fiscalização de Insumos Pecuários (DFIP) do Ministério da Agricultura.
Anualmente, todas as fêmeas bovinas entre três e oito meses de idade devem ser vacinadas contra a brucelose, segundo instrução normativa de 2016 do Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e Tuberculose (PNCEBT). Para tuberculose, contudo, ainda não existe uma vacina.
Rafael Gonçalves Dias, fiscal da Adapar, confirma que não há problemas de distribuição da imunização. “É inclusive a única forma de prevenção”, destaca. “Vacinas temos o suficiente”, reforça Altair Valotto, superintendente da Associação Paranaense de Criadores de Bovinos da Raça Holandesa.
Conforme o órgão federal, seis empresas fabricam essas vacinas no Brasil. O Tecpar não é um dos fabricantes desse produto. O instituto paranaense realiza apenas a fabricação da vacina antirrábica. Esta produção está normal, segundo a entidade.
País em alerta
Desde dezembro, [quase] tudo em relação à produção desses dois antígenos (nome técnico do diagnóstico) está paralisado no laboratório do Tecpar. “Neste momento, temos produtos envasados e outros a envasar”, afirma Félix. Ele estima que o atual estoque no mercado e essa nova distribuição, que ainda precisa ser liberada pelo ministério, são suficientes para abastecer o país até o final do ano.
Produtor de bovinos e presidente da Comissão Técnica de Bovinocultura de Leite da Federação de Agricultura do Paraná (FAEP), o médico veterinário Ronei Volpi faz um alerta: “se o caso não for solucionado, a consequência é a probabilidade de, entre 60 e 90 dias, serem interrompidos os programas de combate [à tuberculose e à brucelose] no país”, afirma.
A reportagem levantou que, além do Tecpar, apenas o Instituto Biológico de São Paulo fabrica esses antígenos no Brasil. Com esse cenário, pode haver falta do produto em dois meses, conforme revelou uma fonte ligada à área de sanidade animal, que prefere manter anonimato.
Luciana Faria de Oliveira, fiscal agropecuária e médica veterinária do Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA) diz que desde antes de 2016 já havia oscilação na disponibilidade do produto. Mas foi a partir do fim do ano passado que a situação se tornou crítica. “Com a impossibilidade de produção pelo Tecpar, a dificuldade se deu pela sobrecarga do Instituto Biológico (IB) para produção para todo o Brasil”, completa.
Estoques no limite
Atualmente, a Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar) possui 24 estabelecimentos credenciados para a venda dos dois tipos de antígenos. Quatro foram contatados pela reportagem e todos revelaram estar com estoque baixo ou sem o produto no momento. “A ausência poderia prejudicar o controle das doenças de brucelose e tuberculose”, comenta Rafael Gonçalves Dias, fiscal da Adapar.
Superintendente da Associação Paranaense de Criadores de Bovinos da Raça Holandesa, Altair Valotto estima que o produto importado tenha valor 40% a 50% superior para o produtor. “É um problema sério em nível nacional”, diz.
Cada kit de 50 doses de tuberculina (para diagnóstico da tuberculose bovina) tem custo de R$ 75, quando adquirido junto ao Tecpar; e de R$ 60, junto ao Instituto Biológico de São Paulo; conforme levantamento com lojas especializadas. Já o antígeno para brucelose é comercializado a R$ 160, com 200 doses, junto ao Tecpar. Pela entidade paulista o valor é de R$ 102, com 160 doses.
Empresário do PR desistiu de tentar achar o produto
Arlindo Barrichelo, proprietário da Mariana Agropecuária de Toledo, diz que desistiu de buscar tais insumos devido à dificuldade de conseguir o produto, e informa que recebe ligações de outras regiões, como de Maringá, pedindo o produto. Em Francisco Beltrão a situação não é tão crítica, segundo Chirlei Radim, da Veterinária Celeiro. “Quando não recebo é porque acontece alguma falta no laboratório”, conta. Até sexta-feira (5), ela não tinha os produtos disponíveis, mas espera receber uma remessa nesta semana.
Crescem casos de brucelose no Paraná
Tuberculose e brucelose são enfermidades que ameaçam não apenas os animais. “Além de comprometer a qualidade do rebanho, são transmissíveis ao ser humano. [Um surto] seria um retrocesso, pois afeta a qualidade do leite e da carne”, comenta Rafael Dias, fiscal da Adapar. Tanto a tuberculose quanto a brucelose podem ser transmitidas a pessoas por leite e derivados não pasteurizados, por exemplo, e pela convivência com animais doentes.
A principal fonte de contaminação da brucelose é pelo contato direto com líquidos e secreções de animais. O último surto no Paraná aconteceu em Paiçandu, quando 33 funcionários de um frigorífico foram infectados. Em 2014, 55 casos em humanos foram confirmados no estado contra 75 em 2015. Já em 2016, cerca de 100 casos foram informados à Secretaria de Estado da Saúde.
Entre os sintomas dessa doença estão fadiga, febre alta, suor e calafrios, assim como forte perda de peso, além de casos de inchaço e pus em órgãos como fígado e baço.
Apesar do crescimento, o médico veterinário Altair Valotto minimiza o risco de animais doentes chegarem ao consumidor: “As linhas de abate dos frigoríficos possuem o selo SIF, de Serviço Inspeção Federal, onde há profissionais capazes de reconhecer essas doenças”, informa Valotto, que também é superintendente da Associação Paranaense de Criadores de Bovinos da Raça Holandesa. “O problema é que, muitas vezes, no interior acontece o consumo da carne e leite sem inspeção”, reconhece.
Todos os bovinos devem passar anualmente por exames de diagnóstico de tuberculose e brucelose. Quando um animal é identificado com a doença, a recomendação é o abate, a fim de conter a progressão da doença no rebanho.